– Por que aquele jogador de preto não chuta a bola também, pai?
– Impedimento? O que é isso, “Fulano”?
– Por que aquele jogador, que tem roupa diferente, pode por a mão na bola, “Sicrano”?
– O que é pênalti, amor?
Sim, houve um tempo em que quase todas as mulheres não entendiam nada de futebol… e a maioria das que não entendiam, não fazia questão alguma de entender…
Houve um tempo em que pouquíssimas mulheres iam aos estádios assistir às partidas de futebol…
Houve um tempo em o futebol separava homens e mulheres – elas não entendiam a paixão deles por uma coisa tão “sem graça”, não aceitavam ficar em casa pra ele ir a um jogo… e tinham raiva só de ouvir falar em futebol.
Houve um tempo em que mulheres não eram muito levadas a sério quando falavam de futebol…
Houve um tempo em que mulheres foram até proibidas de praticar futebol (e outros esportes), e por um Decreto-Lei, assinado pelo presidente Getúlio Vargas, em 1941…
Futebol… coisa de homens. Um esporte criado por um homem, para ser praticado por homens, discutido por homens, venerado por homens… AHAM!
Os que pensavam assim não sabiam de nada. Não sabiam que, nós, mulheres, invadiríamos o “clube do Bolinha”, e passaríamos a frequentar estádios, mesmo, a gostar de futebol, mesmo, a jogar futebol, a entender de futebol, discutir futebol, a amar futebol…
Foi uma longa caminhada para chegarmos até os dias de hoje.
Nos primórdios do futebol no Brasil, no início do século XX, as mulheres compareciam aos jogos. Iam com seus maridos, pais…. O futebol ainda era uma novidade aqui.
Você sabia que foi por causa das mulheres, por causa da sua presença nos campos e estádios, que surgiu o termo “torcedor”?
Isso mesmo. As mulheres iam aos campos e estádios trajando vestidos, calçando luvas e usando chapéus. Por causa do calor, algumas delas tiravam as luvas e, quando nervosas com o decorrer da partida, torciam-nas. Passaram então a ser designadas como “torcedoras”, e a palavra acabou sendo assimilada pelo vocabulário futebolístico brasileiro.
Era promissor o início com a presença das mulheres nos estádios, com o destaque na maneira como “torciam”, mas, com o decorrer do tempo, passou a ser comum à maioria das mulheres o desinteresse pelo futebol.
As portas do futebol se mantinham semicerradas às mulheres… e eram em número reduzido as que se aventuravam a ir aos estádios e campos de futebol. A mentalidade era mesmo a de que futebol era coisa pra homem.
Pra se ter uma ideia, meus pais tinham uma única filha, e minha mãe não estava muito interessada em uma nova gravidez, mas meu pai, que jogava futebol (era bom), que chegou a ser técnico do time da minha cidade, queria de todo jeito um menino para acompanhá-lo aos estádios, para conversar com ele sobre futebol… Na cabeça dele, minha irmã não servia e só um menino poderia ocupar esse lugar.
E foi assim que cheguei ao mundo… Não veio o menino que ele queria, mas veio a torcedora, que nasceu apaixonada pelo Palmeiras – não me lembro de ter virado palmeirense algum dia, sou palmeirense desde que me conheço por gente.
Provavelmente, meu pai deve ter se desencantado quando soube que mais uma menina tinha nascido, mas ele não esperava que essa filha fosse gostar de futebol tanto quanto ele (se não mais), não esperava ir ao estádio com essa filha, ir à Academia, não esperava as brigas todas por causa do Palmeiras – ai daquele que criticasse o Palmeiras para o outro-, não esperava comemorar títulos com ela (deu tudo certo, pai)…
Palmeiras… não imagino a minha vida sem ele, e sei que muitas outras palestrinas se sentem assim também.
E tenho orgulho de saber que foi o Palmeiras, lá na década de 80, que deu um passo grande para trazer as mulheres para o estádio, para trazer as mulheres ao mundo do futebol. Ele foi o primeiro clube a não cobrar ingressos das mulheres, abrindo-lhes os portões do Palestra (tinha que ser ele o pioneiro), e hoje, como consequência, ele tem as mais belas e mais apaixonadas torcedoras; hoje, ele conta com mais de 15 mil associadas ao Avanti. Não é maravilhoso isso?
Hoje, nós , mulheres, enchemos os estádios, assistimos aos campeonatos, jogamos, treinamos, fazemos comentários sobre futebol, produzimos e divulgamos notícias, escrevemos textos e livros, arbitramos jogos, podemos ser técnicas, jogadoras, assessoras de imprensa, repórteres de campo, jornalistas esportivas, patrocinamos clubes…
Hoje, podemos comprar camisas especialmente feitas pra nós, compramos bandeiras, chapéus, meias, livros, DVDs… e tudo o que se relacionar ao nosso time.
O futebol, pra nós, é liberdade, é o espaço que conquistamos, sem campanhas, sem marchas, sem violência, sem ranço, apenas sendo nós mesmas, apenas fazendo valer a nossa vontade, fazendo valer o que somos e sentimos. Não tem mais essa de mulher pode isso, mulher não pode aquilo. Falamos palavrões no estádio com a mesma propriedade com que retocamos o nosso batom.
O mundo do futebol é nosso também, porque nós quisemos assim, porque nós fizemos assim.
E o futebol ficou tão mais bonito com as mulheres… trouxemos a ele, um esporte tão viril, a nossa sensibilidade, a nossa alegria, a nossa força. Trouxemos aquele “não desistir nunca”… trouxemos amor na mais profunda significação da palavra. E por isso, hoje, mulheres e homens choram juntos de alegria por um gol marcado, por uma defesa milagrosa, por um título conquistado; juntos, choram de tristeza também… e os homens não têm mais vergonha de mostrar o que sentem.
Elas, aprenderam a falar palavrões; eles, aprenderam a mostrar as emoções… e como isso junto ficou bonito!
As mulheres de hoje, as palestrinas especialmente, entendem de futebol, e entendem muito – entendem do que quiserem entender. E são apaixonadas pelo seu time.
Vai dizer pra uma delas, antes de uma partida, que o time delas não vai ganhar. Você vai arranjar uma encrenca e tanto.
Vai discutir futebol com elas, achando que elas não entendem nada do assunto. Você certamente vai encontrar quem discuta, escalação, substituição e esquema tático com muita competência…
Hoje, elas sabem direitinho porque o homem de preto não chuta a bola, sabem se foi mesmo impedimento, se foi pênalti… e ai do juiz se não apitar direito.
Hoje, o futebol não é mais “coisa de homens”… hoje, é tudo junto e misturado – a palestrina já sabe disso desde criancinha.
Hoje, elas continuam sendo mães, amigas, filhas, namoradas, esposas, companheiras, profissionais… continuam sendo o que quiserem ser… e já cantam, vibram, choram e morrem de amor pelo seu clube de coração.
E tudo isso, de batom, unhas feitas, e sem perder o charme…
Feliz Dia Internacional das Mulheres todos os dias, suas lindas!
Vocês são show de bola e escolheram o melhor time do mundo – e eu também!