“Ôôô… o freguês voltooooou!” – Olavo Bilac
Tinha sido difícil pegar no sono na noite anterior… Palmeiras e Corinthians, mais uma vez, se enfrentariam pra decidir uma vaga na final do Paulistão (era Paulistão o jogo todo, virou “Paulistinha” tão logo acabaram as cobranças de penalidades).
Que friozinho na barriga… Tanto para uma torcida quanto para a outra, no clássico de maior rivalidade do mundo, perder para o rival é algo bem difícil de administrar. E pode estar valendo um saco de pipoca… que dirá uma vaga na final.
Jogo lá nos entulhos do Palestra, com estádio lotado de itakeras, e apenas 2.000 mil parmeras – eles valeram por 20 milhões. Jogo pra decidir. Um, ia se dar bem; outro, ia dançar… O Palmeiras tinha a missão de vencer a primeira decisão entre os dois, em pleno Esmolão, diante de muitos milhares dos seus inquilinos…
Eu vivia uma sensação dúbia, conflitante… a razão, me fazia apreensiva, tensa, por tudo o que a partida significava, por todas as dificuldades que por certo encontraríamos (ah, a arbitragem…); o coração, me deixava numa ansiedade monstra pra que chegasse logo a hora e eu pudesse ver o Palmeiras vencer – sim, o coração sabia. Ele sempre sabe… a gente é que teima em não acreditar nele.
S.C. Itaquera, invicto (graças às arbitragens), blá, blá, blá… “jogando que nem o time de Telê”, nhe, nhe, nhe… E eu me lembrava que, na maioria das vezes em que um derby decidiu classificação ou título, o Palmeiras levara a melhor… informação gravada na alma, no sangue, na história…
Estava difícil lidar com a emoção… Tudo em relação ao Palmeiras, sejam dores ou alegrias, é grandioso demais, ultrapassa todas as fronteiras. Mas eu sabia que, time por time, eu não tinha o que temer, o do Palmeiras é bom. O time de “Itakera”, que também é bom, tinha a vantagem de jogar junto há mais tempo, de estar diante da sua torcida, e de ser favorecido pelas arbitragens em inúmeras partidas – era esse “detalhe” que me deixava mais tensa.
O bicho ia pegar… E, bicho por bicho, que fosse o porco a pegar o gambá.
E eu ficava tentando imaginar, tentava “ouvir” o que seria a preleção daquela tarde… e me emocionava… Mas, eu tinha uma certeza, eles jogariam com a alma (e como jogaram!). Quem veste essa camisa, e sabe o valor que ela tem, se agiganta em momentos assim…
E foi o Palmeiras quem começou dando as cartas no “Estádio dos Quatro Tobogãs”… Rafael Marques, abusado, viu Cássio um pouquinho adiantado e chutou lá do meio de campo. O goleiro pegou sem dificuldade. Mas, imagina se ele faz o gol? Só iam sobrar os entulhos do Palestra lá.
Os times se observavam… De olhos grudados na TV, vi Valdivia enfiar uma bola pro veloz Dudu, mas um itakera mandou pra lateral. O Palmeiras marcava bem a saída de bola, tinha mais qualidade com a bola no pé…
E então, aos 13′, depois de um escanteio de Robinho, Victor Ramos cabeceou, a bola bateu no jogador itakera e voltou para o zagueiro palmeirense de novo. E ele, como se fosse um Evair, botou a bola no pé e estufou a rede.
Eu quase entrei na TV pra comemorar com ele… Meu Deus! GOOOOOOOOOOOOOOOL, VICTOR RAMOS, SEU LINDOOOO! Minha cabeça rodava de emoção e alegria… E a adrenalina subia de vez…
Achei que juiz mudou de postura e ficou mais enérgico em campo depois do gol (será que ficou aborrecido?).
O jogo ia ficando mais pegado. Mendoza, nervosinho, se estranhava com Arouca… E então, um absurdo. O árbitro matou um ataque do Palmeiras. Sim, o juiz “esqueceu” a lei da vantagem e parou um contra ataque perigoso do Palmeiras, quando Dudu ia sair livre na área e tinha chances de fazer 2 x 0, para marcar uma mísera falta, que nem cartão mereceu, beneficiando claramente o infrator. Depois que a gente fala…
Muitas faltas para o Palmeiras não eram marcadas. O jogo entrara em JuizModeON. O nervoso ia aumentando…
Victor Ramos já estava sangrando, com um corte no nariz, causado pelo cotovelo de Vagner Love, numa disputa de bola.
O futebol do Palmeiras estava meio esquisito… o posicionamento parecia estar errado. Embora os jogadores fossem os certos, a coisa já não fluía bem, errávamos passes, a bola não passava pelo meio e ia direto lá pra frente lá. E, assim, os adversários foram chegando…
E empataram com Danilo, aos 33′, após uma cobrança de falta de Jadson, que ele, Danilo, livre, cabeceou pro gol do Prass.
Quase em seguida, o Mago aproveitou uma saída errada e tocou pro Dudu, mas ele, que dava um trabalho danado pros itakeras, mandou ela pelo alto. Eu já não conseguia mais assistir direito…
O primeiro tempo estava acabando, os times pareciam meio “contentes” com aquele resultado parcial, quando Mendoza arriscou um chute de fora da área, acertou no cantinho do gol de Prass e virou a partida.
Agora, a p…. tinha ficado séria… Era a hora do meu Verdão mostrar todas as ‘armas’.
Corri no meu quarto buscar o terço benzido pelo Francisco… “Cristaldo” já tinha sido colocado num local estratégico…
Para o segundo tempo, Oswaldo tinha chamado Cleiton Xavier para o lugar do Lucas, Gabriel se posicionava na direita, e Dudu e Rafael Marques jogariam pelas pontas. Arouca, Robinho, Cleiton, Mago… Aeeee, Oswaldo! Segura o porco!
Num vaivém incessante… eu entrava e saía da sala seguidas vezes. Não conseguia mais assistir, tampouco conseguia não assistir.
Os itakeras se retrancavam, claro, esperando contra atacar. Na TV diziam que era muito difícil furar essa retranca deles. Sei…
Valdivia tabelou com Dudu e cruzou rasteiro. A bola passou toda linda na frente do gol, só esperando quem a colocasse na rede, mas ninguém chegou; Cleiton deu um lindo passe pro Dudu, ele chutou pro gol, mas Cássio deu uma desviadinha na bola, e ela tocou a trave e… saiu. Eu ia ter um infarto. Sentia um calor no peito inexplicável.
O Palmeiras se acertara e ia pra cima… e eu chorava vendo o meu Palmeiras, valente, guerreiro, crescer cada vez mais lá no Esmolão. E não tinha como não me lembrar de 2000. Galeano, cadê você?
A nossa torcida fazia barulho e empurrava o time. Tínhamos que fazer um gol… Eu mal conseguia respirar, e já tinha usado todos os meus argumentos tentando convencer Deus que o Palmeiras é quem merecia a vaga…
Saiu o Mago, entrou Jesus; saiu Wellington, entrou Kelvin… Oswaldo, mexia, ousava… e o time ia pra cima.
O relógio corria, quase trinta minutos, e nada do nosso gol…
E então eu ouvi o som que vinha da TV: “… agora teve o cruzamento, o lançamento pro Gabrieeeeeeeeeeeeeeeeeeeel!! Gooooooooooooooool (corri lá), Rafael Marques…”.
Deus do céu! “Galeano” tinha aparecido!! Rafael Marques colocava o Palmeiras na disputa e saía vibrando feito doido. Que gol lindo! Dudu, lá na esquerda, levantara a bola no segundo pau. Ela passou por Gabriel (achei que foi derrubado) e sobrou pro RM, praticamente deitado, tocar de cabeça. Cássio só pôde olhar…
Eu chorava, cheia de esperança, como uma mãe que vê o filho pela primeira vez… RAFAEL MARQUES, SEU LINDOOOO!!
Vamos virar, Palmeiras! Meu corpo formigava… mas, embora o Palmeiras tivesse pressionado muito, o 2 x 2 se manteve, e fomos para os famigerados pênaltis…
“Valei-nos São Marcos! Que a luz que sempre o iluminou, ilumine o Prass agora”. Longe da TV, eu ouvia, e depois ia ver o replay…
Robinho perdera o primeiro, chutando muito por cima do gol… Deus do céu! Logo ele, que chuta tão bem?
Fábio Santos mandou na trave, mas ela entrou. Como assim, Deus?
Rafael Marques cobrou lindamente, no ângulo.
Tínhamos que defender um pra igualar…
Renato Augusto chutou forte e converteu.
Victor Ramos, com uma categoria danada, guardou o dele…
Fagner bateu, Prass acertou o canto e quase pegou.
Cleiton Xavier, glacial, esperou Cássio se decidir e guardou…
Ralf guardou o dele também.
Faltava uma cobrança de cada pra terminar a série… Dudu tinha que acertar ou acertar, e Prass tinha que defender ou defender. “Deus, agora é com você. Precisamos acertar esse e o Prass tem que fazer duas defesas para sairmos classificados”. Meu coração me fazia lembrar de 2000, e a esperança aumentava…
Era Dudu quem ia bater. Que vontade de ir lá ver, mas eu não conseguia. Vai, Duduzinho lindo!
Dudu chutou bem, guardou no cantinho e o recado foi dado… O Palmeiras estava vivo e ia buscar!
Os itakeras pareciam com um quê de “hoje não vai dar”… De joelhos, lá na copa, com as mãos segurando o terço que o Papa benzeu, com o coração imóvel, sem bater (ele me garantia que não ia acabar ali), eu esperei… O babaca do Elias ia pra bola… Ah, Prass, essa você tem que pegar…
E não deu outra… DEFENDEU, FERNANDO PRAAAASS!!!
Parecia até o Marcelinho diante do Marcão… Prass, vibrando com a defesa, se ajoelhou com os braços apontando o céu… Quando vi a imagem, eu tive certeza que a vaga era nossa. Já podiam vir as cobranças alternadas. O freguês tinha voltado.
Kelvin foi pra cobrança… goleiro de um lado, bola de outro. Ah, garoto!
Gil cobrou e guardou.
Jackson, com uma baita categoria guardou também (coisa linda esses zagueiros do Parmera).
Aí, eu decidi que queria ver. Ia acabar ali, eu sabia, e não perderia aquilo por nada desse mundo. A vida colocara os dois maiores rivais nessa disputa, pra que o Palmeiras mostrasse, em grande estilo, que ele está de volta.
Petros, cara de derrotado, foi pra cobrança…
Xô Petros!! Vai errar! vai erraaaaaaar! Eu gritava na sala! Foooora! Foooora!! Pega, Prass! Peeeeega!
Prass dizia para o adversário: “Acabou, Petros. Acabou”. E mostrava o canto onde ele queria que o ‘itakera’ batesse.
E então…
“Lá vai Petros. Partiu, bateu, pé direito na bola… DEFENDEEEEEEU PRAAAAAAAAAAAASS!! FERNANDO PRASS DEFENDE E O PALMEIRAS ESTÁ NA FINAL!!”.
Luz, muita luz!! Todos os espaços se encheram de luz! Prass, maravilhoso, nos garantia na final. Meu coração nem cabia mais no peito.
O time inteiro do Palmeiras saiu correndo, comemorando enlouquecido, em direção à torcida. O Palmeiras, esbanjando grandeza e vontade de vencer, eliminava os ‘itakeras’, dentro do galinheiro, e ainda ia levar metade da renda.
Valdivia, acreditem, caiu, literalmente, nos braços da Mancha! Sensacional a cena! Depois dessa, é título, minha gente!
As imagens de jogadores comemorando junto à Que Canta e Vibra falavam ao nosso coração: TODOS UNIDOS PELO PALMEIRAS!
Foi heroico, catártico, redentor! Relembrou 2000 e tantas outras “decisões” em que o Palmeiras levou a melhor sobre o rival.
Essa partida, os gols, as defesas, os jogadores, a torcida, entraram todos para a história da Sociedade Esportiva Palmeiras. E serão lembrados ‘Prass’ sempre…
Descanse em ‘Prass’, Cu rintia! Quem vai disputar o “paulistinha” agora é o Verdão!
ÔÔÔ VAMOS BUSCAR, PORCOOOOO!!!