Basta-me um pequeno gesto,
feito de longe e de leve,
para que venhas comigo
e eu para sempre te leve… (Cecília Meireles)
Hoje, precisei dar um pulinho no caixa eletrônico e, como sempre faço, cortei caminho por dentro do shopping que fica aqui pertinho da minha casa.
Sabadão, um calor enorme, o shopping estava cheio de gente. Enquanto caminhava pelo largo corredor, algo chamou a atenção dos meus olhos: um distintivo do Palmeiras, uma bandeira, que se movia por entre as pessoas.
Eu caminhava com pressa e a “bandeira”, que vinha em sentido contrário ao meu, também. Era um rapaz, alto, com uma bandeira do Palmeiras, linda e enorme, usada como se fosse uma capa de um super-herói ou de um imperador da Roma Antiga. Ela estava colocada sobre o seu ombro direito e ia até abaixo dos joelhos; ele também usava uma faixa palestrina na cabeça, por sobre a testa. E o super-herói palestrino ia todo altivo, imponente… Uma visão e tanto!
Pena que estava sem o celular para fotografar o ‘super-herói, mas, acredite, fiquei arrepiada (mesmo) quando o vi. Dei um sorriso grande para a bandeira, para cumprimentá-la (o moço não me notou, mas a bandeira sim, me olhou e sorriu de volta), e, conhecendo tão bem esse amor e esse orgulho que faz o moço andar pelas ruas com a sua ‘capa de super-herói’, nem preciso falar que tive que disfarçar as lágrimas depois…
E então me lembrei de um fato, ocorrido há pouco mais de um ano atrás…
Eu estava na rua, vestida com a camisa do Palmeiras (numa época tão dolorida para os nossos verdes corações), e caminhava numa calçada ao lado de um ponto de pequenos caminhões que fazem transportes, carretos.
Dois senhores estavam sentados num banco desse ponto – deveriam ser motoristas/donos dos veículos -; já tinham uma certa idade e sorriram pra mim quando me aproximei de onde eles estavam. Um deles, de cabeça toda branca, me disse: Que camisa mais linda! E você também é linda! – Eu me virei pra ele, lhe dei o meu melhor sorriso de volta e agradeci: Muito obrigada, essa camisa é a coisa mais linda do mundo, mesmo!
Ele então me estendeu a mão. Numa cidade maluca como a nossa, a gente sempre hesita, nem que seja por um segundo, em parar para conversar com um estranho, mas não hesitei (ele era palestrino, pô!) e estendi a mão pra ele. Ele segurou a minha mão, com as suas duas mãos (o amigo dele, palestrino também, sorria), e, num sotaque caipira, tão simpático, me disse:
– Moça (o ‘moça’ era por conta dele), é uma coisa linda você com essa camisa passando assim na rua. Sou palmeirense desde criancinha, meu pai também era. Sabe, as coisas ‘tão feia’ pro nosso lado agora, mas o Palmeiras não vai cair, não, se Deus quiser (meu coração, machucado, se torcia no peito). Nós que somos palmeirenses ficamos tristes, né? Às vezes eu tenho que escutar no radinho, mas quando eu assisto, a gente vê os jogadores se esforçando em campo. Vamos torcer, quem sabe dá? Mas, se não der, não tem problema, filha, porque ele vai voltar. Do jeito que vai ele volta, pode ter certeza, viu? Ele vai, mas ele volta. A gente tem sempre que sentir muito orgulho do Palmeiras.
Era amor, explícito, pelo Palmeiras, o que o motivara a falar comigo. Amor puro, de torcedor. Era a camisa, era aquela cumplicidade, que palmeirenses do mundo todo têm quando se encontram e se percebem identificados pelo coração. E eu sentia isso na maneira tranquila dele falar, nos “r” marcados, no jeito que me olhava sorrindo, na delicadeza com que segurava as minhas mãos… na semelhança que ele tinha com o meu avô, que morrera há tanto tempo. Eu sorria pra ele, segurava as lágrimas (o queixo não parava de tremer), dizia algumas coisas de volta, dizia que também sentia orgulho do Palmeiras em qualquer situação e que não tinha importância mesmo, porque nós traríamos ele de volta se fosse preciso; o amigo dele também falava que gostava do Palmeiras, que ouvia no rádio, que “tava torcendo muito pro Palmeiras não cair”…
Mas o meu ‘amigo’ parmera, da cabeça toda branca, vivida, continuava segurando a minha mão…
– Deus te abençoe, filha, tão linda assim com essa camisa linda. E Deus abençoe o Palmeiras também. Ainda vamos ter muitas alegrias…
Nem lembro direito o que falei pra ele, me despedi e saí. Me sentia tão orgulhosa de compartilhar com milhões de pessoas, do “segredo” de saber o que é ser palestrino. E fui brigando com as lágrimas no caminho pra casa, e chorei à vontade quando lá cheguei. Que bonito quando o sentimento do torcedor é esse, apenas amor ao time, ingênuo, sem rancor, sem revanchismo, sem interesses pessoais…
E o meu “amigo”, que não sei quem é e nem como se chama, tinha razão; se caísse, o Palmeiras voltaria em seguida… E VOLTOU! E ganhou outro jeito de ser cuidado, e passou pela segundona sem atropelo algum, e se prepara dignamente para o ano do seu centenário… enchendo de esperança e orgulho os corações daqueles que o amam.
Tanto isso é verdade, que, hoje, eu vi até um super-herói, em pleno shopping, mostrando pra todo mundo o seu orgulho se ser palmeirense…