Quem tem história, tem que contá-la, tem que transmiti-la às gerações futuras…
E se tem um clube que tem história, e uma história linda, pra ser contada, esse clube é a Sociedade Esportiva Palmeiras.
1942… A Segunda Guerra Mundial acontecia… o Brasil declarara guerra aos países do Eixo (a Itália era um deles) e, por causa disso, as colônias desses países no Brasil passaram a ser perseguidas…
Palestra Italia, de origens italianas… e italianos (japoneses e alemães também) passaram a ser mal vistos e perseguidos por brasileiros, passaram a ser vítimas do preconceito.
Pra se ter uma ideia, o presidente Getúlio Vargas decretara que os bens de italianos, japoneses e alemães, tanto de pessoas físicas quanto jurídicas (que moravam e trabalhavam no Brasil e nada tinham a ver com o que se fazia na guerra) poderiam ser confiscados para compensar os prejuízos causados ao Brasil pelos países do Eixo – Decreto 4.166, de 11/Março/1942.
E mais, italianos, japoneses e alemães eram proibidos de falar os seus idiomas em público. Cartazes como esse, eram obrigatoriamente colocados em repartições públicas, comércios, clubes… e todo o rigor da lei estava destinado a quem desobedecesse.
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Nem as criancinhas, pobrezinhas, escapavam… No sul do país, as crianças de origem alemã, por exemplo (a maioria delas nascidas no Brasil), eram proibidas de se expressar em alemão, sob pena de serem colocadas de castigo.
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Tempos difíceis, de perseguição, xenofobia, de ódio insuflado… imagina a vida dos imigrantes aqui? Imagina se no futebol, onde já existe/existia grande rivalidade normalmente, a loucura da guerra não encontraria solo fértil?
Palestra Italia perseguido, caluniado (algumas coisas não mudaram, não é mesmo?) sofrendo todo o tipo de preconceito… E, em meio à perseguição que a guerra ocasionava, havia o “extra” de alguns que queriam se aproveitar da situação. Era o que queriam fazer com o Palestra, e com o seu estádio. Sim, queriam se apropriar do seu patrimônio.
O campeonato Paulista de 1942 estava em curso, em meio à gigantesca tensão que a guerra ocasionava… O Palestra era líder, mas, em Março de 1942, temendo as consequências da perseguição sofrida, resolveu alterar o seu nome para Palestra de São Paulo (muitas outras instituições fizeram o mesmo, como, por exemplo, o Palestra Italia de Minas Gerais, que virou Cruzeiro), seu escudo, naquela ocasião, perdeu a cor vermelha e passou basicamente a ser verde e amarelo.
O Palestra de São Paulo disputou seis partidas com essa denominação, venceu as seis, mas as autoridades que o perseguiam, alguns jornais que também o perseguiam (ainda existe isso nos dias de hoje, não é mesmo?) não se deram por satisfeitos.
Embora a palavra “Palestra” seja de origem grega, as autoridades do governo alegando que ela fazia alusão à Itália, determinaram que o nome do clube fosse novamente alterado.
Uma questão era observada atentamente pelos dirigentes palestrinos… Na troca de nome, o clube já havia cumprido com as suas obrigações perante a lei. E mesmo assim o obrigavam a mudar de nome mais uma vez. Isso deixava claro que havia realmente uma perseguição ao clube.
Imagina a situação? Faltavam duas partidas para o final do campeonato e bastava uma vitória ao Palmeiras para que ele fosse o campeão (seria o seu nono título paulista). No entanto, o clube corria um sério risco de perder seu patrimônio, e até mesmo, de ser fechado.
Graças a Deus nossos dirigentes eram iluminados… sabiam que poderiam perder seu patrimônio, seu estádio, para outros clubes; sabiam que havia um clube, o São Paulo, que estava de olho no Parque Antarctica, e poderia se aproveitar dessa hostilidade e perseguição ao clube de origens italianas, – alguns jornais tentavam contaminar os brasileiros pintando o Palestra como traidor da pátria. Os dirigentes, sagazes, imbuídos da necessidade de defender e proteger o clube, perceberam que algo mais precisava ser feito…
Graças a Deus também, que o Capitão Adalberto Mendes fora designado pelo Exército para servir em São Paulo e, nas coincidências da vida e do “acaso” (a ajuda sempre vem de algum lugar) acabou conhecendo e se identificando com o Palestra, criando laços de amizade com dirigentes, e acabou sendo nomeado 2º vice-presidente por Ítalo Adami, o presidente palestrino na época. O Capitão Adalberto poderia vir a ser também a figura patriota que amenizaria a hostilidade da qual o Palestra era vítima.
Uma importante reunião aconteceria em 14 de Setembro de 1942 (ela não deve ter sido nada fácil)… e nela, Mario Minervino, que era da diretoria, diria as palavras que não cansamos de orgulhosamente repetir até hoje… “Não nos querem Palestra, pois seremos Palmeiras e nascemos para ser campeões”. E assim nascia a Sociedade Esportiva Palmeiras…
Décadas depois, Oberdan Cattani me contaria o que foi pra eles, jogadores, essa mudança. Diria que o time estava concentrado na chácara de um diretor quando eles receberam a notícia da mudança de nome… Diria que ele e os companheiros ficaram muito tristes… Me contaria que ele e alguns jogadores choraram, que não conseguiram nem dormir direito à noite… diria também que todos sabiam que era o São Paulo por trás daquela situação. Que o clube rival tinha um diretor que era do Exército… Já estávamos na primeira década do novo século, depois de tantos anos passados, e os olhos de Oberdan, ao falar do assunto, mostravam ainda a profunda tristeza que ele sentira… Foi impossível não sentir o mesmo também.
Por isso, imaginei com que espírito e motivação foram eles para o jogo decisivo…
O Palestra vinha de 18 partidas, com 16 vitórias, 8 empates, 61 gols marcados e apenas 15 sofridos… e agora, como Palmeiras, teria o adversário/inimigo pela frente… Boa parte da imprensa caprichava na “arte” de macular a imagem do Palmeiras na semana que antecedia o jogo, lhe “presenteando” com os piores adjetivos possíveis na tentativa de jogar a opinião pública contra ele (por outros motivos e intenções, boa parte dela continua agindo do mesmo jeito nos dias atuais). A pressão era muito grande em cima dos palestrinos/palmeirenses.
Mas não se faz o aço sem fogo, não é mesmo?
Milhares de pessoas lotavam o Pacaembu… A torcida palestrina, que já era uma das maiores da capital, era muito numerosa no estádio; no entanto, era grande o número de antipalmeirenses também…
O cenário estava pronto para que o Palmeiras entrasse em campo intimidado… Certamente ele seria muito vaiado e teria que entrar cabisbaixo, ferido na alma, no orgulho… Um cenário muito favorável ao seu adversário. Havia muita tensão antes do jogo, antes da entrada do Palmeiras em campo.
Mas era o Palmeiras… e ele nascia pra superar as adversidades que encontrasse em seu caminho… nascia pra mostrar que era brasileiro sim senhor… nascia, sim, pra ser campeão…
O Capitão Adalberto teve a ideia de o time entrar com a bandeira do Brasil; ele entraria, fardado, com o time também (Oberdan me diria, anos depois, que eles gostaram muito da ideia porque a bandeira significava que eles lutariam pelo Brasil se fosse preciso, e era assim que se sentiam)…
E, então, o Palmeiras entrou em campo… “Após alguns segundos de surpresa por parte de todos, fomos muito aplaudidos e nenhum ato hostil nos foi desferido” – Capitão Adalberto em depoimento a Luiz Granieri em 1982.
Sim, ao contrário do que imaginara muita gente – seu adversário, inclusive – o Palmeiras nascia aplaudido, altivo… brasileiro, respeitado. E tinha pela frente a missão de vencer o jogo cuja vitória simbolizava toda a luta que o Palestra teve que enfrentar pra defender seu patrimônio, para defender o direito de existir como clube de futebol.
Oberdan, inspiradíssimo (imagina se não?), e usando o azul no uniforme pela primeira vez (a partir dali os uniformes dos goleiros palmeirenses seriam azuis), fazia boas defesas e colocava por terra algumas tentativas iniciais do adversário. E, aos 20 minutos, o ponta Claudio Pinho abriu o placar no Pacaembu, marcando o primeiro gol da Sociedade Esportiva Palmeiras.
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Poucos minutos depois, aos 23′, Waldemar de Brito empatou o jogo. Aos 43′, Del Nero fez o segundo para o Palmeiras. A partida era nervosa, muito disputada… havia muito mais do que um campeonato em jogo…
Jogo nervoso, equilibrado… Para os adversários só a vitória interessava… eles bem que tentaram, mas o time do Palmeiras, que parecia estar mais bem preparado, ter mais disposição, força em campo (por que será, né?) defendia tudo.
Aos 14 minutos, Echevarrieta ampliou a vantagem do Palmeiras… 3 x 1. Três minutos depois, Og Moreira invadiu a área e sofreu uma entrada violenta do zagueiro são-paulino, Virgílio. O árbitro marcou o pênalti.
Os adversários, que não queriam perder o jogo de jeito nenhum, ficaram revoltados e não deixavam o Palmeiras cobrar a penalidade. E, então, aos 21 minutos, os são-paulinos abandonaram a partida. Sim, meu amigo, muito provavelmente para não ter que ver o Palmeiras se sagrar campeão ali no Pacaembu, o São Paulo correu do jogo… Ter visto o Palmeiras ser aplaudido ao entrar em campo – quando esperavam que ele fosse humilhado -, já deve ter sido demais pra eles.
O árbitro aguardou o término do tempo regulamentar e apitou o final da partida… Palmeiras Campeão Paulista de 1942.
Não foi só mais um título, não é mesmo? Contra tudo (de ruim que quiseram lhe imputar), contra todos (os que quiseram lhe prejudicar), o Palmeiras escreveu uma página linda de sua história… a da Arrancada Heroica…
É por isso que 20 de Setembro está no calendário oficial do Município de São Paulo como o DIA DO PALMEIRAS (lei nº 14060)… e nós o comemoramos como o dia em que o Palestra morreu líder e o Palmeiras nasceu campeão!
Auguri, Palestra…Parabéns, Palmeiras!!