III – YES, NÓS TEREMOS OUTRA COPA DO MUNDO
“Fisicamente, habitamos um espaço, mas, sentimentalmente, somos habitados por uma memória” – José Saramago
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E todo mundo já sabia, estava nos jornais, haveria uma outra Copa do Mundo no Brasil… (SILVA, Geraldo Romualdo da – “Outra Copa do Mundo no Brasil” – Jornal dos Sports, 05/08/50, pág. 5)
As notícias do Mundial de Clubes Campeões começavam a ganhar (mais) manchetes… e contavam aos leitores sobre os “aplausos dos altos dirigentes da FIFA e das entidades internacionais ao torneio”… Seria “um certame de proporções gigantescas, dentro de um estádio com condições de receber as maiores assistências jamais reunidas em qualquer praça de esportes – como se constatara na Copa do Mundo… um campeonato mundial de clubes com a repercussão autêntica de uma Copa Mundial” (Jornal dos Sports, 21/07/50 – “Parada Mundial de Clubes Campeões”).
.O Mundial de Clubes Campeões ganhava manchetes na Europa também…
Em Setembro de 1950, o jornal londrino “World Sports” noticiava: “WORLD SOCCER CHAMPIONSHIP FOR CLUBS NEXT YEAR” (“Um Campeonato Mundial de Clubes no próximo ano”)… e afirmava: “os brasileiros já discutiram a respeito do projeto com o Sr. Jules Rimet, presidente da FIFA, e com Sir Stanley Rouss, secretário da F.A (Football Association) – Jornal dos Sports, 1950 – edição 06450(1) – “Um campeonato mundial de clubes no Rio no ano próximo vindouro”. (E pensar que mais de 60 anos depois, muita gente – jornalistas, inclusive -, por puro despeito e pequenez, ia querer desmentir isso, desmentir o que noticiou a imprensa da época, ia querer sumir com uma página linda do futebol brasileiro e mundial)
Sim, haveria um campeonato mundial de clubes no ano seguinte, em 1951. E as providências já estavam sendo tomadas…
A diretoria da CBD foi até o Palácio do Catete (na época, o Rio de Janeiro era o Distrito Federal, a capital do Brasil) cientificar o então presidente da república, Getúlio Vargas, sobre a realização em nosso país do Torneio Mundial dos Campeões – Jornal dos Sports, 1950, edição 05067-1. (Era um torneio importante, de grande relevo, por isso que o presidente da república, em audiência especial, precisava ser informado sobre a sua realização)
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Na Europa, Otorino Barassi cuidava de inscrever os clubes que viriam para o torneio. Os contratempos eram muitos e, embora grande número de clubes tivesse interesse em participar – até a Índia mandaria telegrama -, nem todos poderiam vir. A Hungria, por exemplo, estava exilada pela União Soviética do futebol internacional; e a Alemanha Ocidental, naquele ano de 1950, estava banida pela FIFA.
A ideia de mandarem os campeões nacionais dos países europeus para esse primeiro mundial de clubes já não parecia muito viável em alguns casos, uma vez que, enquanto nos trópicos é verão, na Europa é inverno e vice-versa; quando os campeonatos na Europa estavam terminando, os daqui já estavam começando… sem contar que em alguns países, na Áustria, por exemplo, os campeonatos começavam num ano e terminavam no seguinte… seria difícil prever alguns campeões de 1951, os da Itália e da Áustria, por exemplo (os campeonatos paulista e carioca de 51 também estariam apenas começando por ocasião do mundial de clubes), e ainda haviam os problemas todos ocasionados pela guerra, a falta de dinheiro, as prováveis desistências – como acontecera na Copa do Mundo. Barassi, inteligente, sagaz, se preocupava em fazer o torneio de alto nível e, enquanto acompanhava o desenrolar de alguns campeonatos, objetivava mandar ao Brasil os melhores times, os que tivessem os melhores jogadores, os que tivessem jogadores que atuaram bem na Copa do Mundo de 1950, os que tinham encantado os torcedores na ocasião, como, por exemplo, Mitic, da seleção da Iugoslávia, cheia de craques, e que no jogo contra o Brasil, na Copa do mundo que acabara de se realizar, tinha dado dor de cabeça para a torcida brasileira.
No Brasil, em 18 de Setembro de 1950, era inaugurada a PRF3 TV Tupi de São Paulo, a emissora fundada pelo jornalista Assis Chateaubriand. Era a primeira emissora de televisão da América do Sul, a quarta do mundo. Mas os receptores eram bem caros. Ao preço de 12.950 cruzeiros (receptor GE com tela de 12,5 polegadas – 32 cm) mais 1.600 pela antena externa e 1.100 pelo estabilizador de voltagem – mais ou menos 41 salários mínimos no total – , bem poucos aparelhos seriam comprados pelos brasileiros até o final do ano.
O primeiro jogador a aparecer na TV, no dia seguinte à inauguração da TV Tupi, em uma entrevista, foi Baltazar, do Corinthians. As primeiras imagens de uma partida a serem mostradas na TV, dias depois, foram do jogo São Paulo 2 x 0 Portuguesa.
E 27 dias após a inauguração, a TV Tupi mostrou flashes, ao vivo, do jogo Palmeiras 2 x 0 São Paulo, diretamente do Pacaembu. Era um domingo, 15 de Outubro. O ponteiro esquerdo Brandãozinho, autor dos dois gols palmeirenses, foi o primeiro jogador na história do futebol brasileiro a marcar um gol ao vivo, aos 41minutos do segundo tempo. Do primeiro gol, marcado por ele 13 minutos antes, a TV mostrara apenas a comemoração. (GEHRINGER, Max – A grande história dos mundiais. 1950, 1954, 1958) Histórico… o primeiro gol ao vivo da TV brasileira foi um gol do… Palmeiras…
A TV ia ajudar – seria fundamental – a popularizar o futebol como tanto almejava Mario Filho. E se na Copa, ocorrida três meses antes da inauguração da TV, os brasileiros ficaram no radinho, no campeonato mundial de clubes a coisa já seria diferente. E por isso também ele ganhava ainda mais importância.
E porque o torneio tinha muita importância, e porque só dois representantes brasileiros participariam do mundial de clubes, muitos se perguntavam:
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(Jornal dos Sports, 05/12/50)
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…………………………………………………………..(Jornal dos Sports, 06/12/50, pág5)
Muitas pessoas se preocupavam com os outros clubes brasileiros. O que fariam eles durante a disputa do mundial além de assistir e torcer? No final do ano de 1950, ainda se pensava que em São Paulo alguns jogos do campeonato paulista poderiam acontecer em outras localidades, como Campinas, Piracicaba, durante o torneio mundial; no entanto, se estabeleceria depois, os campeonatos paulista e carioca seriam paralisados durante a disputa do mundial de clubes. E, no final das contas, muitos clubes brasileiros fariam amistosos com outros times estrangeiros que estariam no país na ocasião, sem contar que o mundial duraria aproximadamente 22 dias apenas e os outros clubes não seriam prejudicados como ainda pensavam alguns no final daquele ano.
1950 ia chegando ao fim… o início do novo ano já acenava e sorria para o Brasil. E o novo ano traria o Torneio Mundial de Clubes Campeões… E, num tempo em que muita gente pensava que o Rio de Janeiro era a capital da República Argentina, e que nas ruas haviam macacos, cobras e outros bichos ameaçando a vida das pessoas, o futuro Torneio Mundial de Clubes Campeões (Copa Rio de Janeiro) seria uma propaganda maravilhosa para a gente e as coisas do Brasil , como escrevera o francês Albert Laurence – dos periódicos “L’Équipe”, “France Football” (algumas notícias davam conta de que ele fazia parte também da assessoria de imprensa da Fifa) -, na “Crônica Internacional” do Jornal dos Sports naquele início de Dezembro …
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E já se falava que no regulamento do mundial um novo dispositivo seria incluído: cada clube poderia inscrever 22 jogadores, mas só poderia trazer 18 ao Brasil. Os outro quatro ficariam em seus países constituindo uma reserva de emergência (Jornal dos Sports, 12/12/50 – “Inscrições para o Torneio Mundial de Clubes”).
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E logo depois do Natal de 1950, em 28 de Dezembro, o Conselho Técnico da CBD já se reunia e começava a esboçar o regulamento do Torneio Mundial dos Clubes Campeões… (Jornal dos Sports, 28/12/50 – “Notícias da C.B.D” / Correio da Manhã, 30/12/50 – “Nova fórmula para o Torneio de Campeões Mundiais”)
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Mas havia quem temesse que a CBD acabasse apresentando uma regulamentação nos mesmos moldes da que Ottorino Barassi apresentara – como se fosse criação do Conselho Técnico da CBD -, ou ainda que Castelo Branco inventasse um novo regulamento, porque não havia tempo para que se começasse a tratar do assunto de novo; Ottorino Barassi tinha todos os motivos para considerar aprovado o projeto.
Os jornais também diziam que, enquanto em Londres tratavam do Campeonato Mundial de Clubes como o grande acontecimento do futebol do próximo ano, aqui, no Brasil, ninguém tomava providência – a gente sabe, brasileiros são mais sossegadões mesmo (Jornal dos Sports, 29/11/50 – “O papel de Barassi”).
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Todo mundo queria a realização do Mundial de Clubes no Brasil, e as notícias, mesmo quando tratavam de clubes brasileiros em viagem à Europa, sempre davam algum relevo à realização do Campeonato Mundial de Clubes Campeões no ano seguinte (Jornal dos Sports, 14/11/50).
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E as primeiras luzes de 1951 chegariam com o futebol brasileiro vivendo as emoções do Torneio Mundial de Clubes Campeões que se aproximava… Palmeirenses, vascaínos, os brasileiros todos, já respiravam mais forte, já sentiam o coração bater diferente quando pensavam no torneio mundial… e sonhavam acordados com essa conquista…
(Continua no próximo sábado, 01/09)