VI – O MUNDIAL ESTÁ ÀS PORTAS
“O tempo dirá tudo à posteridade. É um falador. Fala mesmo quando nada se pergunta” – Eurípedes
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Em poucos dias, o mundial começaria… Oito times de sete países lutariam por uma taça… a mais valiosa taça que qualquer clube de futebol poderia desejar… a de campeão do mundo…
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A tabela do torneio ficou pronta: Vasco da Gama, Sporting (POR), Nacional (URU) e Áustria Viena (AUS) no grupo A, o Grupo do Rio de Janeiro; Palmeiras, Juventus (ITA), Estrela Vermelha (IUG) e Olympique Nice (FRA) no grupo B, o Grupo de São Paulo.
Na abertura do Mundial de Clubes Campeões, que seria no dia 30 de Junho, um sábado, Áustria Viena x Nacional jogariam no Maracanã; Palmeiras x Olympique Nice, no Pacaembu. No domingo, 01 de Julho, no Maracanã, o Vasco enfrentaria o Sporting; pelo outro grupo jogariam Juventus e Estrela Vermelha.
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Os alojamentos das delegações já estavam reservados. O mapa com a lista de hotéis que hospedariam as delegações foi divulgado: RIO – Áustria, Hotel Riviera; Uruguai, Paissandú Hotel; Sporting, Hotel Paineiras. SÃO PAULO – Juventus, Hotel São Paulo; Olympique Nice, City Hotel; Estrela Vermelha, City Hotel.
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Para que o Sporting, que era a base da seleção de Portugal, pudesse se preparar bem para a “Copa Rio”, seus “scratch men” (os jogadores da seleção) tinham sido dispensados da seleção lusa para que pudessem treinar convenientemente para o torneio.
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O Palmeiras que, nos primeiros meses de 51, também conquistara o Torneio Rio-São Paulo e a Taça Cidade de São Paulo, nesse mês de Junho, ainda iria fazer alguns amistosos antes da estreia no mundial – ele venceria o Arsenal (ING) por 3 x 1, empataria com o Portsmouth (ING) em 1 x 1 e, seis dias antes de o torneio tão aguardado iniciar, e enquanto o técnico Ventura Cambón afinava a orquestra verde para os “concertos” que viriam, o Palmeiras venceria o Jabaquara por 7 x 1, pelo Campeonato Paulista-51 que se iniciava, e que seria paralisado em seguida para o início do Mundial.
Os outros concorrentes do Torneio Mundial de Campeões também jogavam lá na Europa. E as notícias diziam que eles estavam em grande forma.
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Irineu Chaves, Superintendente da CBD revelava a previsão dos custos com o Torneio Mundial dos Campeões… mais de quinze milhões de cruzeiros. Uma iniciativa semelhante à Copa do Mundo, que teria custo semelhante…
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Eram notícias e mais notícias sobre o mundial, sobre os times, os jogadores, a tabela, os prognósticos, a taça que seria ofertada ao campeão, as datas de chegada das delegações… Em 22 de Junho, o jornal destacava o centro médio Parola e o centroavante Boniperti, como as figuras de grande expressão do time do Juventus(ITA), e que seriam vistos no curso do Torneio Mundial de Clubes Campeões.
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Em meio a muita ansiedade e agitação a semana da abertura do torneio finalmente chegara… Sim, o Brasil estava em plena semana do Torneio Mundial. A expectativa era enorme, o clima era de festa… era como se fosse Copa do Mundo outra vez… Maracanã e Pacaembu iriam receber os jogos do primeiro Torneio Mundial de Clubes Campeões. E os brasileiros iriam sentir de novo as emoções do Campeonato do Mundo.
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Na confederação, o clima era de “Copa do Mundo” antes mesmo de o torneio começar…
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Os campeões europeus começavam a chegar… O Austria, trazendo em sua delegação a base da seleção austríaca, foi a primeira delegação a desembarcar no Galeão, e o time treinou no campo do Flamengo depois de os jogadores terem ido assistir à partida entre Fluminense x América… As outras delegações continuavam sendo muito aguardadas.
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E sem que fosse preciso esperar muito as demais delegações chegariam… a do Nacional – dos simpáticos campeões uruguaios, como dizia o jornal, tinha chegado no sábado (mesmo sendo bem recente a final da Copa do Mundo, não era ironia o adjetivo “simpáticos” na notícia); as do Áustria, Juventus e Olympique Nice já tinham chegado também. No domingo, o Estrela Vermelha (com 8 jogadores da seleção iugoslava) chegaria pela manhã, o Sporting chegaria à noite… Juventus, Nice e Estrela Vermelha, do grupo do Palmeiras, rumariam para São Paulo. O Rio de Janeiro era uma empolgação só a cada desembarque no Galeão.
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As novidades eram muitas, todos os dias. A alegria dos brasileiros também era muita, era contagiante, a sua expectativa era maior ainda… De novo, uma outra “copa do mundo” no Brasil… de novo, a chance de o Brasil conquistar esse título. O título que faltava ao maravilhoso e respeitadíssimo futebol brasileiro. Era uma segunda chance, e dessa vez, tinha que dar certo. Vasco ou Palmeiras haveriam de conseguir o que a seleção deixara escapar na Copa Jules Rimet – era o que, confiantes, pensavam todos os brasileiros, e boa parte dos brasileiros achava que o Vasco, por ser a base da seleção de 50, ficaria com a taça.
Até a “Rainha do Rádio”, a cantora Dalva de Oliveira, profetizava que o Vasco seria o campeão… E a CBD decidia que haveria rodízio apenas para os concorrentes estrangeiros no Torneio Mundial de Campeões. O Vasco jogaria só no Rio de Janeiro, no Estádio Municipal; o Palmeiras jogaria só em São Paulo, no Pacaembu. No entanto, as finais seriam no Rio.
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A realidade do Mundial de Clubes era cada vez mais palpável… Nas notícias do “Correio da Manhã”, de 27/06/51, a informação para os torcedores era a de que no dia seguinte começaria a venda de ingressos para o Torneio Mundial de Clubes Campeões (Copa Rio). A Administração do Estádio Municipal, visando atender melhor a todos os que quisessem assistir à partida inaugural entre Nacional e Áustria, no sábado, resolvera colocar vários postos de venda na cidade e no subúrbio. Doze postos seriam instalados para atender aos torcedores.
Uma outra notícia, na mesma página, dizia que a delegação do Juventus, que tinha permanecido no Galeão até as 15h00, já tinha rumado para São Paulo e esperava poder fazer dois coletivos antes da estreia, na segunda rodada. Os paulistas, só na expectativa para a chegada dos adversários do Palmeiras…
E para os palmeirenses, para os vascaínos, para os brasileiros todos, quando se falava em Torneio Mundial, se falava no sonho de se conquistar a cobiçada taça, a taça que seria levantada por mãos campeãs… O Brasil sonhava com esse momento de levantar uma taça de campeão mundial, de levantar a “Copa Rio”, o troféu a ser disputado no Torneio Mundial de Clubes Campeões, e que seria ofertado pela Prefeitura do Distrito Federal.
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E a taça, linda, confeccionada toda em prata, ficou pronta finalmente… e os que a viram disseram se tratar de amor à primeira vista… E antes de a “Copa Rio” ser entregue à CBD, um representante do prefeito apresentou-a a Mario Filho, o proprietário do “Jornal dos Sports” e idealizador do Torneio Mundial de Clubes Campeões.
“COPA RIO” AO VENCEDOR DO TORNEIO MUNDIAL DE CLUBES CAMPEÕES
João Carlos Vital, o prefeito, fez a entrega solene da “Copa Rio” aos dirigentes da CBD. O jornal dizia que pela expressão dos participantes, pelos expoentes do futebol mundial que participariam do torneio, ele poderia e deveria ser considerado mesmo uma nova Copa do Mundo. Dizia também que era com esse espírito de Copa do Mundo que os austríacos, iugoslavos, franceses e italianos, por exemplo, tinham vindo disputar o Campeonato Mundial de Clubes, idealizado por Mário Filho – os italianos, aliás, chegavam com disposição para reabilitar a própria “Azzurra”. E os uruguaios, do Nacional, já haviam declarado amor à Copa Rio, e achavam que ela faria muito boa companhia ao lado da Taça Jules Rimet – que fazia pouco tempo o Uruguai conquistara aqui no Brasil.
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A tabela definitiva do Torneio Mundial de Clubes Campeões (Jornal dos Sports, 26/06/51) estava pronta e os torcedores já sabiam de “cor e salteado” quem jogaria contra quem e quais seriam os horários dos jogos em todas as fases da competição. Cada uma das duas rodadas da semifinal teria um jogo no Rio e outro em São Paulo, em mesmo dia e mesmo horário.
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A atmosfera de otimismo – até demais – pairava entre os brasileiros, todos acreditavam piamente na conquista do Mundial de Clubes pelo Brasil, por Vasco ou Palmeiras, e um membro do Conselho Nacional dos Desportos, o Sr. Sylvio Mello Leitão, vendo esse otimismo exagerado dos torcedores (até hoje, 2018, brasileiros são assim), e lembrando do recente e imenso desgosto na Copa do Mundo, alertava:
Às vésperas do mundial de clubes e justamente nas vésperas do mundial de clubes o ambiente era o mesmo da Copa do ano anterior, o mesmo que antecedeu aquele fatídico 16 de Julho… só se falava em vitória. O Brasil ansiava por essa conquista. Mas, com a situação tão semelhante, com o país em clima de uma nova “copa do mundo”, era impossível não lembrar… impossível não sentir algum receio… a derrota da seleção brasileira na final da Copa Jules Rimet era ferida aberta ainda… e sangrava…
O jornal “A Noite”, do dia 29, trazia a informação de que a COMISSÃO DE IMPRENSA do Torneio Mundial de Clubes Campeões (Taça Rio) tornara público que seria exercida severa fiscalização no sentido de se evitar que pessoas estranhas à profissão tivessem acesso à tribuna do Estádio Municipal reservada à imprensa. Informava ainda que o ingresso de senhoras e senhoritas naquele recinto só seria permitido com a apresentação de carteira funcional.
Era o torneio mais importante depois da Copa do Mundo, era o primeiro Torneio Mundial de Clubes da história, e algumas das melhores equipes do mundo estariam participando, equipes de vários países, de países campeões do mundo, inclusive… por tudo isso, pela responsabilidade de o Brasil sediar o primeiro mundial, os brasileiros tentavam antever quaisquer problemas que pudessem ocorrer (na final da Copa do Mundo, estimou-se que aproximadamente 50 mil “não pagantes” estiveram no Estádio Municipal do Rio de Janeiro).
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Era véspera da abertura do Torneio dos Campeões, e os torcedores do Vasco, que temiam que a sua equipe não pudesse contar com Ademir, o Magnífico, receberam boas notícias nesse dia. O técnico Oto Glória tinha informações de que o atleta, que estava lesionado, acusava animadoras melhoras, e o médico, Dr Giffoni, já admitia a hipótese de se antecipar a sua volta aos gramados. Oto Glória confirmaria ao jornal “A Noite” que continuava contando com a participação de Ademir, ainda na fase de classificação, para o jogo contra o Nacional. Os vascaínos torciam para que pudessem contar com o seu craque.
Para tranquilizar a torcida, até a imagem de uma radiografia do pé de Ademir foi publicada no jornal “Última Hora”, no dia 29/06, véspera da abertura do Mundial de Clubes Campeões.
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O Juventus, que chegara com cinco jogadores da seleção italiana e um da seleção sueca, também trazia a sua força máxima para o campeonato mundial de campeões (não tinha sido à toa que Barassi preferira o Juventus)…
Ieso, o brasileiro, que era craque na França, no Nice, avisava para tomarem cuidado com o time do Juventus (o Juventus acabaria mostrando que ele tinha razão)… Segundo ele, o time italiano era um grande perigo e ia impressionar o público brasileiro. Mais do que isso, ia concorrer com grandes possibilidades à “Copa Rio”. E ele advertia: “Abram os olhos com o futebol italiano; está passando por uma fase brilhantíssima, está se recuperando completamente (da fraca campanha na “Taça do Mundo”) – Jornal “Última Hora”, 29/06/51 – pág.8 – “Todo cuidado é pouco com o Juventus”.
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Aquele dia, que parecia não passar nunca, iria dormir sexta-feira e acordar sábado… do tão aguardado torneio mundial… A “Copa Rio” ia começar…
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O Palmeiras, por sua vez – que nem imaginava o trabalho que iria ter com o Juventus, que nem imaginava a história, linda, que o Juventus iria ajudá-lo a escrever – estaria completo na estreia. E já estava escalado por Ventura Cambón com Oberdan, Juvenal, Palante, Valdemar Fiume, Luiz Vila, Dema, Aquilles, Ponce de Leon, Jair e Rodrigues – conheci a esposa de Palante, e conversei muito com ela, em alguns dos aniversários de Oberdan.
Era assim que tinha que ser. Pela grandeza do torneio, seria excelente que todos os participantes estivessem completos – tomara Ademir se recuperasse bem e em tempo pra jogar. O Brasil precisava que Palmeiras e Vasco, diante de fortes adversários estrangeiros, fossem a campo com as suas melhores formações porque o futebol brasileiro tinha um título cobiçadíssimo para conquistar…
O Mundial de Clubes ia começar… Nacional e Austria Wien se enfrentariam no Maracanã; Palmeiras e Nice seria a partida do Pacaembu. O Brasil faria a sua estreia na “Copa Rio”… e estava em jogo na “Copa Rio” um título de campeão do mundo (Jornal dos Sports, 22/06/51)…
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E naquela noite de 29 de Junho de 1951, o sono custaria a chegar para os brasileiros, para os palmeirenses, principalmente… Uma noite apenas e seria o dia da estreia. Agora ia ser pra valer. O Palmeiras seria o primeiro dos brasileiros a entrar em campo…
No escuro, de olhos fechados, mas ainda bem acordados, certamente os jogadores do Palmeiras sonhavam com a primeira vitória, imaginavam a hora de entrar em campo diante de seus torcedores, imaginavam o jogo, imaginavam lances, jogadas, gols… Oberdan provavelmente imaginava como se defenderia dos atacantes franceses… e do brasileiro, ex-jogador de Palmeiras e São Paulo, Yeso Amalfi, que fazia um sucesso enorme na França e era considerado o “deus do estádio” por lá… Ventura Cambon certamente pensava na melhor maneira de fazer seus comandados se imporem diante dos franceses, de impedirem os adversários de chegar até a meta de Oberdan, de driblar o nervosismo e a ansiedade da sua equipe na estreia…. certamente ele sonhava com o Palmeiras jogando o que sabia e podia, indo em busca da sua quarta estrela… Os torcedores palmeirenses sonhavam com gritos de gol, com abraços, aplausos… meu pai (e claro que ele iria ao jogo) certamente sonhava com a vitória do seu time de coração…
No dia seguinte, quando a bola rolasse, o Palmeiras, cheio de esperanças, e sem se dar conta do muito que a vida lhe reservava naquele torneio, começaria a escrever uma das páginas mais lindas da sua história, da história do futebol brasileiro e mundial…
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