Amigo leitor, nos últimos meses, uns probleminhas de saúde alteraram a minha rotina e, por isso, durante esse período, o blog acabou ficando praticamente inativo.  Me desculpe. Agora que já sarei (ou quase rsrs), vou tentar colocar as coisas em dia. A começar pelas postagens sobre o primeiro Mundial de Clubes, que haviam sido interrompidas. Coincidentemente, essa maravilhosa conquista da Sociedade Esportiva Palmeiras completa 68 anos exatamente nesse 22 de Julho de 2019. Um abraço. Tânia Clorofila Dainesi

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IX – CARIMBANDO A VAGA NA FINAL   

“O amor deixa uma memória que ninguém pode roubar” – Khalil Gibran


O Brasil e a Europa acompanhavam avidamente as notícias do Torneio Mundial de Clubes Campeões. Dois times brasileiros em um dos “mata-mata” e dois europeus no outro. Duas escolas diferentes que se enfrentariam depois para decidir o título… e quem será que passaria à tão cobiçada final?

A ferida da Copa do Mundo ainda doía… no entanto, os torcedores brasileiros, sem se darem conta, voltavam a se empolgar, e muito, com o futebol, com uma decisão mundial, e apostavam todas as suas fichas no título para o Brasil. E assim como antes da primeira partida semifinal muitos achavam que o Vasco ganharia do Palmeiras sem problemas, achavam eles agora que o Vasco venceria a segunda semifinal e seria o finalista.

Segundo  o Jornal dos Sports,  de 12/07/51, a  vitória do Palmeiras  sobre o Vasco contribuíra para colorir mais a segunda partida da  semifinal. Todo o favoritismo do bi-campeão carioca desaparecera. Tudo era equilíbrio. E a situação pendia para o campeão paulista. E o ‘match’ ganhava ainda mais importância porque, segundo o  regulamento do torneio, para o Palmeiras, que já tinha uma vitória, bastaria um empate para chegar à final. E, nessas condições,  somente a vitória interessava para o Vasco.

O regulamento previa que, em caso de uma vitória para cada equipe, seria critério de desempate o saldo de gols. No entanto, se, por exemplo, o Vasco ganhasse por  diferença de um gol, igualando a diferença que o Palmeiras obtivera na primeira partida, seria levado em conta, então, o saldo de gols da primeira fase, e o Vasco tinha um saldo melhor.

Antes da decisão entre os dois representantes brasileiros, os que vaticinavam que, dessa vez, o Vasco ia superar o Palmeiras, esqueciam, ou não queriam notar, que o  Vasco da Gama não jogara tudo o que podia na primeira partida porque o Palmeiras não permitira; achavam que bastaria ao Vasco jogar metade do que sabia na semifinal decisiva e a vaga estaria assegurada. Como pensava José Lins do Rego,  por exemplo, que deixou isso claro em sua coluna: (…)Só queremos a vitória, a tal vitória com “V”… Queremos o Vasco jogando metade do que sabe. Porque se entrar com essa disposição, em campo, não há periquito que se aguente”. (Jornal dos Sports, 14/07/51 – REGO, José Lins do – Esporte e Vida – O Vasco). Ele não sabia do que eram capazes os periquitos… e iria ficar com eles atravessados na garganta…

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E não era só ele… Em outra coluna do jornal, dizia-se que o Vasco que perdera para o Palmeiras não era o Vasco mesmo, parecia o Vasco, mas não era o Vasco. (…) “aquele team não era o do Vasco. Numa época em que tudo se falsifica, inclusive o dinheiro, falsificaram o team do Vasco.” Dizia-se também que como o Vasco não esteve no Maracanã, palavras não eram ditas, fechou-se o café da Marocas. O Palmeiras viu-se à vontade… Foi um chuá…”, “os vascaínos deixaram o Maracanã a cantar a ‘Jardineira’…”

“Oh, jardineira, por que estás tão triste? 
O que foi que te aconteceu?
Foi o Vasquinho que caiu do galho,
Deu dois suspiros e depois perdeu.
Vem, Palmeirinhas,
Vem meu amor, 
Não fiques prosa,
Que esse mundo é mesmo assim,
Tu ganhaste quarta-feira
Mas no domingo está pra mim” – (Jornal Dos Sports, 13/07/51, pág.4 – Zé de São Januário – Uma pedrinha na Shooteira)

Isso mesmo. A torcida do Vasco, mesmo vendo o seu time ser derrotado, saíra cantando da primeira semifinal… e provocando o Palmeiras. Tudo isso fazia – e faz – parte do universo futebol, e fazia parte da disputa do primeiro Mundial de Clubes. Aquela semifinal era o maior Rio-São Paulo (o maior campeonato do Brasil, na época) de todos os tempos… e levaria um clube brasileiro à final do primeiro, e maior, campeonato do mundo entre clubes campeões da Europa e América.

Em terras bandeirantes, claro, a torcida toda era pelo Palmeiras. O fato é que Palmeiras e Vasco eram os dois melhores times do país e, dentre os quatro concorrentes à vaga na final, o Palmeiras saíra na frente. A situação do Palmeiras se tornara excelente e, para o Vasco, só havia uma alternativa: vencer o Palmeiras na segunda partida.

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Mas, antes disso, no sábado, Juventus e Áustria, que tinham ficado no 0 x 0 no primeiro jogo, decidiriam no Maracanã a primeira vaga à final, e os torcedores todos, encantados com o bom futebol das duas equipes no torneio, principalmente com o do representante da Itália – dentre os times estrangeiros, o Juventus, pelo futebol apresentado,  era a sensação da Copa Rio (Ottorino Barassi sabia das coisas)  -, certamente iriam em grande número acompanhar a partida entre os dois. Meu pai, muito provavelmente, já planejando com os amigos a viagem para assistir à final, acompanharia atentamente esse jogo para saber quem seria o adversário do Palmeiras – mesmo sem nunca ter perguntado isso a ele, posso garantir (meu sangue me diz isso) que ele tinha certeza que o Palmeiras estaria na final.

Era chegada a hora.. o primeiro finalista sairia da partida entre austríacos e italianos. Os torcedores cariocas estavam bem empolgados com a possibilidade de ver novamente o Juventus, a sensação do mundial entre os participantes estrangeiros.

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No entanto, assim como para Palmeiras e Vasco, as chances de classificação tanto para o Austria como para o Juventus estavam abertas. E a imprensa dizia: “A bola é redonda para os dois… Poderá vencer o Austria como o Juventus”.

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Os austríacos voltavam ao Rio transbordando alegria. Aurednick, satisfeito com o 3 x 3 na primeira partida semifinal, em São Paulo, elogiara bastante o time do Juventus, seu adversário, dizendo, entre outras coisas, que o quadro italiano “era team para as finais, era team, inclusive, para ser campeão”.

Juventus x Austria foi a partida entre quadros estrangeiros que mais interesse despertou nos torcedores. E o Juventus teve uma vitória espetacular no Maracanã – 3 x 1. Depois de um 0 x 0 no primeiro tempo, La Vecchia Signora (como “a” Juve era/é chamada na Itália) em quinze minutos da segunda etapa, com dois gols de Mucinelli e um de Boniperti, decidiu a partida e se classificou à final.

Os jornais diziam que, enquanto o Juventus fizera um jogo mais positivo, o Austria se preocupara mais com o virtuosismo, esquecendo-se de que, para vencer, é preciso marcar gols (e pensar que, hoje em dia, tem jornalista esportivo que acha que posse de bola vale mais do que gols marcados e vitórias). Final de jogo: Juventus 3 x 1.

.Juventus: Viola; Bertuccelli e Manente; Mari, Ferrari e Piccinini, Muccinelli, Karl Hansen (Scaramuchi), Boniperti, Yan Hansen e Karl Praest (Pasquale Vivolo). Técnico: Jesse Carver
Áustria: Schweda; Melchior II e Josck; Fischer, Orcwick e Schleger; Ernst Melchior, Koeller, Hubber, Ernst Stojaspal e Aurednick. Técnico: Heinrich “Wudi” Müller
Estádio Municipal do RJ – Maracanã 
Renda: CR$ 776.140,00
Árbitro: Edward Craigh (Inglaterra)
Gols: Muccinelli 8′, 2ºT, Muccinelli 10′, 2ºT, Boniperti 14′, 2º T , Stojaspal

O Juventus, que tinha agora a companhia, e a torcida, do Comendadore Agnelli – o jovem multimilionário, presidente das fábricas de automóveis FIAT, de Turim, as maiores da Europa, e também presidente e torcedor número 1 do Juventus -,  só esperava pelo seu adversário na final… E qual seria ele? Palmeiras ou Vasco da Gama?

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Ademir tirara o gesso, mas ainda não poderia jogar pelo Vasco… Barbosa era dúvida no gol cruzmaltino… Aquiles, de perna quebrada, levaria meses para voltar aos gramados pelo Palmeiras… Valdemar Fiume talvez pudesse jogar – o técnico palmeirense ia esperar a avaliação médica que seria feita na manhã de domingo… Sarno, a pedido do Palmeiras para a organização do torneio, tinha sido chamado ao Rio de Janeiro e integrado à equipe. O jogo valeria vaga na final… e seria um duelo de campeões.

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E o domingo, ansiosamente aguardado, chegou… corações a mil… Palmeiras e Vasco da Gama iam buscar a vaga na final do Torneio Mundial de Clubes… a alma inquieta, o friozinho na barriga, o coração batendo descompassadamente… eram as sensações que acompanhavam os torcedores.

Será que meu pai dormiu bem naquela noite? Será que, fanático como era, ficou nervoso, ansioso, pensando no jogo antes de dormir? Não preciso nem tentar adivinhar… é claro que ficou! Sabemos bem como é isso. Ficaram insones todos os palmeirenses, os vascaínos, todos os torcedores brasileiros que sonhavam com a conquista de um mundial para o Brasil. Palmeiras a um passo, a um empate, da final do primeiro Torneio Mundial de Clubes Campeões… Santo Dio!

Com a possibilidade de prorrogação, o aviso era feito no jornal: o jogo começaria pontualmente às 15 horas…

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As conversas eram muitas, os prognósticos também. Cada qual com seu palpite, com a sua escalação… Como já foi dito anteriormente, com exceção dos palestrinos, claro, e dos demais torcedores paulistas, boa parte dos brasileiros ainda apostava no Vasco. Isso se devia ao fato de que ele era a base da seleção brasileira, jogava em sua casa, diante da sua torcida, e com a responsabilidade de ter que vencer de qualquer jeito… No entanto, esses mesmos, que apostavam suas fichas no Vasco, temiam a equipe paulista, que já saíra na frente na primeira partida, e com todos os méritos.

Aproximadamente 80 mil torcedores (muitos palmeirenses também) estavam no estádio (63.668 pagantes)… a renda foi espetacular: Cr$ 1.914.325,00, e o jogo entre os dois não foi fácil… foi uma luta. O Vasco, que só poderia ganhar ou ganhar para se classificar à final, foi mais positivo no primeiro tempo, mas sem muita organização e eficiência, digamos assim. “Notava-se grande diferença entre os avantes e o sexteto defensivo carioca. Este, jogava com segurança, enquanto a ofensiva, algo embaralhada, mostrava-se impotente para vencer o cerco palmeirense” – Jornal de Notícias, 17/07/51

O dono da casa, como não poderia deixar de ser pelas circunstâncias, foi pra cima do Verdão no primeiro tempo. O Palmeiras, com a vantagem pela vitória no outro jogo, e sabendo que o adversário vinha “mordido”, querendo descontar o prejuízo de qualquer maneira, tratou de conter o ímpeto do Vasco da Gama na nessa primeira etapa. “Tão logo firmou-se o Palmeiras na defesa, os atacantes prendiam a bola, tocavam, sem grande preocupação de entrar na área. A luta, renhida, era entre o ataque do Vasco e a defesa do Palmeiras, que se favorecia com o empate”.  E, para desespero dos vascaínos, o primeiro tempo tempo terminou sem alteração no marcador.

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Na segundo tempo, a coisa mudou de figura, o Palmeiras, que, inteligentemente, conseguira minar as pretensões do Vasco na primeira etapa –  isso certamente mexera com a confiança e nervos do time adversário -, foi para o ataque também… “Não obstante, e fosse a marcação a sua principal preocupação, a intermediária da equipe visitante achava tempo para lançar os avantes, os quais, em rápidos contra-ataques, ganhavam o campo adversário”.

“Aos 19 minutos, houve o lance mais discutido do prélio. Chico recebendo a bola em posição ilegal, venceu o arqueiro Fábio. Todavia, o impedimento foi acertadamente assinalado pelo juiz, que não validou o tento, a despeito das reclamações dos guanabarinos…”

Nos minutinhos finais, o Palmeiras se postaria na defesa para agarrar e carimbar a vaga na final do mundial

“Aos poucos, a produção do Vasco foi caindo. Não aguentaram aquele ritmo ligeiro que vinham imprimindo desde o início, o que proporcionou aos palmeirenses exigir empenho do arqueiro Ernani, em lances de perigo. Bem armada e decidida, a equipe palmeirense forçou a conquista do tento da vitória. Poucos minutos antes do término, o Palmeiras recuou visando garantir o resultado” – Jornal de Notícias, 17/07/51 – Empatando com o Vasco da Gama classificou-se o Palmeiras para as finais do Torneio Mundial.

E foi assim…  Jogando de maneira inteligente, sabendo quando segurar e quando atacar, esbanjando categoria na defesa, e tendo o maestro Jair lá na frente – seu futebol fazia a diferença e chamava a atenção na competição -, que o Palmeiras, para delírio inenarrável dos seus torcedores, deu o maior passo da sua história até então, classificando-se para a final do primeiro Mundial de Clubes Campeões.

VASCO 0 X 0 PALMEIRAS
Vasco
: Ernani; Augusto e Clarel; Eli, Danilo e Alfredo; Tesourinha, Friaça, Amorim, Maneca e Djair. Técnico: Oto Glória.
Palmeiras: Fabio; Salvador e Juvenal; Túlio, Luiz Villa e Dema; Liminha, Ponce de Leon, Richard, Jair e Rodrigues. Técnico: Ventura Cambon.
Estádio Municipal do Rio de Janeiro – Maracanã
Renda: Cr$ 1.914.325,00

Árbitro: Grill (Áustria)
Assistente 1: Popovic (Iugoslávia)
Assistente 2: Craig (Inglaterra)

Um resultado que muitos não esperavam, e que o coração palestrino já sabia, desde sempre, que aconteceria.

“O Palmeiras, após aqueles desastrosos 4 x 0 que sofreu na peleja contra o Juventus, da Itália, ferido em seu brio, reagiu de forma espetacular e conseguiu eliminar um dos mais sérios concorrentes à conquista da Copa Rio, o Vasco da Gama… Atuaria ele (o Vasco) em seus domínios e, incentivado pela sua enorme torcida, não lhe seria difícil impor-se ao Alviverde. Mas o campeão paulista tinha outros planos… venceu por 2 x 1 e sua vitória não deixou margem à dúvida. Foi líquida e serviu para mostrar que aquele revés contra o Juventus havia sido obra do excesso de confiança… o campeão paulista confirmou a sua exibição. Enfrentou um adversário que não escondia o desejo de ampla desforra. Estavam os cruzmaltinos, na verdade, dispostos a tudo para conseguir a vitória e, por conseguinte, o direito de disputar as finais. A fibra alviverde, porém, mais uma vez venceu. Bateram-se os companheiros de Jair com vontade e denodo, não permitindo a concretização das pretensões cariocas” – Jornal de Notícias, 17/07/51 – Madeira, Jaime – Ponto de Vista – A Quinta Coroa.

A torcida alviverde, que estava no Maracanã também, orgulhosa do feito do Palmeiras, enlouqueceu de alegria,  os paulistas não cabiam em si de felicidade, os jogadores vibravam no gramado, eram aplaudidos – pelos outros torcedores também… Sarno correu abraçar Liminha, que acenava para a torcida, comemorando a façanha de eliminar o forte concorrente e estar com o Palmeiras na final…

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O Palmeiras, que era o melhor “team” do Brasil naquele ano de 1951, que  conquistara quatro torneios na temporada, ia agora, merecidamente, em busca da sua quinta coroa… a mais brilhante delas… a mais desejada… Ia em busca do título de campeão do mundo. Quanta responsabilidade.

A sorte estava lançada… Os brasileiros tinham o seu representante na final. O Palmeiras agora era o Brasil.

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Que viessem os italianos… com o Palmeiras, o Brasil estava pronto para enfrentá-los.

Eu sempre soube que o Palmeiras conquistou um campeonato mundial de clubes em 1951… Alberto Vicente, meu pai, assistiu aos jogos em São Paulo, foi assistir à final no Rio de Janeiro e, muitos anos depois, me contou sobre aquela emoção, sobre o que significou aquilo tudo, me mostrou uma foto – daquelas de borda toda recortada –  feita naquele dia… Oberdan Cattani, o ídolo maravilhoso da história do Palmeiras, o goleiro de 3 das sete partidas do mundial, me contou também, me mostrou fotos, faixas… Fabio Crippa, o goleiro das semifinais e finais – que um dia conheci num dos aniversários de Oberdan (Deus é bom comigo, não?) -, também me falou brevemente a respeito da alegria de ter sido campeão mundial… Tive o privilégio de conhecer Valdemar Fiume (na casa do Oberdan também, mas em uma outra, e mais antiga, oportunidade – Deus me mima) e beijar as suas mãos (não tive como beijar seus pés na ocasião)… a taça, maravilhosa, repousa lá no Palestra e eu a vi de pertinho… senti a energia que ela carrega com ela…

Talvez, essa tenha sido a mais linda história que o Palmeiras, os palmeirenses (meu pai, inclusive), os cronistas,  os dirigentes da CBD, alguns dirigentes estrangeiros, e os brasileiros todos da época escreveram… e é pra eles, para os palmeirenses de outrora, para os palmeirenses de hoje, e para os palmeirenses que ainda irão nascer, que escrevo agora.

 

TORNEIO MUNDIAL DE CLUBES CAMPEÕES 1951 – “COPA RIO”…

“A memória guardará o que valer a pena. A memória sabe de mim mais do que eu, e ela não perde o que merece ser salvo” – Eduardo Galeano

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I – SURGE A IDEIA DO MUNDIAL DE CLUBES 

Logo após  a derrota da seleção brasileira para a seleção uruguaia, na final da Copa do Mundo de 1950, em pleno Estádio Municipal do Rio de Janeiro (Maracanã); logo após a frustração e dor que essa derrota causara para todo um país… Depois de quase 200 mil pessoas, numa demonstração de extrema grandeza e civilidade, encontrarem forças para aplaudir os adversários vencedores mesmo estando com o coração em pedaços e os olhos cheios de lágrimas… depois de quase 200 mil pessoas deixarem o Maracanã desoladas, em absoluto e estarrecedor silêncio, e sem querer nem mais ouvir falar em futebol, a CBD (Confederação Brasileira de Desportos) começou a organizar  uma competição que já vinha sendo pensada/sonhada/desenhada antes mesmo da Copa do Mundo.

Em 1950, antes da Copa se iniciar, um jornalista chamado Mario Filho (irmão do também jornalista e escritor Nelson Rodrigues), um pernambucano que vivia no RJ, um apaixonado por futebol, que era proprietário do ‘Jornal dos Sports’ (o de maior circulação na América do Sul), e em seu trabalho mudava a linguagem das notícias futebolísticas – a fazia mais parecida com a linguagem dos torcedores, com a intenção de tornar o esporte cada vez mais popular -, esse profissional, apaixonado por futebol, era também um apaixonado pelo então recém construído Estádio Municipal do RJ,  e muito por causa desse estádio  ele teve a ideia de um Torneio Mundial de Clubes.

No ano anterior, em 1949, a Fifa tinha garantido que a Copa do Mundo de 1950 seria no Brasil. A princípio, e depois de todas as atribulações causadas pela Segunda Guerra na Europa, e de mais de uma década sem o torneio mundial de seleções, a Copa do Mundo seria em 1949, mas foi postergada para 1950 para dar mais tempo ao Brasil de se preparar, e para os europeus se recuperarem dos estragos feitos por Hitler. Havia também falta de dinheiro generalizada na Europa; a guerra havia drenado todos os recursos das nações envolvidas, e nem todas tinham dinheiro para a viagem, ou estavam dispostas a cruzar o Atlântico naquele começo de década (muitos países, vivendo ainda entre escombros da guerra, achavam que não era a hora de se pensar em futebol, em sediar uma Copa do Mundo).

Naquele tempo, não era fácil garantir com antecedência os participantes de uma Copa do Mundo, de um torneio mundial. Qualquer time poderia desistir a qualquer momento, e os motivos poderiam ser vários: a falta de recursos, desinteresse ou desavenças com outras nações participantes. Hoje, quando há tantas lágrimas em campo quando um time não consegue a tão sonhada vaga na Copa do Mundo, não dá para se imaginar que em 1950 a FIFA teve que se desdobrar para evitar que o seu principal torneio não tivesse seleções suficientes. Muitas seleções desistiram por falta de dinheiro, algumas recusaram em cima da hora  – mesmo com o temor de um esvaziamento, mesmo com tantas desistências, e com menos seleções participantes do que o previsto, a Copa no Brasil acabaria sendo um sucesso.

E com a Copa assegurada para o Brasil, a construção de um estádio no Rio de Janeiro – projeto antigo, e que havia sido engavetado – começou a virar frenética realidade. Mario Filho se empenhou tanto na construção do Estádio Municipal do Rio de Janeiro (ele fazia campanha pela sua construção desde o final da década de 30), combateu fortemente a ideia do político  Carlos Lacerda – que o queria mais modesto, com aproximadamente 60 mil lugares, e construído em Jacarepaguá, afirmando ser essa a vontade do povo -, conseguiu o apoio da opinião pública para que o estádio fosse construído no bairro Maracanã, se empenhou para que ele viesse a ser o maior do mundo… Ele tanto fez pelo estádio que acabou ganhando o apelido de “namorado do estádio”, estádio que seria o grande palco da Copa do Mundo em 1950. E o gigantesco palco do futebol, o maior do mundo – um dos 6 estádios da Copa, onde o Brasil jogou a maioria das suas partidas -, acabaria sendo merecidamente batizado – em 1966, um mês depois da morte do jornalista – como “Estádio Municipal Jornalista Mario Rodrigues Filho”.

E porque o Brasil tinha esse estádio maior do mundo – nenhum outro país possuía um igual, com tantos lugares -, e  por causa do sucesso técnico e financeiro da Copa Jules Rimet (que tanto agradaria à CBD e à FIFA), só aqui seria possível se realizar uma competição com a grandeza de um mundial entre clubes campeões. Era o que acreditava Mario Filho (o tempo mostraria que ele tinha toda razão).

Mas a ideia do Mundial de Clubes surgiria antes mesmo da Copa se iniciar… Segundo uma publicação de 1950 [Jornal dos Sports, 1950 – edição 06427(1)],  tudo começou num fim de tarde, dentro de um carro que se dirigia à Copacabana… Na ocasião, vivia-se a ansiedade pela  Copa do Mundo, a grande agitação que precedia a chegada das primeiras seleções inscritas no torneio.

No carro, Mario Filho, Ricardo Serran, Mario Julio Rodrigues e o também jornalista Geraldo Romualdo da Silva – que escreveria sobre isso no jornal depois. Mario Filho expôs a ideia de um torneio mundial de clubes, uma disputa entre grandes clubes campeões da América do Sul e da Europa. Eles debateram a ideia e, ali mesmo, combinaram que não se tocaria no assunto sobre o torneio enquanto Stanley Rouss (Football Association – ele foi o responsável pela comissão de arbitragem na Copa de 50), Ottorino Barassi (Federazione Italiana Giuco del Calcio e FIFA) e Jules Rimet (presidente da FIFA) não tomassem conhecimento do plano. No entanto, Serran alertava aos demais: “não podemos permitir que a ideia fique em sigilo muito tempo”.

E foi num jantar, realizado pouco tempo depois, onde estiveram presentes o jornalista Mario Filho, idealizador do torneio,  o presidente da CBD, Sr. Mario Pollo, Stanley Rouss, Arthur Drewry (que já começava a preparar a sua candidatura à sucessão de Jules Rimet na FIFA), Jules Rimet, Ottorino Barassi (no Brasil, alguns jornais grafavam o nome dele com um único “t” – “Otorino”), Sotero Cosme e José Lins do Rego, que a ideia foi comunicada aos representantes do futebol mundial, e eles se mostraram francamente de acordo – desses participantes do jantar,  Jules Rimet, Stanley Rouss (seria eleito presidente da Fifa em 1961) e Ottorino Barassi (criaria a UEFA e também participaria efetivamente da criação da Champions League muitos anos depois) fizeram parte do comitê responsável pela organização da Copa do Mundo de 1950.

Barassi, o homem que organizara as copas de 34 e 50 (indicado por Jules Rimet), e que durante a guerra, escondera a Taça Jules Rimet  dos nazistas que ocupavam a Itália (ele teria tirado o troféu do banco onde ele estava guardado e o colocado em uma caixa de sapatos, que pôs embaixo da cama), lembrou a todos que seria preciso conseguir um patrocínio oficial de um dos poderes públicos para o torneio. O presidente da Fifa, por sua vez, salientou que o assentimento da CBD (Confederação Brasileira de Desportos) e a solidariedade dos clubes e demais entidades no Brasil eram indispensáveis para o êxito do certame.

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O presidente da FIFA, o francês Jules Rimet, idealizador da primeira Copa do Mundo, havia nomeado oficialmente o italiano Ottorino Barassi para o comitê organizador do torneio, e Barassi, além da ajuda aos brasileiros, tomaria todas as providências para as inscrições dos clubes europeus.

A ideia de Mario Filho era a de uma competição que tivesse a mesma grandeza de uma Copa do Mundo, o mesmo arrebatamento, mas que fosse disputada por grandes clubes campeões da América do Sul e da Europa e não por seleções. E essa disputa só seria possível, segundo Mario Filho, por causa do Estádio Municipal. Não havia no mundo um maior e melhor para receber tão importante competição – depois da realização da Copa, do sucesso técnico e de público/arrecadação, depois da demonstração de civilidade da torcida com a seleção uruguaia  (tudo isso encantou os europeus e os dirigentes da Fifa), ficaria ainda mais claro, só aqui poderia ser realizado o primeiro torneio mundial de clubes.

Além disso, o torneio serviria (pensou-se assim depois da Copa) para que o Brasil pudesse dar uma resposta nas quatro linhas, serviria para que o futebol brasileiro voltasse a ser “A” referência em futebol, a permanecer na rota mundial do futebol, façanha conseguida com a realização da Copa do Mundo… serviria para que ele pudesse dar uma volta por cima e recuperasse o orgulho destroçado… para que ele pudesse conquistar o que, por descuido, tinha deixado escapar naquele doloroso e recente 16 de Julho de 1950… um título de campeão mundial.

E foi por tudo isso que, três dias depois do triste final da Copa; três dias depois de Jules Rimet – parecendo contrariado, triste – entregar a taça para o zagueiro uruguaio Obdulio Varela; três dias depois de milhares de brasileiros se abraçarem chorando convulsivamente de tristeza, no Maracanã, a CBD já se reunia para as deliberações do Torneio Mundial de Clubes Campeões.

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(A Parte II virá na próxima postagem)

“… Doera mais aquele 16 de Julho porque os uruguaios revelaram possuir uma qualidade que faltava aos brasileiros. Com menos football os uruguaios conseguiram a “Copa do Mundo”. Mereceram o título porque lutaram como campeões.O football brasileiro era o melhor do mundo, mas não era o campeão do mundo. Faltava-lhe alguma coisa para ser campeão do mundo. O principal, já que não bastava jogar melhor. Olhou-se para a derrota com um sentido de culpa. A culpa do brasileiro. Que falhara quando não podia falhar. Daí a expressão da conquista do Palmeiras. O Palmeiras só falhou quando podia falhar. Na hora da decisão cresceu. Superando, inclusive, o que depois de 16 de Julho, ficou sendo como o limite das exigências de cada um de nós àquele scratch brasileiro…

… o match final do mundial de clubes exigiu muito mais do Palmeiras do que aquele de 16 de julho do scratch brasileiro…

… foi o que tornou o 2 x 2 da finalíssima uma grande vitória. O QUE FOI PRECISO PARA CONQUISTAR O MAIOR TÍTULO JÁ CONQUISTADO POR UM CLUBE NO MUNDO, O QUE FOI PRECISO PARA DAR UM CAMPEONATO DO MUNDO AO BRASIL, O PALMEIRAS FEZ

… o Juventus foi uma equipe quase que perfeita. E se não chegou a mais, se não atingiu em cheio seus propósitos foi porque teve pela frente uma equipe como a do Palmeiras. A EQUIPE QUE DESPIU A SUA CAMISA PARA VESTIR A DO BRASIL“. – Jornal dos Sports, 1951.

PARABÉNS, PALMEIRAS! HÁ EXATOS 67 ANOS, O PRIMEIRO CAMPEÃO MUNDIAL DE CLUBES! #OrgulhoImenso