Ela olhava as mulheres na clínica… algumas, com barrigas imensas; outras, nem tanto; havia as que mal tinham barriga. A enfermeira ia perguntando para cada uma: Quantos meses? As respostas variavam: 9 meses, 2 meses, 7, 5… Ela olhava para marido com aquela cara de “e se ela perguntar pra mim?”. Nem sabia se estava grávida mesmo. Não havia feito nem o exame, o seu médico, que voltara de férias só no dia anterior, achara melhor que fizesse uma ultrassonografia direto. E ela dizia para o marido: Espero que a enfermeira não me pergunte nada.
Ela não tinha barriga nenhuma, a cintura ainda era bem fina, mas os seios… estavam enormes e doíam muito à noite,
ao deitar, tanto que ela mesma anunciara ao médico na consulta:
– Dr. Luiz Augusto, estou grávida!
– E como você sabe? – disse ele, rindo.
– Olha o tamanho dos meus seios!
O médico concordara que realmente tudo indicava que ela estivesse grávida, mas a confirmação mesmo só com o exame.
Quando chegou a sua vez, ela entrou sozinha. Nem levou o marido junto, vai que a médica dissesse: O que você está fazendo
aqui, se nem grávida está? hahahaha Na verdade, só era estranho acreditar, mas, no fundo, ela sabia… desde o dia em que tivera que correr para o banheiro com um enjoo repentino e, quando chegou lá, não tinha nada pra vomitar…
Ela sabia, ela sentia… mas passar da condição de apenas filha para a condição de grávida, de mãe, era meio inquietante…
A médica ia passando o aparelho na sua barriga e olhando as imagens que apareciam num monitor… ela, curiosíssima, mas dando pinta de relax, prestava atenção nas imagens e na conversa entre a médica e a enfermeira, que ia anotando algumas coisas… De repente, a médica diz: o coração está normal…
– Coração??? Você está ouvindo o coração???? – perguntou ela, de olhos arregalados, mas querendo parecer tranquila.
– Sim, mas você ainda não pode ouvir. – disse a médica, parecendo meio antipática.
– Tudo bem… não tem problema.
E o marido lá fora, sem saber que tinha um coração mesmo batendo dentro da barriga dela! Ela estava grávida mesmo! Que coisa! G R Á V I D A!! Ia ser mãe… Ficava imaginando a cara dele quando ela contasse… Imaginava a cara dos seus pais, da sogra, que cobrava tanto esse filho, do sogro, que queria ser avó mesmo antes do casamento, que já durava três anos…
A médica continuava:
– Vai completar 8 semanas de gestação… o tamanho é de 14 mm… está tudo bem…
(Oito semanas?? E onde está minha barriga? Ainda bem que não tenho ainda… Fiquei grávida em Cabo Frio! No Natal ou
Raveillon… Meu Deus! Tem 14 mm? E já tem coraçãozinho batendo?)
Embora a gravidez tivesse sido planejada, desejada; embora ela nunca tivesse tido aquela necessidade de ser mãe, como
muitas muheres têm, assim, do nada, essa gravidez fora pensada, planejada, mas a notícia não deixava neurônio sobre
neurônio… O cérebro dela tinha um movimento frenético. O mundo abrira uma nova porta pra ela, de um “lugar”
totalmente desconhecido… e ela já tinha entrado.
Quando saiu da consulta, com aquela cara de poderosa que as grávidas têm, o marido, com um ponto de interrogação
imenso no rosto, arriscou, meio tímido (ele também tinha dúvidas. Um exame de farmácia,
feito semanas antes, ficara no meio-a-meio):
– E aí?
– Você nem imagina… a médica já ouviu o coração!!! Você vai ser pai!
Ele ficou vermelho, emocionado e abriu um sorrisão:
– Tem nenê mesmo? Tem um bebezinho nosso aí?
– TEM!!!
E os dois se abraçaram, se beijaram… saíram dali e, a cada vez que se olhavam, sabiam que eram cúmplices de um segredo – que contariam pra todo mundo -, cúmplices de um feito inimaginável… na lanchonete onde foram comer, olhavam um pra cara do outro e riam…
Ela lembrava disso tudo, agora, na sala de cirurgia… lembrava de como a gravidez fora maravilhosa (tirando uma dor nas mãos, nos últimos três meses, que a impedia de segurar qualquer coisa, e o sacrifício de se recusar a tomar qualquer remédio pra isso, por causa do bebê, do qual, na época, ela não sabia o sexo).
Dr.Luiz Augusto ficava sempre feliz com as suas consultas: Que maravilha, você só vem aqui para medir a barriga, brincava ele.
O médico já tinha lhe dito para sempre usar o bom-senso em tudo, que, assim, ela sempre saberia o melhor a fazer.
Mas ela arriscara:
– Posso ir no estádio, Dr. Luiz Augusto?
– No estádio? Pode!
– Na arquibancada?
– Pode!
– Na Mancha Verde?
– Mancha Verde? Bem, gosto não se discute – ele torcia para outro time e brincava com ela -, mas pode!. Não faça nenhum esforço exagerado. Vida normal e bom-senso.
As luzes na sala de cirurgia eram fortes… Ela estava sendo preparada – não tivera dilatação suficiente e só dois
dias antes ficara sabendo que não seria parto normal, para o qual havia sido preparada desde o começo, seria cesariana.
Estava meio nervosa, tentando imaginar como seria… as enfermeiras – quanta gente entrava e saía – conversavam com
ela: Tá com medo, mãe? Ela respondia: Um pouquinho só.
Chegou o anestesista, chegou o Dr. Luiz Augusto… ela confiava tanto nele que fizera questão de ter a sua fiha com ele…
Sim, era uma menina… E ela lembrava do acordo com o marido para não saberem o sexo, acordo que, na última ultrassonografia
ele quebrou… e quis saber… ele, era louco por uma menina; ela, achava que seria menino… a barriga era “de menino” (todo mundo dizia), ela engordara só 9,5 kg, seu rosto não inchara… era menino… e teria o nome de seu ídolo amado: Edmundo…
E ela recordava o dia em que, passeando com seu cachorro, encontrara duas garotinhas que vinham da escola, ao passarem por ela, uma das garotinhas parara na sua frente, a olhara nos olhos e sorrira… Ela ficou toda arrepiada e soube na hora, iria ter uma menina!
Ali, na sala de cirurgia, ela lembrava da última ultrassonografia:
– Já sabem o sexo?
– Não.
– Não??? Querem saber?
– Queremos…
– É uma meniiiiiiina!
O marido quase morre de alegria e de emoção e se segurava pra não chorar ali…
Isabella… sim, ela também já tinha escolhido o nome de sua menina há tempos…
O médico fez um último exame de toque (doído) pra ter certeza que seria cesária mesmo, porque ela tinha tido contrações na véspera (bem doloridas, de 10 em 10 minutos). Ela foi anestesiada, e o anestesista, que se posicionara atrás da sua cabeça, conversava com ela o tempo todo… Ela pediu para colocarem um pano na frente, porque não queria ver bisturis e coisas assim… depois de algum tempo, a anestesia tivera efeito total… a cesariana ia começar…
Sem ver os procedimentos, eram só as luzes do teto, e vozes, ruídos e sensações… do líquido gelado que o médico passava em sua barriga, por exemplo… e ela esperava pelo frio da lâmina que a cortaria. Isso a deixava tensa…
Sentia como se o médico passasse as mãos em sua barriga, de maneira um pouco forte, e ela imaginava que ele estaria escolhendo onde cortar… ela estava tensa e ansiosa com esse “corte” e com tanta coisa, desconhecida pra ela, que estava por acontecer…
As mãos do médico pareciam passar com mais força ainda em sua barriga, como se ele estivesse, pelo tato, vendo a posição do bebê… era bastante incômodo, muito incômodo, uma sensação esquisita… ela esperava o “corte”…
– Está sentindo um desconforto maior agora? – perguntou o anestesista.
– Sim, estou.
– Tá muito ruim?
– Tá, um pouco…
E nada do médico cortar…
Ela ouviu, então, um choro, rouquinho… e pensou que algum bebê tinha nascido numa sala de cirurgia ao lado e que logo seria a sua vez…
– Viu que linda a sua filha? – perguntou o anestesista?
– Minha filha? Como assim???? Minha filha nasceu?
– Você não viu? Olha pra trás…
Ela olhou e viu… Isabella! Estava ali, era real! Linda! Batia os braços, “brigava”, mesmo, com as enfermeiras pelos procedimentos a que era submetida. Tadinha… Com tanta energia e disposição, não foi a toa que suas notas do teste de Apgar foram 9, 9,5 e 10.
Ela, a mãe, sem chorar, estarrecida com a grandeza daquele momento e com a rapidez com que tudo acontecera (as mãos que imaginara fora da sua barriga, estavam dentro dela, soltando o bebê), olhou pro anestesista e disse: Não consigo acreditar que aquela menininha saiu da minha barriga! Ele sorriu e lhe respondeu que, mesmo vendo isso todos os dias, também nunca conseguia acreditar…
Mágico, surreal, um contato direto com tudo que é divino… Ela estava encantada, maravilhada…a filha, que ela tanto imaginara durante 9 meses… estava ali… linda… parecendo porcelana (de tão branca era quase transparente), e o som daquele primeiro choro, daquela voz rouquinha, ia ficar guardado pra sempre em sua memória.
Ela ficou tensa à toa, teve medo à toa… não sentiu dor, não sentiu nada… e em menos de 10 minutos, seu bebê já tinha nascido… uma menina linda, saudável, perfeita. Que coisa fantástica! Sim, existia um Deus, e ele a amava, ela tinha certeza disso agora.
Os braços dela estavam amarrados quando trouxeram sua menina… a colocaram sobre o seu peito, muito perto do seu rosto… sua menina chorava naquele mundo estranho fora do aconchego da sua barriga. As mãozinhas pareciam azuis e os pés, estavam meio arroxeados, porque estiveram no meio das suas costelas, as empurrando, por um bom tempo…
– Então, era você que ficava chutando a minha barriga? – ela disse, enchendo aquele rostinho lindo de beijos (não tinha cara de joelho, não. Já parecia o pai a danadinha) -, seja muito bem vinda, minha filha. Seu nome é Isabella. A mamãe e o papai estão muito felizes porque você chegou. Você foi muito desejada e nós amamos muito você.
Isabella parecia prestar atenção e parou de chorar tão logo ouviu a voz da mãe… A mãe – encantada em seu novo mundo – não podia tocá-la, só beijá-la. E eles a levaram embora para o banho e o berçário.
Então, ela se sentiu a mulher mais maravilhosa do mundo, a mais poderosa… como devia ter se sentido Da Vinci quando pintou a Monalisa… ou, quem sabe, Moisés, quando abriu o Mar Vermelho… a sua obra prima, a mais maravilhosa obra prima que um ser humano pode produzir tinha ido para o berçrio, e ia conhecer o papai…
Quando ela subiu para o quarto – depois de ter sido aconselhada a não falar muito -, seus pais estavam lá, felizes, orgulhosos… e, na TV, o Palmeiras jogava e vencia (os seus pais não perderiam um jogo do Parmera por nada)…
Imagina se ela, que vivia a mais maravilhosa experiência da sua vida, que se sentia fantástica, não ia falar muito, pelos cotovelos, imagina se ela não ia assistir o Palmeiras com os pais e o marido, antes de cair no sono… imagina se ela não se sentia capaz de qualquer coisa, por mais extraordinária que fosse… ela era a dona do mundo agora.
E quando ela olhou a sua mãe ali… ela entendeu… tudo o que até então não tinha entendido…
Hoje, passado tantos anos… ela conhece os caminhos que sua mãe trilhou… ela conhece os medos, as dores, as incertezas… ela sabe o peso que tem cada palavra dita… ela conhece o esforço de virarmos coadjuvantes para que brilhe a nossa atriz principal, nosso(s) ator(es) principal(is)… ela sabe o quanto dói nela qualquer lágrima da filha… ela sabe o quanto se doou para que a sua criança crescesse feliz, tranquila e bem ajustada… ela sabe, ela compreende… e ela faria tudo outra vez.
Obrigada, minha mãe! Por todas as coisas, pela vida que me deu, e pela que você dedicou a mim, por ter me amamentado tanto tempo, por ter me ajudado sempre que precisei, por ter deixado, de verdade, aquele último pedaço de bolo pra mim; por ter ficado sem dormir, sem comer algumas vezes (por falta de tempo); por ter se resignado quando a errada era eu (eu não sabia, não entendia), por arrumar meu cabelo sempre tão bonito pra eu ir pra escola, por me esperar chegar, sempre que eu saía; por viver cantando em casa, por me ajudar as fazer as lições de casa, pelos trabalhos maravilhosos em cartolina que eu fazia com a sua ajuda, e só porque tinha a sua ajuda; pelos bolinhos de “rabinho” (de chuva), por ter feito o melhor que você podia, pelos conselhos, pelos cuidados, pelos remédios… pela paciência, por ter me dado a sua vida, o seu tempo… literalmente.
Perdoa o meu egoísmo de algumas vezes, os meus caprichos… eu simplesmente não entendia. Eu sempre quis tanto aprender as coisas sozinha, mas, só depois eu vi, eu já sabia tudo porque aprendi com seu exemplo…
Parabéns, minha mãe! Hoje, somos três… três Mulheres-Maravilha.
Parabéns a todas as mães, mulheres-maravilha, donas do segredo mais fantástico do universo!
Maravilhosa cronica! Por coincidência, essa história se repete, quase toda igual, na minha familia. MInha filha acaba de dar à luz uma menina. Esperava parto normal e, de ultima hora foi cezariana. Mais palmeirense do que eu, ela está muito feliz e claro, nós todos também. Então, só me resta agradecê-la, Tania, por ter o dom de combinar palavras tão belas, pertinentes e verdadeiras. As mães da minha familia, agradecem!
Obrigada, Luiz Antonio.
Um dia antes do Dia das Mães, acordei com essa crônica sendo escrita na minha cabeça. Então, resolvi escrevê-la aqui.
Parabéns a você, à sua filha e à toda família pela garotinha que acaba de chegar ao mundo. E sorte nossa – dela também – que é mais uma parmerinha. Que Deus abençoe.
Um abraço