Amigo leitor, nos últimos meses, uns probleminhas de saúde alteraram a minha rotina e, por isso, durante esse período, o blog acabou ficando praticamente inativo.  Me desculpe. Agora que já sarei (ou quase rsrs), vou tentar colocar as coisas em dia. A começar pelas postagens sobre o primeiro Mundial de Clubes, que haviam sido interrompidas. Coincidentemente, essa maravilhosa conquista da Sociedade Esportiva Palmeiras completa 68 anos exatamente nesse 22 de Julho de 2019. Um abraço. Tânia Clorofila Dainesi

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IX – CARIMBANDO A VAGA NA FINAL   

“O amor deixa uma memória que ninguém pode roubar” – Khalil Gibran


O Brasil e a Europa acompanhavam avidamente as notícias do Torneio Mundial de Clubes Campeões. Dois times brasileiros em um dos “mata-mata” e dois europeus no outro. Duas escolas diferentes que se enfrentariam depois para decidir o título… e quem será que passaria à tão cobiçada final?

A ferida da Copa do Mundo ainda doía… no entanto, os torcedores brasileiros, sem se darem conta, voltavam a se empolgar, e muito, com o futebol, com uma decisão mundial, e apostavam todas as suas fichas no título para o Brasil. E assim como antes da primeira partida semifinal muitos achavam que o Vasco ganharia do Palmeiras sem problemas, achavam eles agora que o Vasco venceria a segunda semifinal e seria o finalista.

Segundo  o Jornal dos Sports,  de 12/07/51, a  vitória do Palmeiras  sobre o Vasco contribuíra para colorir mais a segunda partida da  semifinal. Todo o favoritismo do bi-campeão carioca desaparecera. Tudo era equilíbrio. E a situação pendia para o campeão paulista. E o ‘match’ ganhava ainda mais importância porque, segundo o  regulamento do torneio, para o Palmeiras, que já tinha uma vitória, bastaria um empate para chegar à final. E, nessas condições,  somente a vitória interessava para o Vasco.

O regulamento previa que, em caso de uma vitória para cada equipe, seria critério de desempate o saldo de gols. No entanto, se, por exemplo, o Vasco ganhasse por  diferença de um gol, igualando a diferença que o Palmeiras obtivera na primeira partida, seria levado em conta, então, o saldo de gols da primeira fase, e o Vasco tinha um saldo melhor.

Antes da decisão entre os dois representantes brasileiros, os que vaticinavam que, dessa vez, o Vasco ia superar o Palmeiras, esqueciam, ou não queriam notar, que o  Vasco da Gama não jogara tudo o que podia na primeira partida porque o Palmeiras não permitira; achavam que bastaria ao Vasco jogar metade do que sabia na semifinal decisiva e a vaga estaria assegurada. Como pensava José Lins do Rego,  por exemplo, que deixou isso claro em sua coluna: (…)Só queremos a vitória, a tal vitória com “V”… Queremos o Vasco jogando metade do que sabe. Porque se entrar com essa disposição, em campo, não há periquito que se aguente”. (Jornal dos Sports, 14/07/51 – REGO, José Lins do – Esporte e Vida – O Vasco). Ele não sabia do que eram capazes os periquitos… e iria ficar com eles atravessados na garganta…

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E não era só ele… Em outra coluna do jornal, dizia-se que o Vasco que perdera para o Palmeiras não era o Vasco mesmo, parecia o Vasco, mas não era o Vasco. (…) “aquele team não era o do Vasco. Numa época em que tudo se falsifica, inclusive o dinheiro, falsificaram o team do Vasco.” Dizia-se também que como o Vasco não esteve no Maracanã, palavras não eram ditas, fechou-se o café da Marocas. O Palmeiras viu-se à vontade… Foi um chuá…”, “os vascaínos deixaram o Maracanã a cantar a ‘Jardineira’…”

“Oh, jardineira, por que estás tão triste? 
O que foi que te aconteceu?
Foi o Vasquinho que caiu do galho,
Deu dois suspiros e depois perdeu.
Vem, Palmeirinhas,
Vem meu amor, 
Não fiques prosa,
Que esse mundo é mesmo assim,
Tu ganhaste quarta-feira
Mas no domingo está pra mim” – (Jornal Dos Sports, 13/07/51, pág.4 – Zé de São Januário – Uma pedrinha na Shooteira)

Isso mesmo. A torcida do Vasco, mesmo vendo o seu time ser derrotado, saíra cantando da primeira semifinal… e provocando o Palmeiras. Tudo isso fazia – e faz – parte do universo futebol, e fazia parte da disputa do primeiro Mundial de Clubes. Aquela semifinal era o maior Rio-São Paulo (o maior campeonato do Brasil, na época) de todos os tempos… e levaria um clube brasileiro à final do primeiro, e maior, campeonato do mundo entre clubes campeões da Europa e América.

Em terras bandeirantes, claro, a torcida toda era pelo Palmeiras. O fato é que Palmeiras e Vasco eram os dois melhores times do país e, dentre os quatro concorrentes à vaga na final, o Palmeiras saíra na frente. A situação do Palmeiras se tornara excelente e, para o Vasco, só havia uma alternativa: vencer o Palmeiras na segunda partida.

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Mas, antes disso, no sábado, Juventus e Áustria, que tinham ficado no 0 x 0 no primeiro jogo, decidiriam no Maracanã a primeira vaga à final, e os torcedores todos, encantados com o bom futebol das duas equipes no torneio, principalmente com o do representante da Itália – dentre os times estrangeiros, o Juventus, pelo futebol apresentado,  era a sensação da Copa Rio (Ottorino Barassi sabia das coisas)  -, certamente iriam em grande número acompanhar a partida entre os dois. Meu pai, muito provavelmente, já planejando com os amigos a viagem para assistir à final, acompanharia atentamente esse jogo para saber quem seria o adversário do Palmeiras – mesmo sem nunca ter perguntado isso a ele, posso garantir (meu sangue me diz isso) que ele tinha certeza que o Palmeiras estaria na final.

Era chegada a hora.. o primeiro finalista sairia da partida entre austríacos e italianos. Os torcedores cariocas estavam bem empolgados com a possibilidade de ver novamente o Juventus, a sensação do mundial entre os participantes estrangeiros.

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No entanto, assim como para Palmeiras e Vasco, as chances de classificação tanto para o Austria como para o Juventus estavam abertas. E a imprensa dizia: “A bola é redonda para os dois… Poderá vencer o Austria como o Juventus”.

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Os austríacos voltavam ao Rio transbordando alegria. Aurednick, satisfeito com o 3 x 3 na primeira partida semifinal, em São Paulo, elogiara bastante o time do Juventus, seu adversário, dizendo, entre outras coisas, que o quadro italiano “era team para as finais, era team, inclusive, para ser campeão”.

Juventus x Austria foi a partida entre quadros estrangeiros que mais interesse despertou nos torcedores. E o Juventus teve uma vitória espetacular no Maracanã – 3 x 1. Depois de um 0 x 0 no primeiro tempo, La Vecchia Signora (como “a” Juve era/é chamada na Itália) em quinze minutos da segunda etapa, com dois gols de Mucinelli e um de Boniperti, decidiu a partida e se classificou à final.

Os jornais diziam que, enquanto o Juventus fizera um jogo mais positivo, o Austria se preocupara mais com o virtuosismo, esquecendo-se de que, para vencer, é preciso marcar gols (e pensar que, hoje em dia, tem jornalista esportivo que acha que posse de bola vale mais do que gols marcados e vitórias). Final de jogo: Juventus 3 x 1.

.Juventus: Viola; Bertuccelli e Manente; Mari, Ferrari e Piccinini, Muccinelli, Karl Hansen (Scaramuchi), Boniperti, Yan Hansen e Karl Praest (Pasquale Vivolo). Técnico: Jesse Carver
Áustria: Schweda; Melchior II e Josck; Fischer, Orcwick e Schleger; Ernst Melchior, Koeller, Hubber, Ernst Stojaspal e Aurednick. Técnico: Heinrich “Wudi” Müller
Estádio Municipal do RJ – Maracanã 
Renda: CR$ 776.140,00
Árbitro: Edward Craigh (Inglaterra)
Gols: Muccinelli 8′, 2ºT, Muccinelli 10′, 2ºT, Boniperti 14′, 2º T , Stojaspal

O Juventus, que tinha agora a companhia, e a torcida, do Comendadore Agnelli – o jovem multimilionário, presidente das fábricas de automóveis FIAT, de Turim, as maiores da Europa, e também presidente e torcedor número 1 do Juventus -,  só esperava pelo seu adversário na final… E qual seria ele? Palmeiras ou Vasco da Gama?

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Ademir tirara o gesso, mas ainda não poderia jogar pelo Vasco… Barbosa era dúvida no gol cruzmaltino… Aquiles, de perna quebrada, levaria meses para voltar aos gramados pelo Palmeiras… Valdemar Fiume talvez pudesse jogar – o técnico palmeirense ia esperar a avaliação médica que seria feita na manhã de domingo… Sarno, a pedido do Palmeiras para a organização do torneio, tinha sido chamado ao Rio de Janeiro e integrado à equipe. O jogo valeria vaga na final… e seria um duelo de campeões.

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E o domingo, ansiosamente aguardado, chegou… corações a mil… Palmeiras e Vasco da Gama iam buscar a vaga na final do Torneio Mundial de Clubes… a alma inquieta, o friozinho na barriga, o coração batendo descompassadamente… eram as sensações que acompanhavam os torcedores.

Será que meu pai dormiu bem naquela noite? Será que, fanático como era, ficou nervoso, ansioso, pensando no jogo antes de dormir? Não preciso nem tentar adivinhar… é claro que ficou! Sabemos bem como é isso. Ficaram insones todos os palmeirenses, os vascaínos, todos os torcedores brasileiros que sonhavam com a conquista de um mundial para o Brasil. Palmeiras a um passo, a um empate, da final do primeiro Torneio Mundial de Clubes Campeões… Santo Dio!

Com a possibilidade de prorrogação, o aviso era feito no jornal: o jogo começaria pontualmente às 15 horas…

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As conversas eram muitas, os prognósticos também. Cada qual com seu palpite, com a sua escalação… Como já foi dito anteriormente, com exceção dos palestrinos, claro, e dos demais torcedores paulistas, boa parte dos brasileiros ainda apostava no Vasco. Isso se devia ao fato de que ele era a base da seleção brasileira, jogava em sua casa, diante da sua torcida, e com a responsabilidade de ter que vencer de qualquer jeito… No entanto, esses mesmos, que apostavam suas fichas no Vasco, temiam a equipe paulista, que já saíra na frente na primeira partida, e com todos os méritos.

Aproximadamente 80 mil torcedores (muitos palmeirenses também) estavam no estádio (63.668 pagantes)… a renda foi espetacular: Cr$ 1.914.325,00, e o jogo entre os dois não foi fácil… foi uma luta. O Vasco, que só poderia ganhar ou ganhar para se classificar à final, foi mais positivo no primeiro tempo, mas sem muita organização e eficiência, digamos assim. “Notava-se grande diferença entre os avantes e o sexteto defensivo carioca. Este, jogava com segurança, enquanto a ofensiva, algo embaralhada, mostrava-se impotente para vencer o cerco palmeirense” – Jornal de Notícias, 17/07/51

O dono da casa, como não poderia deixar de ser pelas circunstâncias, foi pra cima do Verdão no primeiro tempo. O Palmeiras, com a vantagem pela vitória no outro jogo, e sabendo que o adversário vinha “mordido”, querendo descontar o prejuízo de qualquer maneira, tratou de conter o ímpeto do Vasco da Gama na nessa primeira etapa. “Tão logo firmou-se o Palmeiras na defesa, os atacantes prendiam a bola, tocavam, sem grande preocupação de entrar na área. A luta, renhida, era entre o ataque do Vasco e a defesa do Palmeiras, que se favorecia com o empate”.  E, para desespero dos vascaínos, o primeiro tempo tempo terminou sem alteração no marcador.

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Na segundo tempo, a coisa mudou de figura, o Palmeiras, que, inteligentemente, conseguira minar as pretensões do Vasco na primeira etapa –  isso certamente mexera com a confiança e nervos do time adversário -, foi para o ataque também… “Não obstante, e fosse a marcação a sua principal preocupação, a intermediária da equipe visitante achava tempo para lançar os avantes, os quais, em rápidos contra-ataques, ganhavam o campo adversário”.

“Aos 19 minutos, houve o lance mais discutido do prélio. Chico recebendo a bola em posição ilegal, venceu o arqueiro Fábio. Todavia, o impedimento foi acertadamente assinalado pelo juiz, que não validou o tento, a despeito das reclamações dos guanabarinos…”

Nos minutinhos finais, o Palmeiras se postaria na defesa para agarrar e carimbar a vaga na final do mundial

“Aos poucos, a produção do Vasco foi caindo. Não aguentaram aquele ritmo ligeiro que vinham imprimindo desde o início, o que proporcionou aos palmeirenses exigir empenho do arqueiro Ernani, em lances de perigo. Bem armada e decidida, a equipe palmeirense forçou a conquista do tento da vitória. Poucos minutos antes do término, o Palmeiras recuou visando garantir o resultado” – Jornal de Notícias, 17/07/51 – Empatando com o Vasco da Gama classificou-se o Palmeiras para as finais do Torneio Mundial.

E foi assim…  Jogando de maneira inteligente, sabendo quando segurar e quando atacar, esbanjando categoria na defesa, e tendo o maestro Jair lá na frente – seu futebol fazia a diferença e chamava a atenção na competição -, que o Palmeiras, para delírio inenarrável dos seus torcedores, deu o maior passo da sua história até então, classificando-se para a final do primeiro Mundial de Clubes Campeões.

VASCO 0 X 0 PALMEIRAS
Vasco
: Ernani; Augusto e Clarel; Eli, Danilo e Alfredo; Tesourinha, Friaça, Amorim, Maneca e Djair. Técnico: Oto Glória.
Palmeiras: Fabio; Salvador e Juvenal; Túlio, Luiz Villa e Dema; Liminha, Ponce de Leon, Richard, Jair e Rodrigues. Técnico: Ventura Cambon.
Estádio Municipal do Rio de Janeiro – Maracanã
Renda: Cr$ 1.914.325,00

Árbitro: Grill (Áustria)
Assistente 1: Popovic (Iugoslávia)
Assistente 2: Craig (Inglaterra)

Um resultado que muitos não esperavam, e que o coração palestrino já sabia, desde sempre, que aconteceria.

“O Palmeiras, após aqueles desastrosos 4 x 0 que sofreu na peleja contra o Juventus, da Itália, ferido em seu brio, reagiu de forma espetacular e conseguiu eliminar um dos mais sérios concorrentes à conquista da Copa Rio, o Vasco da Gama… Atuaria ele (o Vasco) em seus domínios e, incentivado pela sua enorme torcida, não lhe seria difícil impor-se ao Alviverde. Mas o campeão paulista tinha outros planos… venceu por 2 x 1 e sua vitória não deixou margem à dúvida. Foi líquida e serviu para mostrar que aquele revés contra o Juventus havia sido obra do excesso de confiança… o campeão paulista confirmou a sua exibição. Enfrentou um adversário que não escondia o desejo de ampla desforra. Estavam os cruzmaltinos, na verdade, dispostos a tudo para conseguir a vitória e, por conseguinte, o direito de disputar as finais. A fibra alviverde, porém, mais uma vez venceu. Bateram-se os companheiros de Jair com vontade e denodo, não permitindo a concretização das pretensões cariocas” – Jornal de Notícias, 17/07/51 – Madeira, Jaime – Ponto de Vista – A Quinta Coroa.

A torcida alviverde, que estava no Maracanã também, orgulhosa do feito do Palmeiras, enlouqueceu de alegria,  os paulistas não cabiam em si de felicidade, os jogadores vibravam no gramado, eram aplaudidos – pelos outros torcedores também… Sarno correu abraçar Liminha, que acenava para a torcida, comemorando a façanha de eliminar o forte concorrente e estar com o Palmeiras na final…

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O Palmeiras, que era o melhor “team” do Brasil naquele ano de 1951, que  conquistara quatro torneios na temporada, ia agora, merecidamente, em busca da sua quinta coroa… a mais brilhante delas… a mais desejada… Ia em busca do título de campeão do mundo. Quanta responsabilidade.

A sorte estava lançada… Os brasileiros tinham o seu representante na final. O Palmeiras agora era o Brasil.

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Que viessem os italianos… com o Palmeiras, o Brasil estava pronto para enfrentá-los.

II – E O TORNEIO MUNDIAL COMEÇA A SER ORGANIZADO

A grandeza não consiste em receber honras, mas em merecê-las. (Aristóteles)
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Como ainda não existiam naquela época competições que pudessem servir como eliminatórias pra indicar os participantes de um torneio mundial de clubes, algo inédito até então, eles decidiram, a princípio, convidar os campeões nacionais de países da América do Sul e da Europa considerados potências futebolísticas naquele início de década, e que participaram da Copa do Mundo.

No Brasil ainda não havia um campeonato nacional que pudesse indicar os participantes desse torneio – a Taça Brasil, o primeiro campeonato nacional,  só surgiria em 1959 (o Bahia seria o primeiro campeão brasileiro; em 1960, seria o Palmeiras) -, e também não seria possível disponibilizar datas para a inclusão de uma nova competição no calendário nacional. Como os torneios mais importantes do país eram os campeonatos estaduais do RJ e de SP e o Torneio Rio-São Paulo – a disputa entre os dois estados onde havia o melhor futebol e o maior número de craques do Brasil – a CBD e a FIFA  decidiriam que Palmeiras e Vasco (os campeões desses estados em 1950), seriam os representantes brasileiros no torneio mundial de clubes campeões.

Claro que teve alguma reclamação de alguns que ficaram de fora, claro que teve choradeira até mesmo de alguns (poucos) jornalistas por causa dos clubes que não participariam. Mas não teve camaradagem na escolha dos representantes do Brasil não… Palmeiras e Vasco eram os melhores times do país naquele ano, eram os campeões de São Paulo e Rio de Janeiro – os dois estados com o futebol mais forte do país. O time de Parque Antártica entraria na nova década com quatro conquistas de “Campeonatos Paulistas” (1942, 1944, 1947 e 1950 – por ocasião do mundial de clubes, o campeonato estadual de 51 estaria ainda em seu início, e seria paralisado para o torneio mundial) -, dois “Torneios Início do Campeonato Paulista” (1942 e 1946) e três “Taças Cidade de São Paulo” (1945, 1946 e 1950) – o Palmeiras ainda conquistaria o “Torneio Rio-São Paulo”-1951, a “Taça Cidade de São Paulo”-1951 – o Torneio Mundial de Clubes Campeões, se conquistado,  tornaria o Palmeiras  “Campeão das Cinco Coroas”. O Vasco, por sua vez, tinha sido campeão carioca e a base da seleção brasileira na Copa disputada no Brasil  – 8 jogadores, o técnico e também o massagista –  (os palmeirenses Jair da Rosa Pinto, Juvenal e Rodrigues Tatu também haviam defendido a seleção na Copa – Juvenal e Rodrigues Tatu vieram para o Palmeiras depois do mundial de seleções). Sendo assim, Palmeiras e Vasco teriam a honra de serem, merecidamente, os representantes do Brasil no Mundial de Clubes Campeões.

O patrocínio, que Ottorino Barassi desejava para o torneio, logo apareceria… e, pelo que se podia perceber, viria da prefeitura do Rio de Janeiro. [Diário da Noite, edição 05065(1)]

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Barassi, uma das grandes autoridades do futebol mundial, ia voltar para a Europa. Na véspera da viagem, por iniciativa da CBD (Confederação Brasileira de Desportos), da Federação Metropolitana de Football e dos clubes cariocas, ele foi homenageado com um almoço no restaurante do aeroporto Santos Dumont. Tratava-se de um importante contato para o campeonato mundial de clubes. O campeonato idealizado por Mario Filho caminhava para se tornar realidade (Jornal dos Sports, edição 064362, 1950 – “Realidade para o Campeonato Mundial Dos Clubes”).

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Ottorino Barassi sabia, e não se cansava de repetir: “Só o Rio comportará um acontecimento dessa transcendência. Só mesmo o Rio, com a praça de esportes que tem, com esse entusiasmo incomparável de sua gente, com essa prova de altivez ao revés, poderá lançar-se a tão alto projeto”.

E nesse almoço, Barassi sugeriu um nome para o campeonato mundial de clubes que organizavam e que a Prefeitura do Rio de Janeiro já insinuava que iria patrocinar (mais à frente, ela mandaria confeccionar a taça que seria entregue ao campeão e ao vice). Pediu especial atenção dos que o rodeavam (prestem atenção também os que leem esse texto agora, em 2018), pigarreou, e disse que já tinha um nome para o Campeonato Mundial de Clubes. Fez uma pausa e disse: “Copa Rio de Janeiro”. Outra pausa, e ele fez um adendo: “Copa Rio”. Sorrindo, se justificou: “Mais simples. Mais Popular. Pegará mais depressa”. [Jornal dos Sports – edição 06427(1)] 

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E foi assim, por ideia de Ottorino Barassi – por causa do patrocínio que viria da prefeitura também, claro -, que o Torneio Mundial de Clubes Campeões,  que não deixaria de ser um mundial de clubes em nenhum momento, ganhou o nome de “Copa Rio”, mas só depois de ter sido idealizado como um campeonato mundial de clubes, e não o contrário.

E então, o torneio começava a ser realmente organizado. E era considerado uma conquista do futebol brasileiro. As adesões entusiásticas da FIFA (Jules Rimet se colocara à disposição do futebol brasileiro para que vingasse a ideia do campeonato mundial de clubes), da Inglaterra, Itália e outros países à ideia de Mario Filho de realizar um mundial de clubes, poderiam ser traduzidas como o reconhecimento da liderança que estava sendo pretendida para o futebol do Brasil. Porque só um centro completamente evoluído, completamente amadurecido e completamente aparelhado, como era, futebolisticamente falando, o Rio de Janeiro naquela época – e com um estádio como o Municipal do Rio de Janeiro -, poderia ter a pretensão de realizar um campeonato de tal vulto, apenas um ano depois da Copa do Mundo no Brasil (Jornal dos Sports, 1950 – edição 06419).

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A imprensa atual, a do século XXI, numa injustiça tremenda com um dos maiores jornalistas esportivos da nossa história, pouco lembra de Mario Filho como o idealizador do primeiro Torneio Mundial de Clubes Campeões e, na maioria das matérias a respeito dessa competição, quase nunca lemos algo o ligando à idealização do torneio (Jornal dos Sports, 1950 – edição 06418, O CORAÇÃO DO MUNDO FOOTBALLÍSTICO).

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.Mas naquele meio de século, naquele distante 1950, a imprensa esportiva sabia que esse primeiro campeonato mundial de clubes era uma grande distinção ao Brasil, e ela apelava aos dirigentes de clubes e entidades do país para que não deixassem a ideia morrer, e levassem a sério a organização do torneio. Os benefícios para o Brasil – diziam os jornais – para o esporte brasileiro, para o futebol brasileiro, para os clubes e entidades, seriam ainda maiores do que os que foram prestados pela Copa Jules Rimet. Primeiro, porque  seria um prêmio que o futebol mundial reconhecia que o Brasil merecia; segundo, porque beneficiaria diretamente os clubes e as entidades no Brasil. Os campeonatos do Rio e de São Paulo ganhariam em interesse, em atenção, uma vez que iam designar os representantes do Brasil no campeonato mundial de clubes, assim como o Torneio Rio-São Paulo seria igualmente beneficiado. E isso iria além do interesse clubístico. O interesse era do Brasil, que seria mais uma vez palco de um campeonato mundial [Jornal dos Sports, 1950 – edição 06419(2) – O CAMPEONATO MUNDIAL DE CLUBES].

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Os periódicos temendo que, por falta de organização, o Brasil perdesse a chance de realizar o mundial de clubes, cobravam da CBD que ela corresse mais na direção desse grande projeto, e não perdesse a chance, porque a ideia do mundial já existia e outros países poderiam se antecipar ao Brasil (a ideia do mundial de clubes agradava à muitas federações estrangeiras. Estava cheio de gente de olho nele). Todavia, alguns jornalistas –  e alguns dirigentes europeus também – temiam que o tempo fosse escasso para se realizar mais um campeonato mundial no Brasil – era mesmo.  Diziam que um campeonato desse vulto, um torneio mundial de clubes, só poderia ser realizado em 1952,  porque não daria tempo de organizá-lo para 1951 [Jornal dos Sports – edição 06417(1) -Olimpicus – O campeonato Mundial de Clubes É UM GRANDE PROJETO].

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Mas, por outro lado, depois da realização da Copa Jules Rimet, e do estádio municipal do Rio de Janeiro construído a tempo, com tanto sucesso,  e quando muitas pessoas achavam que ele não ficaria pronto (a obra terminou em 12 de Junho, doze dias antes do início da Copa do Mundo), os dirigentes da Fifa costumavam dizer que “para os brasileiros nada seria impossível” . Na verdade, antes da conclusão da obra, a Fifa temera sim que o estádio não ficasse pronto para a Copa, e Barassi, que muito fez para que os prazos fossem cumpridos, que cobrou as pessoas responsáveis, que insistiu, ficou ‘em cima’ para que o aprontassem em tempo, foi de uma ajuda inestimável na ocasião.

Será que o Brasil, com a ajuda de Barassi na organização, conseguiria vencer o tempo mais uma vez e promover um mundial de clubes? Conseguiria, no prazo de um ano, e mesmo com todos os problemas que a guerra causara à Europa, trazer grandes times europeus ao torneio em 1951?

(Continua na próxima quinta-feira, 30/08)