“Penso que não cegamos, penso que estamos cegos, cegos que vêem. Cegos que, vendo, não vêem” – José Saramago
A gente bem que avisou… sem “parmera”, seleção brasileira nenhuma ganha título…
Eu nunca fui favorável à realização de uma Copa do Mundo no Brasil. Por mais divertida e bem sucedida que ela pudesse ser, eu sabia que isso ia custar os olhos da cara… do povo! E custou, muitos bilhões!! Para um país que tem tantas necessidades pra ontem, não dá para achar legal gastar essa grana toda com diversão, esquecendo, entre outras coisas, a Saúde e a Educação. É o mesmo que você torrar seu salário na gandaia e ficar sem luz e água em casa, sem comida…
E, pra piorar, superfaturaram tudo, nem todas as obras ficaram 100% prontas, muitas delas, de mobilidade urbana, acabaram sendo esquecidas… teve gente que ameaçou com o #NãoVaiTerCopa, a polícia sentou a borracha nos descontentes, e teve Copa sim.
Mas é futebol, a alegria dos brasileiros! E foi esse o ‘espelhinho’ com que cegaram boa parte do povo, com que tiraram a atenção dele do que era realmente importante para o país, espelho com o qual fizeram as pessoas só enxergarem a seleção e até acreditarem que ela podia ganhar a Copa.
E aquela parte da população que é patriota apenas de quatro em quatro anos, que confunde patriotismo com torcer pela seleção – e não percebe que a seleção é da CBF, da emissora de TV e da patrocinadora, menos do povo -, ficou encantada com a chegada das seleções, com os jogos, os turistas, e, induzida e manipulada, passou a pensar que a prioridade para o Brasil era ganhar o “équiça”, esquecendo da conta que vamos ter que pagar durante um bom tempo, e de quão mais difíceis as coisas ficarão por aqui depois da Copa, e por causa da Copa.
“Pão e Circo” pra ninguém botar defeito, mesmo que o pão não esteja tão acessível, já que a inflação está aí, de volta. Era esse mesmo o interesse dos governantes, o de fazer com que a população esqueça o que não tem, não se dê conta do que lhe foi tirado, e, temporariamente feliz, vote de novo nos mesmos que torraram a sua grana – mal sabiam todos quão doloroso seria o “despertar do transe”…
E embora a maioria da população não tivesse acesso aos estádios e jogos (sim, fizeram a Copa para a elite, para os que podiam pagar, e o povão… ficou de fora), os brasileiros, loucos por futebol, esqueceram todo o resto e acabaram seduzidos pela presença dos maiores e mais badalados jogadores do planeta, e dos muitos torcedores que vieram atrás deles.
Messi, Cristiano Ronaldo, Schweinsteiger, Piquet, Casillas, Aguero, Pirlo, Balotelli, Klose, Neuer, Buffon, Rooney, Benzema, Alexis Sanches, Vidal, Valdivia, Campbel, James, Ochoa, Eto’o, Drogba, Robben, Van Persie, Sjneider, Daniel Alves, David Luiz, Neymar (um ótimo jogador, que a imprensa esportiva do Brasil faz questão de colocar ao nível de um extraterrestre)…
A primeira fase foi deliciosa. Altas doses de futebol na veia, duas vezes por dia – até três vezes, em algumas ocasiões -, para ficarmos felizes da vida. As prostitutas, que ganharam cursos de inglês do governo, reclamavam que os negócios iam mal, mas o povo estava enlouquecido com tanto futebol. Sem contar a interação dos povos, e as imagens, inúmeras e memoráveis, de momentos que nunca passaram por nossa imaginação antes… E os destaques começaram a surgir… Robben, Neymar, Neuer, Uchoa, Pirlo, Benzema, James, Howard…
E porque alguns dos bichos papões do futebol mundial não mostraram muita bala na agulha – o Brasil, inclusive -,e porque as seleções consideradas coadjuvantes trouxeram um futebol melhor do que o esperado, os jogos foram ainda mais disputados. E os que mais brilharam foram os goleiros. Mesmo sem muitos gols o torcedor se maravilhou e surpreendeu com a Argélia, com a Nigéria, com a Costa Rica (que atrapalhou a vida da Itália); encantado, viu a Colômbia jogar um futebol lindo e alegre; viu um México com futebol de gente grande; viu o Chile fazer bonito, despachar a Espanha e dar um trabalhão na fase seguinte para a temida, e pentacampeã mundial, seleção brasileira – com chance até de matar o jogo no finalzinho da prorrogação; viu a Espanha levar uma surra da Holanda; viu Portugal, do melhor do mundo, dar adeus à Copa na primeira fase, enquanto os Estados Unidos ficavam com uma das vagas no grupo…
Mas algumas arbitragens, horrorosas, acabaram decidindo alguns jogos e até mesmo a posição no grupo em que algumas seleções se classificaram, o Brasil em primeiro no grupo A, por exemplo. Uma Copa do Mundo no Brasil e com cara de campeonato Brasileiro. Faltas violentas sem punição; outras, menos violentas que resultaram em expulsão; pênaltis legítimos não marcados, e outros, inexistentes, assinalados; gols legítimos anulados (só o México, teve dois numa mesma partida). Uma absurda falta de critério.
E assim vimos, numa mesma partida, um italiano ser rigorosamente expulso, e um uruguaio, que mordeu seu adversário, continuar em campo; vimos um nigeriano ter a pena quebrada, em dois lugares, e o francês que o agrediu não ser expulso… Vimos o Brasil, como o time mais faltoso na fase de “mata-mata”… vimos o Neymar levar uma joelhada desleal nas costas (igual às que Valdivia, no Palmeiras, já levou do Alex Silva, do Jorge Wagner, do Sandro Goiano, e que a imprensa no Brasil achou normal), sofrer uma fratura, ter que se despedir da sua primeira Copa do Mundo, no seu país, e o seu agressor continuar em campo (vimos também o Neymar dar uma cotovelada num croata e continuar no jogo)…
E quanto mais as disputas se acirravam, mais iludidos ficavam os torcedores. A imprensa, promovendo a Copa e a seleção a qualquer custo, obscurecendo as notícias negativas e iluminando qualquer coisa positiva, fazia de conta que não via as deficiências e o fraco futebol que o Brasil apresentava, e, parecendo subestimar o poderio de outras seleções promovia um “oba-oba” contínuo, vendendo confiança e otimismo. Jogadores brasileiros iam sendo alçados à condição de heróis… heróis que, implicitamente, conquistariam o tão sonhado “équiça”…
Brasil na semifinal… #ÉTois! Notícias sobre Neymar fora da Copa pipocavam a cada cinco minutos nas TVs e rádios, gerando uma comoção, proposital e exagerada, para que o povo abraçasse a seleção, para que a audiência dos programas todos da TV – que só falavam do Neymar – tivesse seus índices elevados. Ninguém mais queria saber do dinheiro público indecentemente gasto pelo governo para fazer essa Copa, e nem questionava a vergonhosa doação do Itaquerão, cheio de goteiras, diga-se de passagem.
Esqueceram também da Alemanha… que teve um único dia de folga, que estava trabalhando sério, há anos, para chegar à uma final e tentar ser campeã do mundo. Alemanha, que construiu o seu CT no Brasil, e que não veio aqui para brincar. E enquanto a Alemanha fazia uso de um estudo acadêmico para enfrentar o Brasil, e treinava forte e sério para o confronto, no lado brasileiro se fazia treinos regenerativos e de precaução… Felipão mandou chamar Edílson e Vampeta para motivar o time. Falar o quê disso?
E a tragédia, que estava anunciada desde o princípio… mascarada com uma vitória diante de Camarões (que perdeu de todo mundo), com a vaga diante do Chile (que jogou mais que a seleção brasileira), e com a vaga diante da Colômbia (o jogo mais faltoso da Copa, cujo maior número de faltas foi do Brasil) tomou forma da maneira mais cruel: OBA-OBA 1 x 7 FUTEBOL, em plena semifinal (4 gols alemães aconteceram em 6 minutos!!) fora o baile tático. Nunca antes na história deste país uma seleção brasileira tinha sido tão humilhada…
E então, o torcedor, que foi catequizado pela mídia para acreditar no hexa, acordou, na marra, e viu que seu “espelhinho” tão valioso era vidro e mais nada, e teve que encarar a realidade da sua fraca e mal preparada seleção… as notícias sobre Neymar sumiram, ninguém estava mais preocupado com ele, ou rezando por ele… a imprensinha, que vendia confiança, ficou sem saber o que dizer e começou a caça às bruxas…
A Globo, que vendia a ideia de um Brasil campeão, praticamente já abandonou a cobertura da seleção que ainda disputará o terceiro lugar com a Holanda… na sua coletiva à imprensa, a comissão técnica do Brasil esbanjou arrogância, soberba e falta de humildade, e, enquanto Felipão ‘provava’ que fez tudo certo (Oi?) Parreira tinha a cara de pau de aparecer com uma carta de uma tal “Dona Lúcia”, que praticamente inocentava os responsáveis por um trabalho tão mal feito e mal planejado e culpava um “acidente” pela vergonhosa desclassificação da seleção brasileira… Patético!! E pensar que há milhões de “Donas Lúcias” espalhadas pelo país; pessoas ingênuas, que acreditam em qualquer coisa, menos no que está escancarado diante delas…
Ninguém aprendeu nada… Ninguém percebeu como é que a Alemanha se preparou, se planejou, de maneira séria, e virou essa potência futebolística, que hoje vê o Brasil pelo retrovisor… e que dá de 70 x 0 no Brasil em Saúde, Educação e Desenvolvimento também.
E ninguém se deu conta que, além da falta de tática, humilhação maior que os 7 x 1 foi a Alemanha ter sentido dó, ter ficado constrangida com a fragilidade da seleção, e ter ‘tirado o pé’… para não enfiar uma dúzia de gols no Brasil…
E, sem aprender, vamos continuar trocando de técnicos – deveríamos primeiro trocar os dirigentes -, esquecendo de cuidar dos clubes, das divisões de base, dos campeonatos, da distribuição de dinheiro (aqui, as cotas de TV que favorecem dois ou três times, com números de audiência inventados, é indecente), da formação de jogadores (onde estão os bons meias deste país? O melhor é o Valdivia, mas ele é chileno) e técnicos (os nossos, moram na filosofia dos anos 70)…
E vamos continuar sem Saúde e Educação, achando que o futebol é a coisa mais importante para o Brasil. Que ser patriota é pintar a cara de verde e amarelo de 4 em 4 anos e cantar: “Ah, eu sou brasileiroooo, com muito orgulho… (e abandonar o estádio e a seleção, ainda no primeiro tempo); achando que os responsáveis por um país tão atrasado, pelo futebol, que hoje é capenga, são vítimas, que tudo de ruim que nos acontece é apenas um acidente.
E, sentadinhos no sofá, veremos a final entre a Argentina e a Alemanha, crentes que, na próxima, se nenhum acidente nos acontecer, o “équiça” será nosso. Não é mesmo, Dona Lúcia?