Há dois dias, lemos a notícia sobre o resultado da biópsia feita em Valdívia. Os jornais estamparam a manchete: “Médicos descobrem que Valdivia não tem musculatura de atleta”. Como assim? Que peso tem uma afirmação como essa, não é mesmo? Disseram ainda que a biópsia mostrou que o meia tem um tipo de fibra muscular  conhecida como 2b, que não é apropriado para pessoas que praticam atividades físicas intensas (isso já bem é diferente de “não tem musculatura de atleta”, não é verdade?). Um atleta tem uma predominância do tipo fibra 1 (aeróbica). O Valdivia é forte e seus músculos são do tipo 2 (anaeróbica)” dizia a notícia.

E nós ficamos nos perguntando, será que é mesmo assim? Será que alguém com a musculatura formada por uma quantidade maior de fibras do tipo 2b (e não músculos do tipo 2, como diz a notícia. Até eu sei que existem outros tipos de fibra num músculo) não pode ser atleta? Achei estranho esse “veredito”, porque, sendo assim, quantos outros atletas não deveriam estar na mesma situação, já que a causa é genética, não é mesmo? E se isso acontecesse dessa maneira, deveria ser de praxe nos clubes, fazerem exames desse tipo na garotada que está começando a carreira, assim saberiam se os garotos têm a musculatura ideal e, caso não tenham, se poderiam trabalhá-la em proveito do futebol, não é verdade? Além disso, me perguntei aqui, como é que, em 2008, com a mesma musculatura, as tais fibras 2b não atrapalharam em nada, e ele jogava de boa? Também achei estranho que, perguntados sobre isso, os médicos não tivessem uma resposta convincente. Vai ver que em 2008, a formação tática e o posicionamento em campo, o tipo de treinamento que recebia, favoreciam a formação muscular de Valdivia e o seu bom desempenho. Sei lá… Felipão e o Dr. Anselmo Sbragia afirmam que o jogador tem feito de tudo para se recuperar… Conversando com outros torcedores, percebi que, assim como eu, muitos deles ficaram cheios de questionamentos em relação ao assunto…

Fui bailarina, tive distensões várias e até mesmo uma séria ruptura muscular, que me fez visitar um sem número de médicos e fisioterapeutas durante três anos, e, mesmo assim, não entendo nadinha sobre isso. Mas, ainda que eu seja leiga, fiquei curiosa e intrigada a respeito… Não estou escrevendo para questionar o laudo, aliás, não poderia nem se quisesse, porque não tenho um pingo de competência para isso. Mas questionei o que li por aí, (mas quero salientar que achei a declaração do médico do Palmeiras, no dia de hoje (1/05), tão “deixa eu tirar o meu da reta”, quando deveria ser apenas esclarecedora), e fiquei com vontade de saber um pouco mais sobre o assunto. Então, como deve ser, quando se quer tentar entender algo que ninguém explica, quando se quer falar a respeito, fui me informar. Consultei um monte de fontes diferentes e vejamos o que encontrei, vejamos se consegui juntar as informações de maneira correta e satisfatória:

“Cada parte do nosso organismo tem a sua particularidade com a sua função específica para o desempenho perfeito do conjunto. Os músculos estão presentes no corpo inteiro fazendo a ligação do sistema nervoso com os ossos para assim capacitar os seres humanos nos movimentos. A atividade física somente pode ser conseguida por meio da força muscular e nosso esqueleto de pouco serviria se não fosse acionado pela musculatura que o envolve. A célula muscular obedece a chamada lei do tudo ou nada, ou seja, ou está completamente contraída ou está totalmente relaxada. (Moral da história: Precisamos usar os músculos o tempo todo, seja para correr ou para piscar um olho. Todos os nossos movimentos dependem do funcionamento muscular.) 

E, como qualquer outra parte do corpo, se não levarmos a sério a funcionalidade dessas cartilagens e tecidos musculares é possível nos deparararmos com lesões ou inflamações de variados níveis. (Os jogadores do Palmeiras que o digam, o DM tá sempre cheio de gente)

São diversos os mecanismos que propiciam as lesões musculares, seja por trauma direto, laceração ou isquemia (falta de fluxo sanguíneo adequado). As principais causas de lesão são o treinamento físico inadequado, a retração muscular acentuada, desidratação, nutrição inadequada e a temperatura ambiente desfavorável (Achei essa informação interessante porque nós torcedores, parecemos sempre ter dúvidas quanto às causas de lesões, e sempre responsabilizamos os atletas quando se machucam).

O músculo esquelético (chamamos assim aos músculos fixados ao esqueleto) é um tecido maleável capaz de alterar o tipo e montante de proteína em resposta ao rompimento do equilíbrio mantido pelos processos fisiológicos -mecanismos internos de regulação- de modo a proporcionar às células um meio interno constante. Complicado isso, né? Mas não precisamos entender tudo, não vamos tratar ninguém! O processo de adaptação induzido pelo exercício físico ou pelo desuso envolve uma série de mecanismos celulares e moleculares que culminam em modificação do seu desempenho funcional (Taí uma coisa que nos interessa, e que parece mais fácil de entender! Os músculos podem ser trabalhados/exercitados para que se obtenha o desempenho desejado. E isso, penso eu, é tarefa dos profissionais da área médica e da preparação física dos clubes).

A capacidade de adaptação muscular está relacionada às características contráteis (de propiciar a contração muscular) de seus diferentes tipos de fibras e à capacidade genética. Cada músculo é constituído por fibras musculares de dois tipos principais: as de contração rápida, que facilitam a execução dos movimentos explosivos – tipo 2, e as de contração lenta, úteis nas atividades de resistência – tipo 1 (existem os dois tipos de fibras nos músculos, e em todas as pessoas é assim.  E existem músculos com mais fibras do tipo 2, ou com mais fibras do tipo 1). No músculo esquelético adulto encontramos pelo menos quatro tipos específicos delas: lento-tipo 1 (fibras de contração lenta, baixa produção de força, resistência à fadiga e metabolismo oxidativo), rápido tipo 2a (possuem rápida velocidade de contração ou encurtamento, moderada produção de força, relativa resistência à fadiga devido às vias aeróbias e anaeróbias), rápido tipo 2b – as que dizem que o Mago possui em maior quantidade – (possuem rápida velocidade de contração, alta produção de força, sensibilidade à fadiga e metabolismo anaeróbio, ou seja, produz energia sem a utilização de oxigênio) e rápido tipo 2c (São mais raras e, segundo McArdle, podem participar da reinervação ou da transformação das unidades motoras). Algumas pessoas têm mais fibras lentas que rápidas. Em outras, ocorre o contrário.

Um exemplo nos faz entender melhor essa história de fibras rápidas e lentas. Em aves, há músculos com forte predomínio de um dos tipos de fibra, o que é relacionado à função. Por exemplo, a carne do peito de algumas aves é branca porque tem grande predomínio de fibras do tipo 2. Esta musculatura é usada para bater as asas, um movimento rápido e de duração curta. Já a carne das coxas e sobrecoxas é vermelha porque aí predominam fibras do tipo 1. Esta musculatura tem função postural, é usada para manter a ave em pé, portanto exige contração durante períodos prolongados.

Em seres humanos, essas diferenças musculares podem indicar certa predisposição para realizarmos certos exercícios ou nos sobressairmos em um dado esporte:  pessoas com mais fibras rápidas (as do tipo 2) se destacam nas provas de salto e nas corridas de 100m, por exemplo, ao passo que os mais ricos em fibras lentas (as do tipo 1) tendem a vencer as maratonas.  Outro exemplo: numa pessoa normal, a proporção média entre fibras rápidas e lentas no quadríceps (músculo da parte anterior da coxa) é de 55 para 45%; num corredor de maratona, de 18 para 82%; num velocista ou saltador, de 63 para 37%. (Embora um velocista tenha muito mais fibras do tipo 2 do que um maratonista, tanto um quanto o outro são atletas. Ou alguém vai me dizer que Usain Bolt, por exemplo, não tem musculatura de atleta apenas pelo fato de possuir mais fibras rápidas em seus músculos? O que acontece é que as potencialidades musculares de uns e outros são diferentes. Então, não há nada errado com quem possui músculos que propiciam ter mais velocidade, como é o caso de Valdivia. Estamos cansados de ver essas diferenças pelos campos de futebol deste país. Ou estou enganada?)

Se compararmos os atletas do nosso exemplo, veremos que o corredor de 100m percorre uma curta distância e muito rápido, o corredor de maratona corre mais lento e por várias horas (Não há dúvidas que, em ambos os casos, o indivíduo pode, sim, ser um atleta. Se necessário, sua musculatura será desenvolvida, trabalhada, para esse fim e alguns serão mais velozes – talvez, e isso é só um “chute” meu, seja esse o motivo de dribles mais fáceis, de movimentos rápidos e imprevisíveis -; outros, serão mais resistentes, apenas isso)

Mas, e no futebol? Sabemos que existem muitas outras modalidades esportivas e que elas têm características diferentes no que se refere à solicitação motora. Se, na corrida e na maratona essas diferenças são fáceis de se perceber, em  outras modalidades como o futebol (que nos interessa), o tênis, o vôlei entre outros, elas são difíceis de se notar e até de se definir. São esportes rápidos? A princípio sim. Entretanto, o nível de competitividade e a especialização a que chegaram, inclusive durando horas uma grande decisão de prova, como ocorre no vôlei e no tênis, levaram os especialistas a repensarem e a buscarem respostas. As fibras musculares poderiam transformar suas características?  Ou seja, um maratonista pode se transformar num velocista e vice e versa? As pesquisas até agora dão conta que não é possível uma fibra vermelha (lenta), como num passe de mágica, virar branca (rápida) mas, é muito mais ‘fácil’ que um velocista (com fibras rápidas como é o caso do Valdivia) se transforme num maratonista do que o contrário. E é importante sabermos também que as fibras musculares são extremamente plásticas e, embora o tipo de distribuição da fibra (mais do tipo 1 ou mais do tipo 2, por exemplo) seja geneticamente determinado e não facilmente alterado, um programa de treinamento adequado terá um efeito maior no potencial do músculo, independentemente dos tipos de fibras presentes.

Deve ser por isso que os atletas acabam adquirindo o “físico” típico da modalidade que praticam, acabam desenvolvendo a musculatura de acordo com as exigências dessas modalidade… nadadores com músculos de nadadores, corredores com músculos de corredores, jogadores  com músculos de jogadores… Suas musculaturas são trabalhadas, exercitadas, para que funcionem adequadamente dentro das exigências da modalidade esportiva em que esses atletas atuam.  Imagino que se isso não acontecer da maneira adequada, muitos problemas poderão aparecer. E aí, nos lembramos que Valdivia (cuja genética, que não pode ser mudada, é a mesma de 2008) está há quase dois anos no Palmeiras e já deveria estar sendo trabalhado da maneira mais adequada à sua constituição muscular.  E não só ele, é óbvio. Todos os atletas! E cada um de acordo com a potencialidade e características de suas musculaturas, em proveito do time e também para que se evitem lesões desnecessárias…

Parece simples, mas não é… Parece complicado, e também não é… Basta um pouco de boa vontade e a gente querer entender…

Hoje, 02/05/2012, contradizendo a informação de que Valdivia não tem musculatura de atleta (informação essa que foi dada, há três dias, por um outro veículo de imprensa), o UOL publicou declarações de um gabaritadíssimo profissional da área médica. Entre outras coisas ele afirma:

“O Valdivia tem de transformar os músculos dele. Ele precisa ter o treinamento aeróbico e transformar a fibra do 2B para 2A. Isso significa que ele tem uma predominância de uma fibra que não é comum em atleta, mas, mesmo assim, ele é um super-atleta. Ele é privilegiado” – Beny Schmidt

(Beny Schmidt – Formado em 1979 pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de SP, ele é o doutorado em Anatomie Pathologique Neuropathologiqe e fundador do Reffis do São Paulo, em 1986. É também fundador do Laboratório do Setor de Patologia Neuromuscular da UNIFESP e fez mais de 10 mil biópsias em músculos)

BIBLIOGRAFIA:

http://www.icb.ufmg.br/mor/anatoenf/sistema_muscular.htm
– Universidade Federal de Minas gerais

http://anatpat.unicamp.br/musnormal.html

http://informaunb.blogspot.com.br/2011/12/metabolismo-anaeribio-x-aerobio.html
– Universidade de Brasília – Faculdade de Nutrição

http://www.crosstrainer.com.br/index_limpa.asp?bm=m&ed=1&s=3&ma=4&c=0&m=0
(Referências bibliográficas::
Tim D. Noakes – Lore of Running – 4 th ed.
Dantas; Estélio H. M. – A Prática da Preparação Física – 3ª ed.
Maughan R., Gleeson M., Greenhaff P. L. – Bioquímica do Exercício e Treinamento – 1ª ed.)

http://www.copacabanarunners.net/lesoes-musculares.html –
(Referências Bibliográficas:
Noonan T.J., Garrett, W.E.: Muscle Strain Injury: Diagnosis and Treatment. J Am Acad Orthop Surg 1999; 7:262-269.

Créditos:
Texto copyright © 2004 por site medicinadoesporte.com)

http://www.totalsport.com.br/colunas/moraes/ed2901.htm *
Luiz Carlos de Moraes CREF/1 RJ 003529

http://super.abril.com.br/saude/forca-musculos-ossos-446375.shtml
Revista Superinteressante