PALMEIRAS CAMPEÃO DO MUNDO… ERA A COPA QUE FICAVA – Parte I

Eu sempre soube que o Palmeiras conquistou um campeonato mundial de clubes em 1951… Alberto Vicente, meu pai, assistiu aos jogos em São Paulo, foi assistir à final no Rio de Janeiro e, muitos anos depois, me contou sobre aquela emoção, sobre o que significou aquilo tudo, me mostrou uma foto – daquelas de borda toda recortada –  feita naquele dia… Oberdan Cattani, o ídolo maravilhoso da história do Palmeiras, o goleiro de 3 das sete partidas do mundial, me contou também, me mostrou fotos, faixas… Fabio Crippa, o goleiro das semifinais e finais – que um dia conheci num dos aniversários de Oberdan (Deus é bom comigo, não?) -, também me falou brevemente a respeito da alegria de ter sido campeão mundial… Tive o privilégio de conhecer Valdemar Fiume (na casa do Oberdan também, mas em uma outra, e mais antiga, oportunidade – Deus me mima) e beijar as suas mãos (não tive como beijar seus pés na ocasião)… a taça, maravilhosa, repousa lá no Palestra e eu a vi de pertinho… senti a energia que ela carrega com ela…

Talvez, essa tenha sido a mais linda história que o Palmeiras, os palmeirenses (meu pai, inclusive), os cronistas,  os dirigentes da CBD, alguns dirigentes estrangeiros, e os brasileiros todos da época escreveram… e é pra eles, para os palmeirenses de outrora, para os palmeirenses de hoje, e para os palmeirenses que ainda irão nascer, que escrevo agora.

 

TORNEIO MUNDIAL DE CLUBES CAMPEÕES 1951 – “COPA RIO”…

“A memória guardará o que valer a pena. A memória sabe de mim mais do que eu, e ela não perde o que merece ser salvo” – Eduardo Galeano

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I – SURGE A IDEIA DO MUNDIAL DE CLUBES 

Logo após  a derrota da seleção brasileira para a seleção uruguaia, na final da Copa do Mundo de 1950, em pleno Estádio Municipal do Rio de Janeiro (Maracanã); logo após a frustração e dor que essa derrota causara para todo um país… Depois de quase 200 mil pessoas, numa demonstração de extrema grandeza e civilidade, encontrarem forças para aplaudir os adversários vencedores mesmo estando com o coração em pedaços e os olhos cheios de lágrimas… depois de quase 200 mil pessoas deixarem o Maracanã desoladas, em absoluto e estarrecedor silêncio, e sem querer nem mais ouvir falar em futebol, a CBD (Confederação Brasileira de Desportos) começou a organizar  uma competição que já vinha sendo pensada/sonhada/desenhada antes mesmo da Copa do Mundo.

Em 1950, antes da Copa se iniciar, um jornalista chamado Mario Filho (irmão do também jornalista e escritor Nelson Rodrigues), um pernambucano que vivia no RJ, um apaixonado por futebol, que era proprietário do ‘Jornal dos Sports’ (o de maior circulação na América do Sul), e em seu trabalho mudava a linguagem das notícias futebolísticas – a fazia mais parecida com a linguagem dos torcedores, com a intenção de tornar o esporte cada vez mais popular -, esse profissional, apaixonado por futebol, era também um apaixonado pelo então recém construído Estádio Municipal do RJ,  e muito por causa desse estádio  ele teve a ideia de um Torneio Mundial de Clubes.

No ano anterior, em 1949, a Fifa tinha garantido que a Copa do Mundo de 1950 seria no Brasil. A princípio, e depois de todas as atribulações causadas pela Segunda Guerra na Europa, e de mais de uma década sem o torneio mundial de seleções, a Copa do Mundo seria em 1949, mas foi postergada para 1950 para dar mais tempo ao Brasil de se preparar, e para os europeus se recuperarem dos estragos feitos por Hitler. Havia também falta de dinheiro generalizada na Europa; a guerra havia drenado todos os recursos das nações envolvidas, e nem todas tinham dinheiro para a viagem, ou estavam dispostas a cruzar o Atlântico naquele começo de década (muitos países, vivendo ainda entre escombros da guerra, achavam que não era a hora de se pensar em futebol, em sediar uma Copa do Mundo).

Naquele tempo, não era fácil garantir com antecedência os participantes de uma Copa do Mundo, de um torneio mundial. Qualquer time poderia desistir a qualquer momento, e os motivos poderiam ser vários: a falta de recursos, desinteresse ou desavenças com outras nações participantes. Hoje, quando há tantas lágrimas em campo quando um time não consegue a tão sonhada vaga na Copa do Mundo, não dá para se imaginar que em 1950 a FIFA teve que se desdobrar para evitar que o seu principal torneio não tivesse seleções suficientes. Muitas seleções desistiram por falta de dinheiro, algumas recusaram em cima da hora  – mesmo com o temor de um esvaziamento, mesmo com tantas desistências, e com menos seleções participantes do que o previsto, a Copa no Brasil acabaria sendo um sucesso.

E com a Copa assegurada para o Brasil, a construção de um estádio no Rio de Janeiro – projeto antigo, e que havia sido engavetado – começou a virar frenética realidade. Mario Filho se empenhou tanto na construção do Estádio Municipal do Rio de Janeiro (ele fazia campanha pela sua construção desde o final da década de 30), combateu fortemente a ideia do político  Carlos Lacerda – que o queria mais modesto, com aproximadamente 60 mil lugares, e construído em Jacarepaguá, afirmando ser essa a vontade do povo -, conseguiu o apoio da opinião pública para que o estádio fosse construído no bairro Maracanã, se empenhou para que ele viesse a ser o maior do mundo… Ele tanto fez pelo estádio que acabou ganhando o apelido de “namorado do estádio”, estádio que seria o grande palco da Copa do Mundo em 1950. E o gigantesco palco do futebol, o maior do mundo – um dos 6 estádios da Copa, onde o Brasil jogou a maioria das suas partidas -, acabaria sendo merecidamente batizado – em 1966, um mês depois da morte do jornalista – como “Estádio Municipal Jornalista Mario Rodrigues Filho”.

E porque o Brasil tinha esse estádio maior do mundo – nenhum outro país possuía um igual, com tantos lugares -, e  por causa do sucesso técnico e financeiro da Copa Jules Rimet (que tanto agradaria à CBD e à FIFA), só aqui seria possível se realizar uma competição com a grandeza de um mundial entre clubes campeões. Era o que acreditava Mario Filho (o tempo mostraria que ele tinha toda razão).

Mas a ideia do Mundial de Clubes surgiria antes mesmo da Copa se iniciar… Segundo uma publicação de 1950 [Jornal dos Sports, 1950 – edição 06427(1)],  tudo começou num fim de tarde, dentro de um carro que se dirigia à Copacabana… Na ocasião, vivia-se a ansiedade pela  Copa do Mundo, a grande agitação que precedia a chegada das primeiras seleções inscritas no torneio.

No carro, Mario Filho, Ricardo Serran, Mario Julio Rodrigues e o também jornalista Geraldo Romualdo da Silva – que escreveria sobre isso no jornal depois. Mario Filho expôs a ideia de um torneio mundial de clubes, uma disputa entre grandes clubes campeões da América do Sul e da Europa. Eles debateram a ideia e, ali mesmo, combinaram que não se tocaria no assunto sobre o torneio enquanto Stanley Rouss (Football Association – ele foi o responsável pela comissão de arbitragem na Copa de 50), Ottorino Barassi (Federazione Italiana Giuco del Calcio e FIFA) e Jules Rimet (presidente da FIFA) não tomassem conhecimento do plano. No entanto, Serran alertava aos demais: “não podemos permitir que a ideia fique em sigilo muito tempo”.

E foi num jantar, realizado pouco tempo depois, onde estiveram presentes o jornalista Mario Filho, idealizador do torneio,  o presidente da CBD, Sr. Mario Pollo, Stanley Rouss, Arthur Drewry (que já começava a preparar a sua candidatura à sucessão de Jules Rimet na FIFA), Jules Rimet, Ottorino Barassi (no Brasil, alguns jornais grafavam o nome dele com um único “t” – “Otorino”), Sotero Cosme e José Lins do Rego, que a ideia foi comunicada aos representantes do futebol mundial, e eles se mostraram francamente de acordo – desses participantes do jantar,  Jules Rimet, Stanley Rouss (seria eleito presidente da Fifa em 1961) e Ottorino Barassi (criaria a UEFA e também participaria efetivamente da criação da Champions League muitos anos depois) fizeram parte do comitê responsável pela organização da Copa do Mundo de 1950.

Barassi, o homem que organizara as copas de 34 e 50 (indicado por Jules Rimet), e que durante a guerra, escondera a Taça Jules Rimet  dos nazistas que ocupavam a Itália (ele teria tirado o troféu do banco onde ele estava guardado e o colocado em uma caixa de sapatos, que pôs embaixo da cama), lembrou a todos que seria preciso conseguir um patrocínio oficial de um dos poderes públicos para o torneio. O presidente da Fifa, por sua vez, salientou que o assentimento da CBD (Confederação Brasileira de Desportos) e a solidariedade dos clubes e demais entidades no Brasil eram indispensáveis para o êxito do certame.

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O presidente da FIFA, o francês Jules Rimet, idealizador da primeira Copa do Mundo, havia nomeado oficialmente o italiano Ottorino Barassi para o comitê organizador do torneio, e Barassi, além da ajuda aos brasileiros, tomaria todas as providências para as inscrições dos clubes europeus.

A ideia de Mario Filho era a de uma competição que tivesse a mesma grandeza de uma Copa do Mundo, o mesmo arrebatamento, mas que fosse disputada por grandes clubes campeões da América do Sul e da Europa e não por seleções. E essa disputa só seria possível, segundo Mario Filho, por causa do Estádio Municipal. Não havia no mundo um maior e melhor para receber tão importante competição – depois da realização da Copa, do sucesso técnico e de público/arrecadação, depois da demonstração de civilidade da torcida com a seleção uruguaia  (tudo isso encantou os europeus e os dirigentes da Fifa), ficaria ainda mais claro, só aqui poderia ser realizado o primeiro torneio mundial de clubes.

Além disso, o torneio serviria (pensou-se assim depois da Copa) para que o Brasil pudesse dar uma resposta nas quatro linhas, serviria para que o futebol brasileiro voltasse a ser “A” referência em futebol, a permanecer na rota mundial do futebol, façanha conseguida com a realização da Copa do Mundo… serviria para que ele pudesse dar uma volta por cima e recuperasse o orgulho destroçado… para que ele pudesse conquistar o que, por descuido, tinha deixado escapar naquele doloroso e recente 16 de Julho de 1950… um título de campeão mundial.

E foi por tudo isso que, três dias depois do triste final da Copa; três dias depois de Jules Rimet – parecendo contrariado, triste – entregar a taça para o zagueiro uruguaio Obdulio Varela; três dias depois de milhares de brasileiros se abraçarem chorando convulsivamente de tristeza, no Maracanã, a CBD já se reunia para as deliberações do Torneio Mundial de Clubes Campeões.

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(A Parte II virá na próxima postagem)

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