IV – O MUNDIAL DE CLUBES VEM AÍ

“A história é testemunha do passado, luz da verdade, vida da memória…” – Cícero
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1951 chegara… a Europa, ainda cheia de escombros, ia se refazendo dos estragos da guerra, mas continuava sofrendo pelo horror vivido, sofria com a falta de dinheiro… Em outro ponto do planeta, norte-coreanos e chineses, em guerra com a Coréia do Sul, capturavam Seul… A Federação Internacional de Automobilismo (FIA) preparava a sua segunda temporada de F1, que, na época, era disputada só no continente europeu e em apenas oito corridas (um campeonato com 21 corridas, como aconteceria décadas depois, era impensável naquele tempo em que as viagens eram mais complicadas e sair da Europa era muito difícil)…. Na Argentina, aconteceriam os primeiros Jogos Pan-americanos… e em terras brasilis o primeiro Mundial de Clubes era organizado.

E nesse início de Janeiro, o Mundial de Clubes era o assunto do universo futebol… No Jornal dos Sports, a coluna de Pierre Rimet informava que o presidente da FIFA afirmara que “A Copa Rio”, Torneio Mundial dos Clubes Campeões, deveria bisar o triunfo do Campeonato Mundial de 1950″. As expectativas eram muitas…

Na primeira semana do ano, a notícia era sobre a chegada, nos próximos dias, de Ottorino Barassi – o dirigente da Fifa e presidente da Federação Italiana – que mantinha estreita ligação com a CBD e vinha ao Brasil para ultimar providências para a realização do 1º Torneio Mundial de Clubes Campeões (Jornal do Brasil – 06/01/51)

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No Brasil, enquanto aguardavam Barassi, os homens do Conselho Técnico da CBD  se reuniam para tratar do palpitante assunto do momento: o Campeonato Mundial de Clubes Campeões. O Conselho Técnico de Futebol da CBD , sob o comando de Castelo Branco, organizava o regulamento da competição. (Correio da Manhã – 09/01/51)

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E o mundial de clubes, em sua inédita edição – o seu primeiro formato na história – já fazia tanto sucesso, antes mesmo de estar totalmente organizado, que “os dirigentes ingleses, impulsionados à modernidade por Sir Stanley Rouss e Mr. Arthur Drewry, queriam/se decidiam a organizar, em 52, um Torneio Mundial de Clubes Campeões mais  ou menos idêntico ao torneio idealizado por Mario Filho”,  que se realizaria no Rio de Janeiro naquele ano.

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Até o comércio pegava carona na grande badalação que era o Torneio Mundial dos Campeões… e fazia ofertas com “Preço Campeão”…

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Em 30 de janeiro, vindo de Roma, Ottorino Barassi, presidente da Federação Italiana de Calcio e vice-presidente da FIFA, chegava ao Brasil para tratar com a CBD dos assuntos do torneio mundial – (Jornal dos Sports, 30/01/51).

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Fevereiro mal iniciara e a CBD já se reunira outra vez, e exclusivamente por causa do Campeonato Mundial de Clubes Campeões. E ficou decidido que no torneio seriam dois grupos de quatro times cada um.  Vasco e Palmeiras seriam os cabeças de chave do grupo do Rio de Janeiro e de São Paulo respectivamente (com jogos no Rio e em São Paulo, a recém inaugurada Via Dutra, que ligava os dois estados, facilitaria a vida de muitos torcedores). Faltava Ottorino Barassi definir os demais participantes.

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Barassi, que tinha ido à Argentina, chegava ao Brasil mais uma vez e, no mesmo dia,  esteve na CBD conversando com os dirigentes e com os jornalistas credenciados. E, embora por aqui se especulasse muito sobre os países que participariam do mundial de clubes, durante a conversa, Barassi e CBD combinaram que, dentro de alguns dias, eles se reuniriam mais uma vez para acertarem quais países, por intermédio de seus clubes campeões, seriam convidados a participar  do  torneio.

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O CND (Novo Conselho Nacional de Desportos) estudava até a possibilidade de reatar relações com a AFA, a Associação de Futebol da Argentina, estudava aceitar o apaziguamento insinuado pelo chanceler argentino Jesus Paz,  e convidar o Racing para o torneio – as relações haviam sido cortadas depois que os argentinos, sem maiores explicações, se recusaram a participar da Copa do Mundo no Brasil (Jornal da Noite, edição 050591) – na verdade, segundo o que diziam alguns, a explicação existia sim, e a recusa da Argentina em participar se dera pelo fato de a Copa ser no Brasil, e a Argentina querer sediar a Copa.

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Barassi ‘quebrava a cabeça’ para fechar a parte dos europeus que viriam para o mundial – como era o primeiro  torneio no gênero, o primeiro mundial de clubes, e não havia um critério determinado, os participantes tinham que ser convidados, não havia outro jeito, e como a Europa ainda vivia muitas dificuldades pós guerra,  ficava mais difícil ainda. O dirigente adiantava que Uruguai, Itália, Inglaterra, Portugal e Espanha estavam entre os países que seriam convidados, e ele acreditava que todos aceitariam (como constataríamos depois, Uruguai, Itália e Portugal aceitariam sim o convite do dirigente da Fifa). Barassi achava que, muito provavelmente, a outra vaga acabaria sendo da Suíça. 

Em Portugal, uma notícia equivocada (falsa) dizia que o mundial não mais se realizaria e que teria sido Jules Rimet a afirmar isso, mas a CBD desmentia e garantia que a realização do mundial estava firme – Jules Rimet também desmentiria e esclareceria o assunto depois.

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A organização do mundial – programado desde Julho de 1950, e cuja ideia existia desde Março desse mesmo ano e contava com a concordância de todos os presidentes de clubes brasileiros -,  ia encorpando…

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Era uma novidade a cada dia… Dois árbitros ingleses – um deles, que estivera apitando na Copa do Mundo –  estariam entre os árbitros do Mundial dos Campeões, e Barassi, por telefone, adiantava que um time da Áustria deveria participar do torneio. Barassi também informava que Mr. Stanley Rouss viajaria para o Brasil em sua companhia para integrar a comissão organizadora do torneio.

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O frisson pelo mundial prestes a acontecer era cada vez maior no Brasil. Os dias se tornavam ansiosos, inquietos… E como os participantes europeus ainda não estavam definidos, as especulações, como não poderia deixar de ser, eram muitas… mas já se podia quase afirmar que Itália, Iugoslávia, Portugal e Uruguai mandariam os seus representantes – o futebol italiano e o uruguaio eram bicampeões do mundo. Em relação à Espanha, a derrota para o selecionado brasileiro na Copa, por 6 x 1, e a grande significação da Copa Rio – era uma “outra Copa do Mundo” – deixava inseguros os seus representantes quanto a disputar o Mundial de Clubes. Atletico de Madrid, campeão espanhol, e o Barcelona, campeão da Copa Generalíssimo Franco,  achavam impossível vencer no Brasil. E depois de a Portuguesa ter vencido o campeão espanhol em Madrid, o futebol espanhol acabou convencido da absoluta superioridade do futebol  brasileiro. Além disso, achavam que o Mundial de Clubes serviria apenas para que o Brasil reeditasse a goleada imposta à Espanha na Copa. No “Diário da Noite” a notícia contava que o campeão espanhol fugira do Torneio Mundial de Campeões.

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Era quase confirmada a ausência da Inglaterra (por problemas financeiros o Tottenham acabaria declinando do convite) e, em seu lugar, diziam, deveria participar a França. A Áustria, cujo campeão, o Austria Wien, derrotara o campeão inglês, também queria participar. A participação da Iugoslávia, Portugal e Itália estavam asseguradas.

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Junho, mês em que o mundial teria início  – a partida de abertura seria no dia 30 -, estava quase chegando… e aconteceria mais uma conversa da diretoria da CBD com o Presidente da República, Sr. Getúlio Vargas, que nesse ano de 1951, estava em seu segundo mandato como o 17º presidente do Brasil – dessa vez eleito pelo voto direto.

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O Nacional, do Uruguai  – país cuja seleção atravessara a faca no coração dos brasileiros na Copa do Mundo -, pediu à CBF o regulamento e alguns esclarecimentos sobre ele, a fim de poder confirmar a sua inscrição. E era muito grande a expectativa e a alegria, dos brasileiros pela participação do time campeão uruguaio de 50 no Torneio Mundial de Clubes Campeões… era grande a vontade de enfrentar os uruguaios mais uma vez.

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Durante os primeiros meses desse novo ano em que o mundial era organizado, o Brasil ganharia 32 medalhas no primeiro Pan-americano (5 de ouro, 15 de prata e 12 de bronze), ficando em 5º lugar… o “Trio de Ouro” faria sucesso com a música “Vingança”, de Lupicínio Rodrigues… Juan Manuel Fangio, no Grande Prêmio da Suíça, em Maio, conquistaria o seu primeiro campeonato na Fórmula 1… O Palmeiras, que se sagrara campeão da Taça Cidade de São Paulo 1950,  campeão Paulista de 1950  – o campeonato terminara em Janeiro de 51 -,  conquistaria ainda o Torneio Rio-São Paulo de 1951 – com alguns resultados muito expressivos, como a goleada de 7 x 1 no Flamengo (a maior goleada , até hoje, no confronto entre os dois clubes), 4 x 1 na Portuguesa, 4 x 2 no Bangu, 3 x 0 no São Paulo, 4 x 1 no Vasco (o outro participante brasileiro do mundial e favorito ao título para muita gente) e as duas vitórias decisivas sobre o Corinthians por 3 x 2 e 3 x 1 –  conquistaria também a Taça Cidade de São Paulo 1951 onde derrotou o São Paulo por 3 x 2 e  goleou o  time do Santos por 6 x 2. Com quatro títulos disputados e conquistados, o Palmeiras ia agora em busca da sua quinta coroa… o titulo do Torneio Mundial de Clubes Campeões.

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O campeonato paulista de 51, que teria início em 02 de junho, por determinação da CBD seria paralisado para que o Torneio Mundial de Clubes Campeões fosse disputado…

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Os meses passavam rapidamente, os dias corriam apressados, tagarelas, ansiosos… os torcedores brasileiros sonhavam com o mundial… um rapaz de vinte anos, que no futuro viria a ser o meu pai, e me daria por herança o verde dos meus olhos e o sangue verde que corre em minhas veias, sonhava com o Palmeiras conquistando esse grandioso torneio… sonhava com dribles, com gols de Jair da Rosa Pinto, com defesas do seu grande ídolo, Oberdan Cattani (“ele pegava a bola com uma mão só”, me contaria ele anos depois), sonhava com a faixa de campeão mundial em peitos palestrinos…  sonhavam também os jogadores do Palmeiras, os do Vasco… sonhavam os palmeirenses, os vascaínos… sonhavam todos os brasileiros… já era chegada a hora de preparar a alma pra ser feliz…

(Continua na próxima terça-feira, 04/09)