Amigo leitor, nos últimos meses, uns probleminhas de saúde alteraram a minha rotina e, por isso, durante esse período, o blog acabou ficando praticamente inativo.  Me desculpe. Agora que já sarei (ou quase rsrs), vou tentar colocar as coisas em dia. A começar pelas postagens sobre o primeiro Mundial de Clubes, que haviam sido interrompidas. Coincidentemente, essa maravilhosa conquista da Sociedade Esportiva Palmeiras completa 68 anos exatamente nesse 22 de Julho de 2019. Um abraço. Tânia Clorofila Dainesi

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IX – CARIMBANDO A VAGA NA FINAL   

“O amor deixa uma memória que ninguém pode roubar” – Khalil Gibran


O Brasil e a Europa acompanhavam avidamente as notícias do Torneio Mundial de Clubes Campeões. Dois times brasileiros em um dos “mata-mata” e dois europeus no outro. Duas escolas diferentes que se enfrentariam depois para decidir o título… e quem será que passaria à tão cobiçada final?

A ferida da Copa do Mundo ainda doía… no entanto, os torcedores brasileiros, sem se darem conta, voltavam a se empolgar, e muito, com o futebol, com uma decisão mundial, e apostavam todas as suas fichas no título para o Brasil. E assim como antes da primeira partida semifinal muitos achavam que o Vasco ganharia do Palmeiras sem problemas, achavam eles agora que o Vasco venceria a segunda semifinal e seria o finalista.

Segundo  o Jornal dos Sports,  de 12/07/51, a  vitória do Palmeiras  sobre o Vasco contribuíra para colorir mais a segunda partida da  semifinal. Todo o favoritismo do bi-campeão carioca desaparecera. Tudo era equilíbrio. E a situação pendia para o campeão paulista. E o ‘match’ ganhava ainda mais importância porque, segundo o  regulamento do torneio, para o Palmeiras, que já tinha uma vitória, bastaria um empate para chegar à final. E, nessas condições,  somente a vitória interessava para o Vasco.

O regulamento previa que, em caso de uma vitória para cada equipe, seria critério de desempate o saldo de gols. No entanto, se, por exemplo, o Vasco ganhasse por  diferença de um gol, igualando a diferença que o Palmeiras obtivera na primeira partida, seria levado em conta, então, o saldo de gols da primeira fase, e o Vasco tinha um saldo melhor.

Antes da decisão entre os dois representantes brasileiros, os que vaticinavam que, dessa vez, o Vasco ia superar o Palmeiras, esqueciam, ou não queriam notar, que o  Vasco da Gama não jogara tudo o que podia na primeira partida porque o Palmeiras não permitira; achavam que bastaria ao Vasco jogar metade do que sabia na semifinal decisiva e a vaga estaria assegurada. Como pensava José Lins do Rego,  por exemplo, que deixou isso claro em sua coluna: (…)Só queremos a vitória, a tal vitória com “V”… Queremos o Vasco jogando metade do que sabe. Porque se entrar com essa disposição, em campo, não há periquito que se aguente”. (Jornal dos Sports, 14/07/51 – REGO, José Lins do – Esporte e Vida – O Vasco). Ele não sabia do que eram capazes os periquitos… e iria ficar com eles atravessados na garganta…

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E não era só ele… Em outra coluna do jornal, dizia-se que o Vasco que perdera para o Palmeiras não era o Vasco mesmo, parecia o Vasco, mas não era o Vasco. (…) “aquele team não era o do Vasco. Numa época em que tudo se falsifica, inclusive o dinheiro, falsificaram o team do Vasco.” Dizia-se também que como o Vasco não esteve no Maracanã, palavras não eram ditas, fechou-se o café da Marocas. O Palmeiras viu-se à vontade… Foi um chuá…”, “os vascaínos deixaram o Maracanã a cantar a ‘Jardineira’…”

“Oh, jardineira, por que estás tão triste? 
O que foi que te aconteceu?
Foi o Vasquinho que caiu do galho,
Deu dois suspiros e depois perdeu.
Vem, Palmeirinhas,
Vem meu amor, 
Não fiques prosa,
Que esse mundo é mesmo assim,
Tu ganhaste quarta-feira
Mas no domingo está pra mim” – (Jornal Dos Sports, 13/07/51, pág.4 – Zé de São Januário – Uma pedrinha na Shooteira)

Isso mesmo. A torcida do Vasco, mesmo vendo o seu time ser derrotado, saíra cantando da primeira semifinal… e provocando o Palmeiras. Tudo isso fazia – e faz – parte do universo futebol, e fazia parte da disputa do primeiro Mundial de Clubes. Aquela semifinal era o maior Rio-São Paulo (o maior campeonato do Brasil, na época) de todos os tempos… e levaria um clube brasileiro à final do primeiro, e maior, campeonato do mundo entre clubes campeões da Europa e América.

Em terras bandeirantes, claro, a torcida toda era pelo Palmeiras. O fato é que Palmeiras e Vasco eram os dois melhores times do país e, dentre os quatro concorrentes à vaga na final, o Palmeiras saíra na frente. A situação do Palmeiras se tornara excelente e, para o Vasco, só havia uma alternativa: vencer o Palmeiras na segunda partida.

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Mas, antes disso, no sábado, Juventus e Áustria, que tinham ficado no 0 x 0 no primeiro jogo, decidiriam no Maracanã a primeira vaga à final, e os torcedores todos, encantados com o bom futebol das duas equipes no torneio, principalmente com o do representante da Itália – dentre os times estrangeiros, o Juventus, pelo futebol apresentado,  era a sensação da Copa Rio (Ottorino Barassi sabia das coisas)  -, certamente iriam em grande número acompanhar a partida entre os dois. Meu pai, muito provavelmente, já planejando com os amigos a viagem para assistir à final, acompanharia atentamente esse jogo para saber quem seria o adversário do Palmeiras – mesmo sem nunca ter perguntado isso a ele, posso garantir (meu sangue me diz isso) que ele tinha certeza que o Palmeiras estaria na final.

Era chegada a hora.. o primeiro finalista sairia da partida entre austríacos e italianos. Os torcedores cariocas estavam bem empolgados com a possibilidade de ver novamente o Juventus, a sensação do mundial entre os participantes estrangeiros.

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No entanto, assim como para Palmeiras e Vasco, as chances de classificação tanto para o Austria como para o Juventus estavam abertas. E a imprensa dizia: “A bola é redonda para os dois… Poderá vencer o Austria como o Juventus”.

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Os austríacos voltavam ao Rio transbordando alegria. Aurednick, satisfeito com o 3 x 3 na primeira partida semifinal, em São Paulo, elogiara bastante o time do Juventus, seu adversário, dizendo, entre outras coisas, que o quadro italiano “era team para as finais, era team, inclusive, para ser campeão”.

Juventus x Austria foi a partida entre quadros estrangeiros que mais interesse despertou nos torcedores. E o Juventus teve uma vitória espetacular no Maracanã – 3 x 1. Depois de um 0 x 0 no primeiro tempo, La Vecchia Signora (como “a” Juve era/é chamada na Itália) em quinze minutos da segunda etapa, com dois gols de Mucinelli e um de Boniperti, decidiu a partida e se classificou à final.

Os jornais diziam que, enquanto o Juventus fizera um jogo mais positivo, o Austria se preocupara mais com o virtuosismo, esquecendo-se de que, para vencer, é preciso marcar gols (e pensar que, hoje em dia, tem jornalista esportivo que acha que posse de bola vale mais do que gols marcados e vitórias). Final de jogo: Juventus 3 x 1.

.Juventus: Viola; Bertuccelli e Manente; Mari, Ferrari e Piccinini, Muccinelli, Karl Hansen (Scaramuchi), Boniperti, Yan Hansen e Karl Praest (Pasquale Vivolo). Técnico: Jesse Carver
Áustria: Schweda; Melchior II e Josck; Fischer, Orcwick e Schleger; Ernst Melchior, Koeller, Hubber, Ernst Stojaspal e Aurednick. Técnico: Heinrich “Wudi” Müller
Estádio Municipal do RJ – Maracanã 
Renda: CR$ 776.140,00
Árbitro: Edward Craigh (Inglaterra)
Gols: Muccinelli 8′, 2ºT, Muccinelli 10′, 2ºT, Boniperti 14′, 2º T , Stojaspal

O Juventus, que tinha agora a companhia, e a torcida, do Comendadore Agnelli – o jovem multimilionário, presidente das fábricas de automóveis FIAT, de Turim, as maiores da Europa, e também presidente e torcedor número 1 do Juventus -,  só esperava pelo seu adversário na final… E qual seria ele? Palmeiras ou Vasco da Gama?

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Ademir tirara o gesso, mas ainda não poderia jogar pelo Vasco… Barbosa era dúvida no gol cruzmaltino… Aquiles, de perna quebrada, levaria meses para voltar aos gramados pelo Palmeiras… Valdemar Fiume talvez pudesse jogar – o técnico palmeirense ia esperar a avaliação médica que seria feita na manhã de domingo… Sarno, a pedido do Palmeiras para a organização do torneio, tinha sido chamado ao Rio de Janeiro e integrado à equipe. O jogo valeria vaga na final… e seria um duelo de campeões.

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E o domingo, ansiosamente aguardado, chegou… corações a mil… Palmeiras e Vasco da Gama iam buscar a vaga na final do Torneio Mundial de Clubes… a alma inquieta, o friozinho na barriga, o coração batendo descompassadamente… eram as sensações que acompanhavam os torcedores.

Será que meu pai dormiu bem naquela noite? Será que, fanático como era, ficou nervoso, ansioso, pensando no jogo antes de dormir? Não preciso nem tentar adivinhar… é claro que ficou! Sabemos bem como é isso. Ficaram insones todos os palmeirenses, os vascaínos, todos os torcedores brasileiros que sonhavam com a conquista de um mundial para o Brasil. Palmeiras a um passo, a um empate, da final do primeiro Torneio Mundial de Clubes Campeões… Santo Dio!

Com a possibilidade de prorrogação, o aviso era feito no jornal: o jogo começaria pontualmente às 15 horas…

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As conversas eram muitas, os prognósticos também. Cada qual com seu palpite, com a sua escalação… Como já foi dito anteriormente, com exceção dos palestrinos, claro, e dos demais torcedores paulistas, boa parte dos brasileiros ainda apostava no Vasco. Isso se devia ao fato de que ele era a base da seleção brasileira, jogava em sua casa, diante da sua torcida, e com a responsabilidade de ter que vencer de qualquer jeito… No entanto, esses mesmos, que apostavam suas fichas no Vasco, temiam a equipe paulista, que já saíra na frente na primeira partida, e com todos os méritos.

Aproximadamente 80 mil torcedores (muitos palmeirenses também) estavam no estádio (63.668 pagantes)… a renda foi espetacular: Cr$ 1.914.325,00, e o jogo entre os dois não foi fácil… foi uma luta. O Vasco, que só poderia ganhar ou ganhar para se classificar à final, foi mais positivo no primeiro tempo, mas sem muita organização e eficiência, digamos assim. “Notava-se grande diferença entre os avantes e o sexteto defensivo carioca. Este, jogava com segurança, enquanto a ofensiva, algo embaralhada, mostrava-se impotente para vencer o cerco palmeirense” – Jornal de Notícias, 17/07/51

O dono da casa, como não poderia deixar de ser pelas circunstâncias, foi pra cima do Verdão no primeiro tempo. O Palmeiras, com a vantagem pela vitória no outro jogo, e sabendo que o adversário vinha “mordido”, querendo descontar o prejuízo de qualquer maneira, tratou de conter o ímpeto do Vasco da Gama na nessa primeira etapa. “Tão logo firmou-se o Palmeiras na defesa, os atacantes prendiam a bola, tocavam, sem grande preocupação de entrar na área. A luta, renhida, era entre o ataque do Vasco e a defesa do Palmeiras, que se favorecia com o empate”.  E, para desespero dos vascaínos, o primeiro tempo tempo terminou sem alteração no marcador.

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Na segundo tempo, a coisa mudou de figura, o Palmeiras, que, inteligentemente, conseguira minar as pretensões do Vasco na primeira etapa –  isso certamente mexera com a confiança e nervos do time adversário -, foi para o ataque também… “Não obstante, e fosse a marcação a sua principal preocupação, a intermediária da equipe visitante achava tempo para lançar os avantes, os quais, em rápidos contra-ataques, ganhavam o campo adversário”.

“Aos 19 minutos, houve o lance mais discutido do prélio. Chico recebendo a bola em posição ilegal, venceu o arqueiro Fábio. Todavia, o impedimento foi acertadamente assinalado pelo juiz, que não validou o tento, a despeito das reclamações dos guanabarinos…”

Nos minutinhos finais, o Palmeiras se postaria na defesa para agarrar e carimbar a vaga na final do mundial

“Aos poucos, a produção do Vasco foi caindo. Não aguentaram aquele ritmo ligeiro que vinham imprimindo desde o início, o que proporcionou aos palmeirenses exigir empenho do arqueiro Ernani, em lances de perigo. Bem armada e decidida, a equipe palmeirense forçou a conquista do tento da vitória. Poucos minutos antes do término, o Palmeiras recuou visando garantir o resultado” – Jornal de Notícias, 17/07/51 – Empatando com o Vasco da Gama classificou-se o Palmeiras para as finais do Torneio Mundial.

E foi assim…  Jogando de maneira inteligente, sabendo quando segurar e quando atacar, esbanjando categoria na defesa, e tendo o maestro Jair lá na frente – seu futebol fazia a diferença e chamava a atenção na competição -, que o Palmeiras, para delírio inenarrável dos seus torcedores, deu o maior passo da sua história até então, classificando-se para a final do primeiro Mundial de Clubes Campeões.

VASCO 0 X 0 PALMEIRAS
Vasco
: Ernani; Augusto e Clarel; Eli, Danilo e Alfredo; Tesourinha, Friaça, Amorim, Maneca e Djair. Técnico: Oto Glória.
Palmeiras: Fabio; Salvador e Juvenal; Túlio, Luiz Villa e Dema; Liminha, Ponce de Leon, Richard, Jair e Rodrigues. Técnico: Ventura Cambon.
Estádio Municipal do Rio de Janeiro – Maracanã
Renda: Cr$ 1.914.325,00

Árbitro: Grill (Áustria)
Assistente 1: Popovic (Iugoslávia)
Assistente 2: Craig (Inglaterra)

Um resultado que muitos não esperavam, e que o coração palestrino já sabia, desde sempre, que aconteceria.

“O Palmeiras, após aqueles desastrosos 4 x 0 que sofreu na peleja contra o Juventus, da Itália, ferido em seu brio, reagiu de forma espetacular e conseguiu eliminar um dos mais sérios concorrentes à conquista da Copa Rio, o Vasco da Gama… Atuaria ele (o Vasco) em seus domínios e, incentivado pela sua enorme torcida, não lhe seria difícil impor-se ao Alviverde. Mas o campeão paulista tinha outros planos… venceu por 2 x 1 e sua vitória não deixou margem à dúvida. Foi líquida e serviu para mostrar que aquele revés contra o Juventus havia sido obra do excesso de confiança… o campeão paulista confirmou a sua exibição. Enfrentou um adversário que não escondia o desejo de ampla desforra. Estavam os cruzmaltinos, na verdade, dispostos a tudo para conseguir a vitória e, por conseguinte, o direito de disputar as finais. A fibra alviverde, porém, mais uma vez venceu. Bateram-se os companheiros de Jair com vontade e denodo, não permitindo a concretização das pretensões cariocas” – Jornal de Notícias, 17/07/51 – Madeira, Jaime – Ponto de Vista – A Quinta Coroa.

A torcida alviverde, que estava no Maracanã também, orgulhosa do feito do Palmeiras, enlouqueceu de alegria,  os paulistas não cabiam em si de felicidade, os jogadores vibravam no gramado, eram aplaudidos – pelos outros torcedores também… Sarno correu abraçar Liminha, que acenava para a torcida, comemorando a façanha de eliminar o forte concorrente e estar com o Palmeiras na final…

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O Palmeiras, que era o melhor “team” do Brasil naquele ano de 1951, que  conquistara quatro torneios na temporada, ia agora, merecidamente, em busca da sua quinta coroa… a mais brilhante delas… a mais desejada… Ia em busca do título de campeão do mundo. Quanta responsabilidade.

A sorte estava lançada… Os brasileiros tinham o seu representante na final. O Palmeiras agora era o Brasil.

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Que viessem os italianos… com o Palmeiras, o Brasil estava pronto para enfrentá-los.

VII – BUSCANDO VAGA NUM SONHO

“Nada de grandioso se realizou no mundo sem paixão” – Georg Wilhelm Friedrich Hegel

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Após a última rodada da primeira fase, quando os confrontos das semifinais ficaram definidos, e os dois times brasileiros teriam que se enfrentar, muita gente passou a apostar as suas fichas todas no Vasco da Gama. Afinal, além de ter a base da seleção brasileira em seu plantel, ele vinha de três vitórias, duas por goleada, e o Palmeiras tinha sido derrotado pelos italianos. Uma goleada que ninguém esperava, e que custara até a posição do goleiro Oberdan Cattani – ele acabou “pagando o pato” e sendo sacado do time para a entrada de Fabio Crippa.

A derrota do Palmeiras  – sem três de seus jogadores titulares – para o Juventus (ITA) tinha sido um acidente de percurso, e boa parte dos torcedores brasileiros sabia disso – os palmeirenses, principalmente -, fora do Brasil, os que acompanhavam as notícias do Mundial de Clubes Campeões também conheciam a força do futebol do Palmeiras, no entanto, aqueles que passaram a achar que ficara fácil para o Vasco, que achavam que o Palmeiras iria se abater com a derrota, iriam se conscientizar mais à frente – dali a uns dias – de quanto estavam enganados.

Os dois maiores times do país, naquele início de década, iriam se enfrentar… e valendo uma vaga na final do primeiro Torneio Mundial de Clubes. Os brasileiros, que depois do mundial de seleções de 50, ficaram tão murchinhos em relação a futebol, começavam a soltar as amarras de seus corações…  sem que eles mesmos notassem, estavam eufóricos agora… entusiasmadíssimos  com a “nova Copa do Mundo”. Era esse mesmo o clima…

E seria um “prélio grandioso, envolvendo dois quadros categorizados, credenciados pelos títulos que ostentam. O Vasco, bi-campeão carioca e invicto na Copa Rio. O Palmeiras, Campeão Paulista. Herói do torneio Rio-São Paulo e agora com uma derrota no certame em que se acha empenhado” – Jornal dos Sports, 11/07/51  – a notícia não disse, mas o Palmeiras era também o bi-campeão da Taça Cidade de São Paulo. A disputa mexia com a paixão de todo um país… com a paixão de todos os torcedores do país… mexia com corações ainda machucados pelo que acontecera na Copa do Mundo…
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Seriam dois jogos entre as equipes, no que chamamos hoje em dia de “mata-mata”. O primeiro, no dia 11/07, às 21h00; o segundo, nos dias 14 e 15/07, às 15h00. Áustria e Juventus jogariam as suas partidas no Pacaembu para decidir uma das vagas à final – a segunda partida entre os dois seria no sábado (14/07). No entanto, as partidas semifinais que mais interessavam aos brasileiros seriam disputadas no Rio de Janeiro entre Vasco e Palmeiras, que jogariam a segunda partida no domingo (15/07). O Palmeiras até que tentara levar uma das partidas para São Paulo, mas não conseguira.

No entanto, para Juventus e Austria foi permitida a mudança de local de jogo na segunda partida entre eles. A notícia do jornal carioca dizia: “Juventus e Austria telegrafaram ao presidente Mario Pollo pleiteando realizarem, nesta capital, no sábado,  o seu segundo encontro semifinal pela “Copa Rio”. A Comissão Diretora reuniu-se para tratar do assunto e após entendimentos pelo telefone com a Federação Paulista e com os dirigentes dos dois clubes interessados ficou assentado que Austria e Juventus jogarão hoje, em São Paulo, como estava determinado pela tabela. No sábado, porém, os dois clubes virão jogar aqui, no Maracanã, à tarde, encerrando a luta semi-final do Torneio dos Campeões”

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Esses dois jogos entre Palmeiras e Vasco se tornariam a maior de todas as disputas entre Rio e São Paulo (o Rio-São Paulo era, na época, o maior torneio do país)… um dos dois times estaria na final do Mundial dos Campeões. Um dos dois times iria tentar buscar para o Brasil o que ele ainda não tinha conseguido conquistar, e que lhe escapara no trágico 16 de Julho do ano anterior… um título de campeão mundial. Que responsabilidade…

A Copa Rio, contrariando os pessimistas de plantão (sempre tem uns desses, em qualquer época), já era um sucesso, técnico e financeiro. E as rendas, como se fossem as rendas de uma Copa Jules Rimet, já não deixavam nenhuma possibilidade de prejuízo. Os torcedores já tinham se dado conta de que estavam diante de grandes equipes do futebol mundial. O Juventus, reabilitando a Azzurra, tornava-se a grande atração dessa fase da Copa, era o que dizia a publicação do Jornal dos Sports de 11/07/51- Êxito da “Copa Rio”- Vitória do football brasileiro.

E, na coluna de Vasco Rocha, no jornal “O Globo Sportivo”, edição 00649 (1),  de Julho de 1951 – onde um dos diretores era Roberto Marinho (ele ficaria bastante conhecido, anos depois, por ser o fundador e proprietário da Rede Globo) – falava-se também que os objetivos do “Torneio Mundial de clubes campeões” haviam sido alcançados, que  a primeira fase do torneio oferecera ao público espetáculos com muita semelhança daqueles de que foram pródigas as partidas da Copa do Mundo”.

 

E o Palmeiras chegava ao Rio de Janeiro para a semifinal, e chegava meio desacreditado aos olhos de muitos que davam como (quase)  certa a vitória do Vasco e também a sua classificação à final. No entanto, nem todo mundo achava que o Palmeiras já era “carta fora do baralho”.  Mario Julio Rodrigues, em sua coluna no Jornal dos Sports, avisava:

“Ontem chegou o Palmeiras. Aos olhos de muita gente com cara de concorrente desclassificado. Com cara de concorrente sem maiores pretensões. O Vasco, porém, que se precavenha, que entre em campo com a mesma energia com que tem entrado em todos os matches desta copa sensacional. O Palmeiras pode ter tido uma tarde negra, mas nem por isso deixa de se constituir em uma ameaça. Em uma grande ameaça, por sinal. Não foi por perder estrepitosamente para o Juventus que o Palmeiras deixou de ser uma grande equipe. Como não foi por ser goleado pelo Juventus que o Palmeiras deixou de ser o campeão paulista. O campeão paulista ou o campeão do Rio-São Paulo. Todos os magníficos “cracks” que lhe deram estas extraordinárias conquistas aí estão. E em plena forma. Nomes como Oberdan, Juvenal, Valdemar Fiume, Luiz Villa, Lima, Liminha e do fabuloso Jair dispensam qualquer comentário. O Palmeiras está na terra. E está na terra mais perigoso do que nunca. Porque nada como uma grande vitória para apagar uma grande derrota”.  – RODRIGUES, Mario Julio –  Êxito da “Copa Rio” –  Uma vitória do futebol brasileiro – Jornal dos Sports, 11/07/51.

Em sua coluna, publicada no Jornal dos Sports do mesmo dia 11/07, Vargas Neto também fazia um alerta e, entre outras coisas, avisava: “Cuidado com o Palmeiras, que ele anda mal intencionado. (…) Se alguém duvidar do que eu digo, que vá ao Maracanã e veja como vai jogar o Palmeiras contra o Vasco.” 

Sábias e proféticas palavras… Sabiam das coisas os dois. Não se pode subestimar nunca a força da camisa esmeraldina, a força dos que a vestem (ainda mais, quando seu elenco está recheado de craques, como era o caso no torneio mundial dos campeões)… não se pode subestimar aqueles que levam a paixão a campo… nós, palmeirenses, sabemos disso desde sempre, e, naquela época, os profissionais da imprensa já sabiam também.

Mas era semifinal do Mundial de Clubes Campeões… e não se falava em outra coisa no universo futebol. Aqui no Brasil a ansiedade era muita, e na Europa também. Fosse qual fosse o resultado nesses jogos, uma coisa era certa: um time brasileiro e um europeu decidiriam o primeiro Torneio Mundial de Clubes Campeões, e um deles conquistaria o cobiçadíssimo troféu, a “Copa Rio”. E quais seriam esses finalistas? Vasco ou Palmeiras? Áustria ou Juventus?

Os torcedores brasileiros estavam eufóricos, arriscavam palpites… Palmeiras e Vasco se mantinham confiantes, mas cada qual respeitando o adversário…

A imprensa foi ouvir os vascaínos a respeito do grande jogo. “O ambiente cruzmaltino, relatava o jornal, era magnífico. Os jogadores estavam bem dispostos e compenetrados da responsabilidade da missão”. Para o técnico Oto Glória, por exemplo, o Palmeiras em circunstância alguma deixou de ser aquele rival combativo e respeitável de sempre”.  Oto Glória reconhecia que o Vasco atravessava um período favorável, mas ele sabia, e dizia, que para superar o campeão paulista seria necessário prosseguir na luta, com a mesma elevação de sempre. O Vasco não poderia vacilar porque, um tropeço, naquela altura do campeonato, atrapalharia a brilhante campanha do time carioca. Danilo, Jorge, Barbosa, Augusto, Dejair, Maneca e todos os demais vascaínos concordavam com ele. Todos reconheciam as qualidades técnicas excepcionais do Palmeiras e sabiam que não poderiam economizar energias. Os vascaínos queriam a vitória e a manutenção da invencibilidade na competição.
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No lado palmeirense, a disposição era a mesma e todos estavam confiantes, e dispostos a darem o máximo de si mesmos… além do talento, ficava claro que a paixão, a fibra palestrina, também entraria em campo. Liminha dizia: “O Vasco é um grande adversário, mas não há de faltar espírito de luta para a vitória”. Juvenal concordava, e acrescentava: “O Vasco é sempre o Vasco. Em qualquer circunstância é um grande adversário, vamos porém dar o máximo para uma completa reabilitação”. Rodrigues, confiante, afirmava : “Com boa vontade tudo há de chegar favorável às cores do Palmeiras”… Luiz Villa, o magnífico “pivot” argentino do time de Parque Antártica, era mais discreto em seu comentário e afirmava: “o footbal é no campo e não se ganha com conversas”.

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O Vasco queria manter a invencibilidade, o Palmeiras queria a reabilitação… e as duas equipes, igualmente, queriam, muito,  a vaga na final do mundial… por isso, estavam todos empenhados em buscar a vitória…

Juventus e Austria também queriam muito a outra vaga na final… Mas o Juventus – que treinava no Parque Antártica – tinha uma baixa na equipe. Seu meia-esquerda, John Hansen, sofrera uma distensão no jogo contra o Palmeiras e estava afastado dos jogos do Torneio Mundial dos Campeões.

No dia 11 de Julho, às 21h00, e para a alegria dos muitos italianos que viviam em São Paulo, Juventus e Áustria se enfrentaram no Pacaembu pela primeira partida da semifinal. Segundo o Jornal dos Sports de 12/07/51, pág.1, […] “o público que compareceu ao Pacaembu teve a oportunidade de assistir a um espetáculo de excepcional brilhantismo no que diz respeito ao desempenho técnico dos quadros, durante o primeiro tempo e boa parte do período final”. […] “Se, por um lado, o Áustria tinha as suas linhas perfeitamente articuladas, com o excepcional e extraordinário centro médio Orcwick mandando o jogo, distribuindo e defendendo de forma precisa e eficiente, por outro, o Juventus mais vivo, mais rápido nas ações, mais decidido e disposto a proporcionar luta ao adversário”.

Por isso, o primeiro tempo foi mais ou menos equilibrado. O Áustria tinha melhor desempenho técnico, mas o Juventus se defendia muito bem e se utilizava de perigosos contra ataques. No primeiro tempo, aos 30′, após o lançamento de Aurednick, Koeller, com um chute forte, no canto esquerdo, abriu o placar para os austríacos; Muccinelli, com um chute indefensável, empatou aos 37′, mas Stojaspal colocou o Austria na frente outra vez aos 39′. Na segunda etapa, o Juventus voltou mais acertado e Praest empatou o jogo aos 4′. Aos 31′, Boniperti em boa jogada com Praest virou para o Juventus. No finalzinho, aos 44′, após falta cometida por Manente, o juiz marcou o pênalti para o Austria. E, então, aconteceu o que ninguém esperava…

Os jogadores italianos ficaram revoltados com a marcação e partiram pra cima do juiz brasileiro (o goleiro Viola chegou a dar um empurrão nele). E aí a confusão se instalou. Foi um custo para que os italianos deixassem o pênalti ser batido por Stojaspal. E depois da cobrança, bem sucedida, e do empate do Áustria no finalzinho de jogo, os italianos ficaram revoltados outra vez e cercaram o árbitro que por pouco não foi agredido (os austríacos se mantiveram afastados). Mas, então, aconteceu coisa pior…  Viola e Muccinelli agrediram um sub-delegado de polícia e foram levados para a Polícia Central onde ficaram detidos. Depois de algumas horas na Polícia Central,  das explicações dadas, e de muita tensão – o Juventus ameaçava até abandonar a “Copa Rio” (Jornal dos Sports, 12/07/51) -, eles acabariam sendo liberados. O empate do Áustria, que tirava a vitória, e a vantagem dos italianos na segunda partida, dificultando o caminho até a tão cobiçada vaga na final do mundial,  havia tirado os italianos do sério.

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ÁUSTRIA (AUS) 3 X 3 JUVENTUS (ITA)
Áustria
: Schweda; Oto Melchior e Josck; Fischer, Orcwick e Schleger; Ernst Melchior, Koeller, Huber, Ernst Stojaspal e Aurednick. Técnico: Heinrich “Wudi” Müller
Juventus: Giovanni Viola; Alberto Bertuccelli e Sergio Manente; Giacomo Mari, Carlo Parola e Piccinini; Ermes Muccinelli, Hansen, Giampiero Boniperti, Pasquale Vivolo e Karl Praest. Técnico: Jesse Carver
Árbitro: Alberto da Gama Malcher (Brasil)
Gols: Koeller (30′,1ºT), Stojaspal (39′,1ºT), Stojaspal (de pênalti, aos 42′, 2ºT) marcaram para o Áustria.
……….Muccinelli (37′,1ºT), Praest (4′,2ºT) e Boniperti (31′, 2ºT) marcaram para o Juventus

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No mesmo horário do jogo do Pacaembu, aconteceria o jogo que os brasileiros tanto esperavam. Palmeiras e Vasco se enfrentariam no Maracanã… os dois melhores times do país naquele ano de 1951… Uma expectativa imensa. O Vasco, a base da seleção, considerado favorito por muita gente, jogando em seus domínios, certamente estava mais tranquilo. O Palmeiras, que vinha de um resultado ruim, quando já estava classificado no grupo (jogara sem três de seus titulares), e passara a ser desacreditado quanto às chances de conquistar a vaga, tinha uma responsabilidade muito grande agora e a pressão estava com ele. Mas quem é Palmeiras sabe… a força da camisa esmeraldina e da gente que se veste com ela é inesgotável. E sem contar que o time do Palmeiras era bom demais –  pelo Rio-São Paulo, um pouco antes do Torneio Mundial começar, o Palmeiras, que acabaria sendo o campeão na ocasião, tinha batido o mesmo Vasco naquele mesmo Maracanã. E tendo ganhado os últimos quatro torneios que disputara, o time da camisa esmeralda, nesse mundial, ia em busca da sua quinta coroa.

E o Alviverde Imponente, tão imponente quanto a ocasião exigiu, cheio de talento e paixão, surpreendeu a todos os que duvidavam dele e bateu o Vasco da Gama… em pleno Maracanã. 2 x 1.  E com o agravante de ter tido duas perdas importantíssimas na partida, de ter precisado substituir Valdemar Fiume, que se lesionara, antes mesmo dos 20′ do primeiro tempo, e de ter ficado sem Aquiles, em boa parte da segunda etapa,  porque, depois de um choque com o goleiro Barbosa, uns minutos depois do gol de empate do Vasco, ele se lesionara gravemente e saíra de campo carregado.

O Vasco teve mais força ofensiva, no entanto, as suas investidas foram desorientadas, a maioria dos seus ataques não levaram real perigo ao gol de Fabio, e o Palmeiras, com ataques mais precisos, seguro na defesa, soube se impor no jogo. “O Palmeiras atacava pouco, porém era absolutamente mais objetivo. Cada ataque tinha a noção exata do perigo.  Isto porque a defesa do Vasco não exibia a segurança habitual”… “Salvador lutador  e incansável, Juvenal, mais clássico. Absolutamente mais consciencioso. Nunca abandonou a área”… “Magnífica a intermediária paulista, cabendo a Luiz Villa os méritos do principal valor”… “O arqueiro Fábio, não fosse o tento de Friaça, teria uma classificação excepcional”… “Dema reafirmou seu valor liquidando Tesourinha”… “dos pés de Jair partiram as jogadas mais perigosas”… “Rodrigues, embora pouco empenhado, deu grande trabalho à defensiva cruzmaltina” (Jornal dos Sports, 12/07/51 pág.6 – PALMEIRAS, 2 X 1).

O Palmeiras abriu o placar no Maracanã aos 24′ do primeiro tempo. Jair passou por Danilo e recebeu a falta de Eli, o próprio Jair cobrou a falta e tocou para Richard, o centroavante invadiu a área e chutou, abrindo o placar para o Palmeiras.  No segundo tempo, aos 40s, ataque do Vasco, posse de bola com Maneca que chutou muito forte, no ângulo. Fabio tentou defender, largou a bola, ela bateu na trave e entrou. Partida empatada. Aos 37′, Jair, de novo cobrando uma falta (os vascaínos fizeram muitas), acionou Liminha. O veloz jogador palmeirense avançou e, com um belo chute, que foi parar no fundo das redes de Barbosa, deu a sensacional vitória ao Palmeiras.

O Palmeiras venceu, estava muito feliz, mas uma sombra de tristeza e preocupação muito grande pairava sobre todos os palmeirenses.  Além de Valdemar Fiume ter saído lesionado no primeiro tempo, uns minutos após o empate do Vasco,  e depois de um choque com o goleiro Barbosa, o Palmeiras ganhara mais um, e muito sério, desfalque.  Aquiles saíra de campo seriamente contundido, e carregado – mais tarde seria confirmado que o jovem jogador do Palmeiras fraturara a tíbia (ele ficaria meses sem jogar). A família palmeirense ficou consternada.

 

 

O Vasco saiu reclamando de um impedimento de Richard no primeiro gol, o Palmeiras saiu reclamando da expulsão de Maneca que foi reconsiderada pelo juiz – ele expulsou o jogador do Vasco e, depois de uma conversa com Augusto, do time carioca, ele reconsiderou e voltou atrás…

O Palmeiras tinha ido ao Rio buscar a vaga e já saíra da primeira partida em vantagem. E tinha feito por merecer. A matéria do (carioca) Jornal dos Sports, do dia 12/07,  diria que o Vasco não esteve bem na partida, […] “produzindo pouco e com o agravante de procurar o jogo pesado nos momentos em que o adversário mostrava-se mais inspirado. Talvez enervados pela marcação severa da retaguarda palmeirense, os cruzmaltinos perderam inteiramente o controle”… “Tesourinha, inteiramente anulado por Dema, Friaça deixando-se dominar por Juvenal”… “Alfredo preocupou-se muito com a violência e deixou de ser o médio sereno e hábil dos outros prélios”…  “O Palmeiras ganhou com mérito. Foi mais quadro. Defendeu-se melhor. E teve a grande habilidade de se aproveitar das falhas do adversário para ganhar com justiça”“o onze do Palmeiras soube impor o seu valor, não se perturbando nunca com o maior volume ofensivo (do Vasco). Foi mais objetivo o conjunto palmeirense e daí a explicação lógica para a sensacional vitória colhida na noite de ontem”.

 

PALMEIRAS 2 X 1 VASCO DA GAMA
Palmeiras
: Fábio; Salvador e Juvenal; Valdemar Fiume, Luiz Villa e Dema; Liminha, Aquiles, Richard, Jair e Rodrigues. Técnico: Ventura Cambon.
Vasco da Gama: Barbosa; Augusto e Clarel; Eli, Danilo e Alfredo; Tesourinha, Ipojucan, Friaça, Maneca e Dejair. Técnico: Oto Glória
Árbitro: Mr. Craig (Inglaterra)
Renda: CR$ 901.520,00
Gols: Richard (24′, 1ºT), Maneca (40s, 2ºT) e Liminha (37′, 2ºT)

O Palmeiras saía na frente na disputa da vaga, ficava mais perto da final do mundial, mas os torcedores vascaínos não se davam por vencidos e continuavam confiando que o Vasco daria o troco ao Palmeiras no segundo jogo e que seria ele, Vasco da Gama, a ficar com a vaga na final…

Meu pai, à essa altura dos acontecimentos, certamente já deveria estar se preparando, com os amigos, para ir ao Rio de Janeiro ver a decisão do Mundial de Clubes… se o sangue que corre em minhas veias não me engana, ele tinha certeza  que o Palmeiras estaria lá…

Faltava uma partida… faltava um empate ao Palmeiras… a vaga na final do primeiro Torneio Mundial de Clubes Campeões estava ali, pertinho, quase ao alcance de verdes mãos… mas não seria fácil. O Vasco, que agora teria que vencer de qualquer maneira – era a sua única chance de classificação,  tinha um timaço também e certamente ia querer descontar o prejuízo. Faltavam só quatro dias para o próximo jogo, mas os corações brasileiros já batiam em ritmo de uma épica final…

VII – OLHA O MUNDIAL DE CLUBES AÍ, GENTE

A dignidade não consiste em possuir honrarias, mas em merecê-las”- Aristóteles
……

O Mundial ia começar… a hora finalmente chegara… a maior disputa entre clubes do mundo, entre campeões de vários países da América do Sul e Europa. Os brasileiros ansiavam por ela, e ansiavam também por ver os craques estrangeiros em campo. E os participantes estavam prontos.

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Na Itália, o Torneio dos Campeões era notícia também… No dia da rodada de abertura do torneio, o jornal “Corriere dello Sport” falava da “grande manifestazione calcistica” del “TORNEIO DEI CAMPIONI”.

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A estreia do Palmeiras, campeão paulista de 1950, campeão do Rio-São Paulo de 1951, seria contra o Olympique Nice (FRA), no Pacaembu, pela rodada de abertura do Torneio Mundial de Clubes Campeões. No Maracanã, jogariam Áustria (AUS) e Nacional (URU). E o jornal falava da “sensacional abertura do Torneio dos Campeões”.

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Era 30 de Junho, um sábado. Maracanã e Pacaembu seriam os palcos por onde desfilariam os artistas da bola do mundial interclubes. Os jogos da primeira rodada seriam às 15h00… e quase 40 mil pessoas (28.700 pagantes – não pagantes sempre eram milhares e, na maioria das vezes, ultrapassavam a casa de dez mil pessoas) foram ao Pacaembu naquela tarde  para assistir Palmeiras (BRA) x Nice (FRA).

O Nice, como o campeão francês era chamado, era apresentado pelo jornalista Tomaz Mazzoni como “[…] um conjunto dos mais harmoniosos, com uma sólida defesa e uma vanguarda bem ajustada, requisitos indispensáveis a uma boa equipe” – MAZZONI, Tomaz. Apresenta-se o Palmeiras na “Copa Rio”. Jornal dos Sports, 30 de junho de 1951, pág. 3.

E, uns dias antes, na chegada do Nice, o presidente da comitiva, Sr. Sattegna, já tinha declarado: “Viemos, acima de tudo, estreitar os laços de amizade que unem brasileiros e franceses. Não temos grandes pretensões. O nosso principal objetivo é competir e fazer aquilo que nos for possível dentro das nossas condições técnicas. Na França, e no mundo inteiro, ninguém tem dúvidas da alta categoria do football brasileiro. E por isso mesmo que, pra mim, o Palmeiras e o Vasco são os favoritos desse desfile de quadros mundiais. […] Não quero dizer que vamos ser facilmente esmagados. Também não há de ser fácil. Mas de qualquer maneira, as nossas possibilidades com Palmeiras e Vasco são reduzidas”. Jornal dos Sports, 26 de Junho, de 1951, p.6 – Desfilam impressões os franceses.

O Nice tinha uma sólida defesa… O presidente da comitiva francesa deixava claro que Palmeiras e Vasco eram por eles considerados favoritos… Deve ter sido por essas duas coisas, e pelo nervosismo também (disputar o primeiro mundial de clubes era uma responsabilidade enorme), que o primeiro tempo ficou no 0 x 0 (para o Palmeiras ainda tinha o adicional de o torneio mundial ser um ano após o “Maracanazzo”). O técnico francês, temendo o bom futebol dos brasileiros, preferiu armar uma retranca daquelas, que o Palmeiras só conseguiu furar na segunda etapa.

E naquela tarde de “Brasil x França”, no Grupo B, chave de São Paulo, tarde de estreia brasileira no Mundial de Clubes, exatamente aos 8 min do segundo tempo, o Palmeiras quebrava o ferrolho francês… Aquiles sofreu pênalti de Firoud, ele mesmo cobrou e colocou o Palmeiras à frente no placar. Três minutinhos depois, aos 11′, o craque Jair da Rosa Pinto fez uma jogada espetacular e tocou para Ponce de Leon completar e aumentar a vantagem do Palmeiras. Os palestrinos faziam o Pacaembu vibrar. E, aos 30′, Richard, dando números finais à partida, marcou o terceiro do Palmeiras. A bola ainda tocou em Gonzales antes de entrar.

Fatura liquidada. Para alegria dos palmeirenses, e dos demais torcedores do país, era a primeira vitória brasileira no Mundial de Clubes Campeões… a primeira vitória do time do Verdão. Très bien, Palmeiras! E o sangue, que um dia correria em minhas veias, já começava a receber as primeiras colorações de uma alegria do tamanho do mundo…

PALMEIRAS 3 x 0 NICE (FRA)
Palmeiras
: Oberdan; Salvador e Juvenal; Waldemar Fiume, Luiz Villa e Dema; Lima, Aquiles (Richard), Ponce de León, Jair Rosa Pinto (Rodrigues) e Canhotinho. Técnico: Ventura Cambon.
Nice-FRA: Robert Germani; Serge Pedin e Mohamed Firoud; Jean Belver, Cesar Gonzalez e Rossi Leon; Bonifaci Antoine,  Bengtsson Per, Yeso Amalfi, Désir Carrè e Hjalmars Ake. Técnico: Numa Andoire
Estádio do Pacaembu – São Paulo-SP
Árbitro: 
Franz Grill (Áustria)
Gols:  Aquiles (8′, 2ºT), Ponce de Leon (11′, 2ºT), Richard (30′, 2ºT)
Nenhuma ocorrência com cartão vermelho (ainda não existiam os cartões amarelos)
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No Maracanã, pelo Grupo A, na chave do Rio de Janeiro, diante de um público de 27.463 (18.429 pagantes – Renda CR$ 552.220,00), o Áustria Viena (AUS), numa partida primorosa goleou o Nacional (URU) por 4 x 0.

ÁUSTRIA VIENA(AUS) 4 X 0 NACIONAL (URU)
Áustria:
 Sweis, Melchior II, e Kowanz, Fischer, Ocwirk e Sukach, Melchior I, Koller, Huber (Higgers), Stojaspal e Aurednik.  Técnico: Heinrich “Wudi” Müller.
Nacional:  Penalva, Santamaría e Duran, Suarez (Cruz), Washington e Cajiga, Sovelio (Rutelli), Javier Ambrois, Tiger, J. Garcia (Julio Perez) e Orlandi. Técnico: Henrique Fernandez
Estádio Municipal do Rio de Janeiro, Maracanã – RJ
Árbitro
: Powers (Inglaterra)
Gols: Lukas Aurednik (22′, 1º T e 27′, 1º T), Ernst Stojaspal (8′, 2º T e 40′, 2º T)

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No domingo, na continuação da primeira rodada, o Vasco, base da seleção brasileira de 50 e um grande favorito ao título, estrearia na competição enfrentando o Sporting (POR) no Maracanã; no Pacaembu, o confronto seria entre Estrela Vermelha (IUG) e Juventus (ITA).

E foi nesse mesmo domingo, 1º de Julho, que o presidente em exercício da CBD, Mario Pollo, enviou uma nota de agradecimento ao jornalista Mario Filho, o idealizador do torneio:

Ilmo Sr. Mario Rodrigues Filho – No momento em que se inicia o Torneio Internacional de Clubes Campeões, a Confederação Brasileira de Desportos presta ao grande jornalista-esportista a homenagem merecida por ter sido o inspirado idealizador do certame, cujas proporções atingirão o prestígio e o renome do football brasileiro, no concerto mundial das nações. Em futura oportunidade esta Confederação se sentirá muito feliz em reafirmar o justo preito que agora lhe leva. Manifestando, pois, os sentimentos da instituição representativa do football brasileiro, agradeço também a colaboração constante, eficiente, ampla e entusiasta que o jornal sob sua direção vem dando ao êxito do Torneio. Com os protestos de minha particular estima e do meu elevado apreço. Dr. Mario Pollo – Presidente em exercício

A C.B.D. agradece a Mario Filho o idealizador do “Torneio dos Campeões”. Jornal dos Sports, 1 de julho de 1951, pág. 3.

À tarde,  o Vasco fez, então, a sua tão esperada estreia no Maracanã… cheio de gente.  Diante de 91.438 pessoas (79.712 pagantes – renda: CR$ 2.964.000,00) o outro representante do Brasil goleou o Sporting (POR),  por 5 x 1. Friaça, aos 9′ do primeiro tempo, abriu o placar para o Vasco, Tesourinha, aos 41′, fez o segundo. Na segunda etapa, no primeiro minuto, Ipojucan marcou o terceiro do Vasco;  Patalino, aos 33′, diminuiu para o Sporting; Ipojucan, aos 38′, e Dejayr, aos 45 deram números finais à partida. Uma grande vitória do Vasco diante dos campeões portugueses. E essa vitória, com goleada, deixou os brasileiros mais confiantes ainda nas possibilidades do time brasileiro.

VASCO DA GAMA 5 X 1 SPORTING (POR)
Vasco da Gama
: Barbosa, Augusto (Laerte), Clarel, Ely, Danilo, Alfredo II, Tesourinha, Ipojucan, Friaça, Maneca e Dejayr. Técnico: Oto Glória.
Sporting: Azevedo, Serafim (Belenenses), Passos, Juvenal, Canário, Juca (Veríssimo), Jesus Correia (Patalino, “o Elvas), Vasques, Ben David (Atlético), Travassos e Albano. Técnico: Randolph Galloway
Estádio Municipal do Rio de Janeiro-RJ
Árbitro
: Gabriel Tordjan (França)
GOLS – Friaça (9′, 1ºT), Tesourinha (41′, 1ºT), Ipojucan (1′,  2ºT), Ipojucan (38′ 2ºT) e Dejayr (45′ 2ºT) marcaram para o Vasco;  Patalino, “O Elvas” (33′, 2º T) marcou para o Sporting.
……

Pelo Grupo de São Paulo, nesse mesmo domingo, jogaram Juventus (ITA) e  Estrela Vermelha (IUG) – não há a informação sobre o público, a renda foi de CR$ 874.965,00. Com tantos jogadores da seleção italiana no Juventus e da seleção iugoslava no Estrela Vermelha, a partida foi quase um ITA x IUG,  e o time italiano venceu os iugoslavos por 3 x 2. Tomazevich abriu o placar, aos 17′, para o Estrela Vermelha, Boniperti marcou duas vezes, empatando aos 25′ e virando o jogo aos 42′. Na segunda etapa, Mitic deixou tudo igual, em 2 x 2. Aos 40′, Praest fez o terceiro e deu a vitória ao Juventus.

JUVENTUS (ITA) 3 x 2 ESTRELA VERMELHA (IUG)
Juventus: Viola, Bertucelli, Marente, Mari, Parola, Piccinini, Muccinelli, John Hansen, Bonipert, Karl Hansen e Praest. Técnico: Jesse Craver
Estrela Vermelha: Lovric, Stankovich, Ditich, Palbi, Djurjevich, Djajich, Ogujanov, Mitic, Tomazevich, Ilakovitch (Zlatkovich), Vukosaljevich (Jezervich). Técnico: Lubisa Brocci
Estádio do Pacaembu – São Paulo-SP
Árbitro: Alberto da Gama Malcher (Brasil)
Gols
: Boniperti (25′, 1ºT), Boniperti (42′, 1ºT) e Karl Hansen (40′, 2ºT) marcaram para o Juventus
……….Tomazevich (17′, 1ºT) e   Mitic (15′, 2ºT) marcaram para o Estrela Vermelha

……

A segunda rodada teve duas partidas no dia 3 de Julho. Pelo Grupo A, o grupo do Rio de Janeiro, Sporting (POR) e Nacional (URU) jogaram no Maracanã, às 21h00. Aproximadamente 30 mil pessoas (21.642 pagantes – renda de CR$ 387.840,00)  assistiram à vitória do Nacional sobre o Sporting, por 3 x 2. Com essa vitória, conseguida no finalzinho de jogo, os uruguaios entravam na briga pela classificação.

NACIONAL (URU) 3 X 2 SPORTING (POR)
Nacional
: Penalva, Santamaria e Duran (Holley), Suarez, Washington Gomez, Vargin, Rosselo, Julio Perez (Javier Ambrois), Gimenez, Bermudez e Ramires. Técnico: Henrique Fernandez
Sporting: Azevedo, Serafim e Juvenal, Canário, Passos e Juca (Veríssimo), Jesus Correia, Vasquez, Patalino (Bem David), Travassos e Albano. Técnico: Randolph Galloway
Estádio Municipal do Rio de Janeiro – RJ
Árbitro: 
Galvatti (ITA)
Gols: Bermudez (12′,1ºT), Ramirez (30′, 2ºT), Javier Ambrois (43′, 2ºT) marcaram para o Nacional
……….Patalino (10′,1ºT), Jesus Correia (15′, 1ºT) marcaram para o Sporting

Disse a imprensa da época que foi um grande jogo. Jogo nervoso, extremamente viril, com expulsões, mas de muita luta e entusiasmo, e que o Sporting merecia ter empatado (depois da final da Copa, a torcida brasileira, claro, era praticamente toda para os portugueses, e muitos torcedores vaiaram os uruguaios durante a partida). Para se ter uma ideia, Julio Perez, jogador do Nacional, precisou ser substituído por causa do nervosismo excessivo. Nervosismo, que o próprio técnico afirmou ser o retrato do time em campo.

No dia seguinte, no jornal, além das informações sobre a tristeza que se abateu sobre a equipe do Sporting (POR) com a derrota para os uruguaios, no finalzinho de jogo (também, no final da partida, o português Bem David perdeu duas chances, na cara do gol), e sobre a declaração do jogador Azevedo, de que “nunca sentira tanto uma derrota”, havia também um relato emocionante sobre os vestiários uruguaios pós jogo. Relato que mostrava bem a importância do torneio mundial para clubes e jogadores:

“A entrada dos uruguaios no vestiário ofereceu uma nota emocionante. Lá se encontrava Julio Perez, que havia se retirado de campo devido ao seu intenso nervosismo, num momento, aliás, crítico para o seu bando. Isolado entre as paredes do vestiário, Julio Perez, o bravo e incansável artífice dos ataques do Nacional não soube exatamente o instante em que findara o “match”. Súbito, abrem-se bruscamente as portas e entram os companheiros, em tremenda algazarra, anunciando a vitória! Vitória em que Perez, a rigor, já descria… Encontramos o crack uruguaio em tremenda crise de nervos, que a emoção do triunfo e a festa dos companheiros lhe causaram:

– Julito! Julito!

Perez, no auge do entusiasmo, chorava de tanto contentamento. Tinha os olhos congestionados e o rosto umedecido de lágrimas. Os rapazes do Nacional, para evitar a insistência dos fotógrafos, cobriram Julio Perez com uma grande toalha. E lá, coberto e rodeado sempre pelos “players”, ficou sentado no banco, refugiou-se por fim nos chuveiros, até que desaparecessem os derradeiros vestígios, nos olhos vermelhos e na voz rouca,  das suas lágrimas e dos seus soluços… Refeito da violenta crise, Julio Perez, cordialmente, falou aos repórteres. Fôra uma partida duríssima, onde prevalecera mais a fibra. Confessou que jamais experimentara emoção como aquela: a vitória e as circunstâncias em que a conheceu…”
Jornal “Última Hora”, de 04 de Julho, de 1951, p.9. “Sob forte emoção, que o pôs fóra de jogo, Julio Perez chorou com a vitória.

A emoção e a vontade de vencer eram muito grandes no primeiro Torneio Mundial de Clubes Campeões…
………

Pelo Grupo B, o grupo de São Paulo, no Pacaembu, também às 21h00, jogaram Juventus (ITA) x Nice (FRA).  Não há registro do número de pessoas que assistiram à partida, só o da renda que foi de CR$ 200.995,00. O Juventus venceu o Nice por 3 x 2. Pasquale Vivolo abriu o placar para os italianos aos 11′ do primeiro tempo. Jean Courteaux empatou para os franceses aos 20′. Karl Praest colocou o Juventus em vantagem aos 35′. Na segunda etapa, Courteaux empatou de novo para o Nice, aos 15′. Aos 32′, Muccinelli marcou o terceiro e deu a vitória ao Juventus. Mas o Nice jogou bem e perdeu duas grandes chances com Ieso e uma com Ben Tifour, que, sozinho diante do gol, chutou por cima e muito alto. O Nice também reclamou da arbitragem. O auxiliar marcara “off-side” na jogada que resultou no primeiro gol do Juventus, mas o árbitro, confiando em sua própria percepção, validou o gol. Com duas vitórias, o time italiano ficava com uma das duas vagas do Grupo de São Paulo para as semifinais.

JUV (ITA) 3 x 2 NICE (FRA)
Juventus
: Viola, Bertucelli, Manente, Mari, Parola, Piccinini, Mucinelli, Karl Hansen, Pasquale Vivole, John Hansen e Karl Aage Praest. Técnico: Jesse Craver
Nice: Robert Germani; Serge Pedin e Mohamed Firoud; Jean Belver, Cesar Gonzalez e Rossi Leon; Jean Courteaux, Bonifaci Antoine (Ieso),  Désir Carre, Hjalmars Ake e Bentifur. Técnico: Numa Andoire
Estádio do Pacaembu – São Paulo-SP
Árbitro: Franz Grill (Áustria)
Gols: Pasquale Vivole (11′, 1ºT), Praest (35 ‘, 1ºT), Muccinelli (32’, 2ºT) marcaram para o Juventus
………Jean Courteaux (20′, 1ºT e aos 15′, 2ºT) marcou para o Nice.

 

Ainda pela segunda rodada, no dia 4 de Julho, o Vasco enfrentaria o Áustria, mas devido ao frio e mau tempo, a partida foi remarcada para o dia seguinte. E se já havia grande interesse no jogo por parte dos torcedores, as 24 horas extras de espera aumentaram esse interesse ainda mais.

As duas equipes vinham de goleadas aplicadas em seus adversários anteriores. Mais de 100 mil pessoas  (93.833 pagantes – renda: CR$ 2.615.000,00) assistiram à partida. E o Vasco, sem Ademir (ele não se recuperaria a tempo de disputar o torneio mundial) venceu o Áustria por 5 x 1. Mas foi o austríaco Melchior I, cobrindo o goleiro Barbosa, quem abriu o placar no Maracanã, aos 10′. Aos 15′, Friaça empatou a partida, aos 21′, o mesmo Friaça virou o jogo, colocando o Vasco à frente no marcador. Ainda no primeiro tempo, Tesourinha fez o terceiro dos brasileiros. Na segunda etapa, Friaça aos 18′ e aos 39′ assinou a goleada brasileira e colocou o Vasco na semifinal.

VASCO 5 X 1 ÁUSTRIA (AUS)
Vasco:
 Barbosa; Laerte e Clarel; Eli, Danilo e Alfredo; Tesoura (Noca), Ipojucan, Friaça, Maneca (Tesoura) e Djair. Técnico: Oto Glória
Áustria: Schweda (Plovs); Melchior II e Kowanz; Fischer, Ocwirck e Jocksen; Melchior I, Koller (Kominac), Huber, Stoyassat e Aurednick. Técnico: Heinrich “Wudi” Müller.
Estádio Municipal do Rio de Janeiro – Maracanã
Árbitro: Mr. Power (ING)
Gols: Melchior I (10′, 1ºT) ; Friaça (15′  e 21′, 1ºT); Tesourinha (1ºT),  Friaça  (18′  e 39′, 2ºT)
………

Completando a segunda rodada, com jogo remarcado para o dia 5 também, o Pacaembu recebeu Palmeiras x Estrela Vermelha (IUG). A previsão era a de uma noite muito fria em terras paulistanas. Liminha e Rodrigues estavam escalados.

……………

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O Alviverde Imponente ia em busca da sua segunda vitória e da classificação no grupo. E o Palmeiras venceu os iugoslavos por 2 x 1, mas levou um susto quando Ongjanov abriu o placar para o Estrela Vermelha, aos 8′ do primeiro tempo. Aquiles empatou o jogo aos 30′. Na segunda etapa, aos 35′, Liminha, que tivera problemas de gastrite e se recuperara para a partida, marcou o  segundo e selou a classificação do Palmeiras. A nota preocupante foi Jair, machucado, ter que ser substituído antes do término do jogo. E justo ele, que vinha ganhando destaque no campeonato.

PALMEIRAS 2 X 1 ESTRELA VERMELHA (IUG)
Palmeiras
: Oberdan; Salvador e Juvenal; Waldemar Fiúme, Luiz Villa e Dema; Lima, Aquiles, Liminha, Jair Rosa Pinto e Canhotinho (Rodrigues). Técnico: Ventura Cambon.
Estrela Vermelha: Krivokuca Srboljuc; Tadic e Stankovi Branko; Palfi Bena, Duratinec e M. Disuic; Ognjanov, Mitic Raiko, Tomasevic Kosta, Djajic Predrag e Vukosavljevic Bane. Técnico: Lubisa Brocci.
Estádio do Pacaembu – São Paulo-SP
Árbitro: Gabriel Tordjan (França)
Gols: Ongjanov (8’ do 1ºT), Aquiles (30’ do 1ºT) e Liminha (35’ do 2ºT)

………

A terceira e última rodada da fase de grupos seria disputada nos dias 07 e 08 daquele Julho de tantas e imensas emoções…
………

No Maracanã, no dia 07, se enfrentaram Sporting (POR) x Áustria (AUS). Não há registro do número de pessoas que assistiram à partida, só o da renda que foi de CR$ 339.895,00. A segunda vaga no grupo ainda estava disponível. Áustria, Nacional e até mesmo o Sporting, dependendo de uma combinação de resultados, tinham chances de ir para a semifinal. Por isso as partidas eram importantes. E o Áustria venceu o Sporting por 2 x 1.

SPORTING (POR) 1 X 2 ÁUSTRIA (AUS)
Áustria
: Paul Schweda; Oto Melchior e Karl Kowanz; Fischer, Ernst Ocwirk e Joksch; Karl Melchior, Koller (Koelin), Adolf Huber, Ernst Stojaspal e Lukas Aurednick. Técnico: Heinrich “Wudi” Müller.
Sporting: Azevedo; Serafim e Juvenal; Canário, Passos e Barros; Jesus Correia, Vasquez (Vieira), Patalino, Travassos e Albano. Técnico: Randolph Galloway
Estádio Municipal do Rio de Janeiro-RJ (Maracanã)
Árbitro: Mika Popovic (Iugoslávia)
Gols: Auredinick abriu o placar para os austríacos no primeiro tempo; na segunda etapa, Albano empatou para o Sporting; Huber fez 2 x 1 e praticamente colocou o Áustria na semifinal.
………

Pela chave de São Paulo, no Grupo B, a partida foi Nice x Estrela Vermelha. As duas equipes já não tinham mais chances de classificação. O Nice venceu a partida por 2 x 1. Não há registro do número de pessoas que assistiram à partida, só o da renda do jogo que foi de CR$ 198.800,00

ESTRELA VERMELHA (IUG) 1 X 2 NICE (FRA)
Estrela Vermelha
: Krivokuca; Tadic  e Djakic (Nesovich); Palfi, Djurdjevic e Djajic; Tihomir, Ognjanov, Rajko Mitic, Zlatkovic, Knstic e Jezerka. Técnico: Lubisa Brocci
Nice: Germain; Rossi e Firoud; Bonifaci, Gonzalez e Beiver (Pedine); Corteaux, Ieso, Pär Bengtsson, Carrè (Cartidia) e Abdelaziz Ben Tifour – Técnico: Numa Andoire
Estádio do Pacaembu – São Paulo-SP
Árbitro: Mario Viana (Brasil)
Gols: Rajko Mitic (1′, 2ºT) marcou para os iugoslavos,  Ben Tifour (4′, 2ºT) e Pär Bengtsson, de pênalti (2º T), marcaram para o Nice.

Nesse jogo em que as duas equipes, já eliminadas, se despediam do Torneio Mundial de Clubes Campeões, houve uma ocorrência: O goleiro Krivokuca, do Estrela Vermelha, empurrou o juiz  juiz brasileiro, Mario Viana, e cuspiu em seu rosto, porém, ele não foi expulso de campo.
………

Completando a terceira e última rodada da fase de grupos, no dia 08 de Julho, Vasco e Palmeiras, já classificados, enfrentariam os representantes de dois países bicampeões mundiais: Uruguai e Itália. O Uruguai tinha conquistado a Jules Rimet em 1930 e 1950, e a Itália se sagrara campeã em 1934 e 1938. Estaria em disputa também a primeira colocação nos grupos. Era Brasil x Uruguai, no Rio; Brasil x Itália, em São Paulo…

A partida do Grupo do Rio de Janeiro era muito aguardada. O Vasco, a base da seleção vice-campeã do mundo de 50, enfrentaria o Nacional, campeão uruguaio, e representante do país que tomara do Brasil a Taça Jules Rimet, há menos de um ano… O público pagante foi de 61.766, para uma renda de CR$ 1.532.120,00. O Nacional tinha esperanças de vencer o Vasco (dizia-se na época, que seus dirigentes, confiantes em uma vitória, e em uma possível classificação, haviam até reservado um  hotel para o restante do torneio). Mas quem venceu o jogo, por 2 x 1, foi o Vasco, acabando com as pretensões dos uruguaios, consolidando a sua classificação e ficando em primeiro em seu grupo.

VASCO DA GAMA 2 X 1 NACIONAL
Vasco: 
Barbosa; Augusto e Clarel; Eli, Danilo Alvim e Alfredo; Tesourinha, Ipojucan (Amorim), Friaça, Maneca e Dejair. Técnico: Oto Glória.
Nacional: Penalva; Santamaria e Holdoway; Duran, Washington Gomez e Varela; Rosselo (Ramiro), Julio Perez (Ambrois), Gimenez, Bermudez e Orlandi. Técnico: Henrique Fernandez.
Estádio Municipal do Rio de Janeiro – RJ (Maracanã)
Árbitro
: Power (Inglaterra)
Assistente 1: Franz Grill (Áustria)
Assistente 2: Gabriel Tordjan (França)
Gols: Djair (36′, 1ºT), Ipojucan (23′, 2ºT), não há registro sobre o autor do gol do Nacional.
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Da mesma maneira, era grande o interesse na partida do Grupo de São Paulo entre Palmeiras e Juventus (ITA). Muito embora as duas equipes já estivessem classificadas, estava em jogo a liderança do grupo, uma vez que o líder enfrentaria o segundo colocado do Grupo do Rio de Janeiro nas semifinais, e o segundo colocado enfrentaria o Vasco.

O Pacaembu estava lotado. 37.639 eram os pagantes – Renda: Cr$ 1.120.905,00. O Palmeiras foi a campo com uma formação diferente, sem três titulares – Jair, um desfalque e tanto, tinha saído machucado no jogo anterior, foi banco naquela partida e atuou só em parte da segunda etapa, o zagueiro Salvador e o atacante Luiz Villa  não jogaram -,  e deu tudo errado para o Palmeiras. O Juventus, que tinha uma defesa muito boa, sólida, mas também tinha atacantes perigosos, venceu por 4 x 0. Boniperti, aos 10′ e aos 18′ do primeiro tempo, deixou o Juventus com 2 x 0 no placar.  Na segunda etapa, os 3′, Karl Hansen marcou o terceiro, Praest, aos 35′, deu números finais ao placar fazendo o quarto gol. Pra desgosto dos brasileiros, que esperavam que Palmeiras e Vasco pudessem ser os dois finalistas, os representantes do Brasil no mundial de clubes iriam se enfrentar na semifinal e só um seguiria em frente – as glórias palestrinas sempre parecem preferir percorrer os caminhos mais difíceis… Juventus e Áustria decidiriam a outra vaga na final.

PALMEIRAS 0 X 4 JUVENTUS (ITA)
Palmeiras
: Oberdan; Sarno e Juvenal; Waldemar Fiúme, Túlio e Dema; Lima, Aquiles (Ponce de Leon), Liminha, Canhotinho (Jair Rosa Pinto) e Rodrigues. Técnico: Ventura Cambon.
Juventus: Viola; Bertucceli e Manente; Mari, Parola e Piccinini; Muccinelli, Karl Hansen, Boniperti, Johan Hansen (Vivole) e Praest. Técnico: Jesse Carver.
Estádio do Pacaembu. São Paulo-SP
Árbitro: Edward Graigh (Inglaterra)
Assistente 1: Gardeli (Itália)
Assistente 2: Mika Popovic (Iugoslávia)
Gols: Boniperti (10’ do 1ºT), Boniperti (18’ do 1ºT), Karl Hansen (3’ do 2ºT) e Praest (35’ do 2ºT)

Fim da fase de Grupos… Os clubes classificados já estavam definidos… Palmeiras e Juventus, do grupo de São Paulo, enfrentariam Vasco e Áustria,  do grupo do Rio de Janeiro.

A sorte estava lançada, uma equipe brasileira estaria na final… Palmeiras ou Vasco representariam o Brasil na decisão do primeiro Torneio Mundial de Clubes Campeões. Palmeiras ou Vasco iriam em busca do título que faltava ao Brasil… Uma felicidade, inédita, novinha em folha, daquelas de estremecer e emocionar um país inteiro, já espreitava os torcedores brasileiros…

VI – O MUNDIAL ESTÁ ÀS PORTAS

“O tempo dirá tudo à posteridade. É um falador. Fala mesmo quando nada se pergunta” – Eurípedes

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Em poucos dias, o mundial começaria… Oito times de sete países lutariam por uma taça… a mais valiosa taça que qualquer clube de futebol poderia desejar… a de campeão do mundo…

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A tabela do torneio ficou pronta:  Vasco da Gama, Sporting (POR), Nacional (URU) e Áustria Viena (AUS) no grupo A, o Grupo do Rio de Janeiro; Palmeiras, Juventus (ITA), Estrela Vermelha (IUG) e Olympique Nice (FRA) no grupo B, o Grupo de São Paulo.

Na abertura do Mundial de Clubes Campeões, que seria no dia 30 de Junho, um sábado, Áustria Viena x Nacional  jogariam no  Maracanã; Palmeiras x Olympique Nice, no Pacaembu. No domingo, 01 de Julho, no Maracanã, o Vasco enfrentaria o Sporting; pelo outro grupo jogariam Juventus e Estrela Vermelha.

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Os alojamentos das delegações já estavam reservados. O mapa com a lista de hotéis que hospedariam as delegações foi divulgado: RIO – Áustria, Hotel Riviera; Uruguai, Paissandú Hotel; Sporting, Hotel Paineiras. SÃO PAULO – Juventus, Hotel São Paulo; Olympique Nice, City Hotel; Estrela Vermelha, City Hotel.

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Para que o  Sporting, que era a base da seleção de Portugal, pudesse se preparar bem para a “Copa Rio”, seus “scratch men” (os jogadores da seleção) tinham sido dispensados da seleção lusa para que pudessem treinar convenientemente para o torneio.

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O Palmeiras que, nos primeiros meses de 51, também conquistara o Torneio Rio-São Paulo e a Taça Cidade de São Paulo, nesse mês de Junho, ainda iria fazer alguns amistosos antes da estreia no mundial – ele venceria o Arsenal (ING) por 3 x 1, empataria com o Portsmouth (ING) em 1 x 1 e,  seis dias antes de o torneio tão aguardado iniciar, e enquanto o técnico Ventura Cambón afinava a orquestra verde para os “concertos” que viriam, o Palmeiras venceria o Jabaquara por 7 x 1, pelo Campeonato Paulista-51 que se iniciava,  e que seria paralisado em seguida para o início do Mundial.

Os outros concorrentes do Torneio Mundial de Campeões também jogavam lá na Europa. E as notícias diziam que eles estavam em grande forma.

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Irineu Chaves, Superintendente da CBD revelava a previsão dos custos com o Torneio Mundial dos Campeões…  mais de quinze milhões de cruzeiros. Uma iniciativa semelhante à Copa do Mundo, que teria custo semelhante…

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Eram notícias e mais notícias sobre o mundial, sobre os times, os jogadores, a tabela, os prognósticos, a taça que seria ofertada ao campeão, as datas de chegada das delegações… Em 22 de Junho, o jornal destacava o centro médio Parola e o centroavante Boniperti, como as figuras de grande expressão do time do Juventus(ITA), e que seriam vistos no curso do Torneio Mundial de Clubes Campeões.

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Em meio a muita ansiedade e agitação a semana da abertura do torneio finalmente chegara… Sim, o Brasil estava em plena semana do Torneio Mundial. A expectativa era enorme, o clima era de festa… era como se fosse Copa do Mundo outra vez… Maracanã e Pacaembu iriam receber os jogos do primeiro Torneio Mundial de Clubes Campeões. E os brasileiros iriam sentir de novo as emoções do Campeonato do Mundo.

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Na confederação, o clima era de “Copa do Mundo” antes mesmo de o torneio começar…


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Os campeões europeus começavam a chegar… O Austria, trazendo em sua delegação a base da seleção austríaca, foi a primeira delegação a desembarcar no Galeão, e o time treinou no campo do Flamengo depois de os jogadores terem ido assistir à partida entre Fluminense x América… As outras delegações continuavam sendo muito aguardadas.


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E sem que fosse preciso esperar muito as demais delegações chegariam… a do Nacional – dos simpáticos campeões uruguaios, como dizia o jornal, tinha chegado no sábado (mesmo sendo bem recente a final da Copa do Mundo, não era ironia o adjetivo “simpáticos” na notícia); as do Áustria, Juventus e Olympique Nice já tinham chegado também. No domingo, o Estrela Vermelha (com 8 jogadores da seleção iugoslava) chegaria pela manhã, o Sporting chegaria à noite… Juventus, Nice  e Estrela Vermelha, do grupo do Palmeiras, rumariam para São Paulo. O Rio de Janeiro era uma empolgação só a cada desembarque no Galeão.

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As novidades eram muitas, todos os dias. A alegria dos brasileiros também era muita, era contagiante, a sua expectativa era maior ainda… De novo, uma outra “copa do mundo” no Brasil… de novo, a chance de o Brasil conquistar esse título. O título que faltava ao maravilhoso e respeitadíssimo futebol brasileiro. Era uma segunda chance, e dessa vez, tinha que dar certo. Vasco ou Palmeiras haveriam de conseguir o que a seleção deixara escapar na Copa Jules Rimet – era o que, confiantes, pensavam todos os brasileiros, e boa parte dos brasileiros achava que o Vasco, por ser a base da seleção de 50, ficaria com a taça.

Até a “Rainha do Rádio”, a cantora Dalva de Oliveira, profetizava que o Vasco seria o campeão… E a CBD decidia que haveria rodízio apenas para os concorrentes estrangeiros no Torneio Mundial de Campeões. O Vasco jogaria só no Rio de Janeiro, no Estádio Municipal; o Palmeiras jogaria só em São Paulo, no Pacaembu. No entanto, as finais seriam no Rio.

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A realidade do Mundial de Clubes era cada vez mais palpável… Nas notícias do “Correio da Manhã”, de 27/06/51, a informação para os torcedores era a de que no dia seguinte começaria a venda de ingressos para o Torneio Mundial de Clubes Campeões (Copa Rio). A Administração do Estádio Municipal, visando atender melhor a todos os que quisessem assistir à partida inaugural entre Nacional e Áustria, no sábado, resolvera colocar vários postos de venda na cidade e no subúrbio. Doze postos seriam instalados para atender aos torcedores.

Uma outra notícia, na mesma página, dizia que a delegação do Juventus, que tinha permanecido no Galeão até as 15h00, já tinha rumado para São Paulo e esperava poder fazer dois coletivos antes da estreia, na segunda rodada. Os paulistas, só na expectativa para a chegada dos adversários do Palmeiras…

E para os palmeirenses, para os vascaínos, para os brasileiros todos, quando se falava em Torneio Mundial, se falava no sonho de se conquistar a cobiçada taça, a taça que seria levantada por mãos campeãs… O Brasil sonhava com esse momento de levantar uma taça de campeão mundial,  de levantar a “Copa Rio”, o troféu a ser disputado no Torneio Mundial de Clubes Campeões, e que seria ofertado pela Prefeitura do Distrito Federal.

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E a taça, linda, confeccionada toda em prata, ficou pronta finalmente… e os que a viram disseram se tratar de amor à primeira vista… E antes de a “Copa Rio” ser entregue à CBD, um representante do prefeito apresentou-a a Mario Filho, o proprietário do “Jornal dos Sports” e idealizador do Torneio Mundial de Clubes Campeões.

“COPA RIO” AO VENCEDOR DO TORNEIO MUNDIAL DE CLUBES CAMPEÕES

 

João Carlos Vital, o prefeito, fez a entrega solene da “Copa Rio” aos dirigentes da CBD. O jornal dizia que pela expressão dos participantes, pelos expoentes do futebol mundial que participariam do torneio, ele poderia e deveria ser considerado mesmo uma nova Copa do Mundo. Dizia também que era com esse espírito de Copa do Mundo que os austríacos, iugoslavos, franceses e italianos, por exemplo, tinham vindo disputar o Campeonato Mundial de Clubes, idealizado por Mário Filho – os italianos, aliás, chegavam com disposição para reabilitar a própria “Azzurra”. E os uruguaios, do Nacional, já haviam declarado amor à Copa Rio, e achavam que ela faria muito boa companhia ao lado da Taça Jules Rimet –  que fazia pouco tempo o Uruguai conquistara aqui no Brasil.

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A tabela definitiva do Torneio Mundial de Clubes Campeões (Jornal dos Sports, 26/06/51) estava pronta e os torcedores já sabiam de “cor e salteado” quem jogaria contra quem e quais seriam os horários dos jogos em todas as fases da competição. Cada uma das duas rodadas da semifinal teria um jogo no Rio e outro em São Paulo, em mesmo dia e mesmo horário.

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A atmosfera de otimismo – até demais – pairava entre os brasileiros, todos acreditavam piamente na conquista do Mundial de Clubes pelo Brasil, por Vasco ou Palmeiras,  e um membro do Conselho Nacional dos Desportos, o Sr. Sylvio Mello Leitão, vendo esse otimismo exagerado dos torcedores (até hoje, 2018,  brasileiros são assim), e lembrando do recente e imenso desgosto na Copa do Mundo, alertava:

Às vésperas do mundial de clubes e justamente nas vésperas do mundial de clubes o ambiente era o mesmo da Copa do ano anterior, o mesmo que antecedeu aquele fatídico 16 de Julho… só se falava em vitória. O Brasil ansiava por essa conquista. Mas, com a situação tão semelhante, com o país em clima de uma nova “copa do mundo”,  era impossível não lembrar… impossível não sentir algum receio… a derrota da seleção brasileira na final da Copa Jules Rimet era ferida aberta ainda… e sangrava…

O jornal “A Noite”, do dia 29, trazia a informação de que a COMISSÃO DE IMPRENSA do Torneio Mundial de Clubes Campeões (Taça Rio) tornara público que seria exercida severa fiscalização no sentido de se evitar que pessoas estranhas à profissão tivessem acesso à tribuna do Estádio Municipal reservada à imprensa. Informava ainda que o ingresso de senhoras e senhoritas naquele recinto só seria permitido com a apresentação de carteira funcional.

Era o torneio mais importante depois da Copa do Mundo, era o primeiro Torneio Mundial de Clubes da história, e algumas das melhores equipes do mundo estariam participando, equipes de vários países, de países campeões do mundo, inclusive… por tudo isso, pela responsabilidade de o Brasil sediar o primeiro mundial, os brasileiros tentavam antever quaisquer problemas que pudessem ocorrer (na final da Copa do Mundo, estimou-se que aproximadamente  50 mil  “não pagantes” estiveram no Estádio Municipal do Rio de Janeiro).
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Era véspera da abertura do Torneio dos Campeões, e os torcedores do Vasco, que temiam que a sua equipe não pudesse contar com Ademir, o Magnífico, receberam boas notícias nesse dia. O técnico Oto Glória tinha informações de que o atleta, que estava lesionado, acusava animadoras melhoras, e o médico, Dr Giffoni, já admitia a hipótese de se antecipar a sua volta aos gramados. Oto Glória confirmaria ao jornal “A Noite” que continuava contando com a participação de Ademir, ainda na fase de classificação, para o jogo contra o Nacional. Os vascaínos torciam para que pudessem contar com o seu craque.

Para tranquilizar a torcida, até a imagem de uma radiografia do pé de Ademir foi publicada no jornal “Última Hora”, no dia 29/06, véspera da abertura do Mundial de Clubes Campeões.
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O Juventus, que chegara com cinco jogadores da seleção italiana e um da seleção sueca, também trazia a sua força máxima para o campeonato mundial de campeões (não tinha sido à toa que Barassi preferira o Juventus)…

Ieso, o brasileiro, que era craque na França, no Nice, avisava para tomarem cuidado com o time do Juventus (o Juventus acabaria mostrando que ele tinha razão)… Segundo ele, o time italiano era um grande perigo e ia impressionar o público brasileiro. Mais do que isso, ia concorrer com grandes possibilidades à “Copa Rio”. E ele advertia: “Abram os olhos com o futebol italiano; está passando por uma fase brilhantíssima, está se recuperando completamente (da fraca campanha na “Taça do Mundo”) – Jornal “Última Hora”, 29/06/51 – pág.8 – “Todo cuidado é pouco com o Juventus”.

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Aquele dia, que parecia não passar nunca, iria dormir sexta-feira e acordar sábado… do tão aguardado torneio mundial… A “Copa Rio” ia começar… 

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O Palmeiras, por sua vez – que nem imaginava o trabalho que iria ter com o Juventus, que nem imaginava a história, linda, que o Juventus iria ajudá-lo a escrever – estaria completo na estreia. E já estava escalado por Ventura Cambón com Oberdan, Juvenal, Palante, Valdemar Fiume, Luiz Vila, Dema, Aquilles, Ponce de Leon, Jair e Rodrigues – conheci a esposa de Palante, e conversei muito com ela, em alguns dos aniversários de Oberdan.

Era assim que tinha que ser. Pela grandeza do torneio, seria excelente que todos os participantes estivessem completos – tomara Ademir se recuperasse bem e em tempo pra jogar. O Brasil precisava que Palmeiras e Vasco, diante de fortes adversários estrangeiros, fossem a campo com as suas melhores formações porque o futebol brasileiro tinha um título cobiçadíssimo para conquistar…

O Mundial de Clubes ia começar… Nacional e Austria Wien se enfrentariam no Maracanã; Palmeiras e Nice seria a partida do Pacaembu. O Brasil faria a sua estreia na “Copa Rio”… e estava em jogo na “Copa Rio” um título de campeão do mundo (Jornal dos Sports, 22/06/51)…

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E naquela noite de 29 de Junho de 1951, o sono custaria a chegar para os brasileiros, para os palmeirenses, principalmente… Uma noite apenas e seria o dia da estreia. Agora ia ser pra valer. O Palmeiras seria o primeiro dos brasileiros a entrar em campo…

No escuro, de olhos fechados, mas ainda bem acordados, certamente os jogadores do Palmeiras sonhavam com a primeira vitória, imaginavam a hora de entrar em campo diante de seus torcedores, imaginavam o jogo, imaginavam lances, jogadas, gols… Oberdan provavelmente imaginava como  se defenderia dos atacantes franceses… e do brasileiro, ex-jogador de Palmeiras e São Paulo, Yeso Amalfi, que fazia um sucesso enorme na França e era considerado o “deus do estádio” por lá… Ventura Cambon certamente pensava na melhor maneira de fazer seus comandados se imporem diante dos franceses, de impedirem os adversários de chegar até a meta de Oberdan, de driblar o nervosismo e a ansiedade da sua equipe na estreia…. certamente ele sonhava com o Palmeiras jogando o que sabia e podia, indo em busca da sua quarta estrela… Os torcedores palmeirenses sonhavam com gritos de gol, com abraços, aplausos… meu pai (e claro que ele iria ao jogo) certamente sonhava com a vitória do seu time de coração…

No dia seguinte, quando a bola rolasse, o Palmeiras,  cheio de esperanças,  e sem se dar conta do muito que a vida lhe reservava naquele torneio, começaria a escrever uma das páginas mais lindas da sua história, da história do futebol brasileiro e mundial…

 

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V – E JUNHO CHEGOU

“Para onde quer que fores, vai todo, leva junto teu coração” – Confúcio

O coração dos brasileiros se apertava, e era bem grande a empolgação. Junho conduziria os brasileiros ao torneio mundial, a mais um torneio mundial no Brasil… Muitos já sentiam aquele friozinho na barriga quando pensavam na competição. Meu pai, que iria, claro, assistir aos jogos do Verdão no Pacaembu, certamente, já pensava na possibilidade de assistir à final caso o Palmeiras chegasse até ela (mesmo sem nunca ter perguntado isso a ele  – e agora não posso mais fazê-lo -, tenho certeza que ele acreditava piamente que o Palmeiras estaria na final). Muito provavelmente, naquele início de Junho, ele e os amigos que foram ao RJ também, já faziam planos para uma possível viagem – outro dia mesmo, minha mãe, com quem eu falava sobre essa postagem, me contou sobre as pessoas que foram ao Rio de Janeiro com ele na ocasião.

A hora estava chegando… A “Copa Rio”, verdadeiro Campeonato Mundial de campeões logo começaria…

E, por decisão da Associação Uruguaia de Futebol, o Nacional confirmava presença no torneio…

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E porque o Nacional participaria do  Mundial de Clubes, o campeonato uruguaio também seria paralisado durante a disputa (mas que “torneiozinho sem expressão”… Paralisaria até o campeonato do Uruguai, o país que acabara de ser campeão do mundo), e haviam negociações em andamento para a realização, em Montevidéu, e durante o torneio aqui no Brasil, de uma série de partidas entre clubes orientais (clubes uruguaios) e brasileiros. O Corinthians já havia aceitado a proposta para se exibir em Montevidéu no que seria o seu primeiro amistoso fora do país (seria um amistoso de “fax”?), e Bangu, América e outros clubes nacionais estudavam o assunto. Um representante da CBF seguiria para a capital uruguaia para acertar em definitivo essas negociações.

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Antes mesmo que a tabela ficasse realmente pronta,  já noticiavam…  O Vasco, no dia 30 de Junho, enfrentaria o Sporting, de Portugal, na abertura do Torneio Mundial de Campeões, pela chave do Rio de Janeiro. Na chave de São Paulo, o Palmeiras, no mesmo dia, enfrentaria um time italiano. Pensava-se que seria o Milan, no entanto, o campeonato italiano só terminaria na segunda quinzena de Junho – o Milan já tinha acertado anteriormente que disputaria a Copa Latina, que seria na Itália naquele ano –  e, antes disso, Barassi, que também era presidente da Federação Italiana,  acabaria preferindo, convidando e se acertando com o Juventus, o campeão de 50, com vários jogadores da seleção italiana, e que já tinha conquistado oito campeonatos italianos contra três do Milan (o Milan conquistaria o seu quarto título em 51).

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E, então, depois de alguns dias, Barassi finalmente definiria todos os participantes do primeiro mundial de clubes. Além de Palmeiras e Vasco, seis campeões estrangeiros participariam da disputa. Eram eles:

Nacional (URU) – Campeão uruguaio de 1950 (batera o Peñarol, a base da seleção que conquistara a Copa no Brasil), e possuía 9 conquistas no campeonato do Uruguai.
Sporting (POR) – Campeão português de 1951, dez vezes campeão nacional (na última década, tinha sido campeão em 41/44/47/48/49/50),  sendo o representante designado pela federação portuguesa.
Juventus (ITA) – Campeão italiano da temporada 49/50, com 8 conquistas no campeonato nacional, e que tinha em seu elenco 7 jogadores da Azzurra e um da seleção sueca, e fora designado pelo próprio Barassi,  presidente da Federação Italiana, para representar o futebol de seu país no torneio.
Olympique Nice (FRA) – Campeão francês da temporada 50/51, o melhor clube da França, onde jogava o popular Ieso Amalfi, o brasileiro que era o astro número 1 do futebol francês naquela temporada.
Estrela Vermelha (IUG) – ele não era o campeão iugoslavo de 50 – acabaria se tornando o campeão de 51 -, mas era o Tricampeão da Copa da Iugoslávia (48/49/50), além de ser a base da seleção que estivera no Brasil na Copa de 50, e fora designado pela própria Federação de Belgrado como o representante melhor qualificado do futebol iugoslavo.
Austria Wien (AUS) – Bicampeão austríaco (48/49 e 49/50), quatro vezes campeão da Áustria, tinha em sua equipe 10 jogadores que integravam a seleção austríaca – o Rapid Viena era o campeão de 50/51, mas, por problemas ocasionados em outras competições, a CBF o vetara e Barassi nem sequer o convidara – Diário da Noite, 06/51.

E com essas equipes já acertadas para o torneio, a imprensa alertava: “Nada de otimismo exagerado para o Mundial de Campeões”.  Mesmo com muitos triunfos internacionais dos clubes brasileiros diante de clubes estrangeiros, mesmo com o futebol brasileiro atravessando um período áureo, não se podia achar que estava tudo azul… e que o título de campeão mundial de clubes já estava no papo.

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E tudo ia se acertando, se encaixando… as providências todas iam sendo tomadas… E formavam-se as comissões para o Torneio Mundial dos Campeões.

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A Comissão de Imprensa também seria formada e, para isso, estariam reunidos na sede da Confederação Brasileira de Desportos (CBD) os cronistas credenciados.

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O Ministro das Relações Exteriores do Brasil telegrafaria para todos os embaixadores brasileiros em países cujos campeões participariam do Torneio Mundial, para que facilitassem no que fosse necessário as citadas delegações.

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Os gastos com a Copa Rio, segundo informava a CBD, atingiam cerca de 12 milhões de cruzeiros. Os dirigentes esperavam lucros com o torneio, mas havia os que profetizavam (eles existem em qualquer época) que o torneio daria prejuízo – se ele seria um torneio rentável parecia ser uma das coisas que a Fifa queria observar nesse primeiro mundial.

Enquanto o país todo acompanhava e aguardava o torneio,  Rio e São Paulo fervilhavam de ansiedade, aguardando a chegada das delegações. Palmeirenses, vascaínos e os demais torcedores brasileiros não viam a hora de ver a bola rolando no mundial de clubes. Os jogadores de Palmeiras e Vasco  não viam a hora de entrar em campo.

A CBD e a FIFA, repetindo a decisão da Copa do Mundo, oficializaram a bola para a Copa Rio… A SUPERBALL, a mesma bola utilizada na Copa do Mundo, seria a bola oficial no 1º Torneio Mundial de Campeões (Ainnn, mas não era mundial). E, para atender ao regulamento, Maurício Fucks foi pesar e medir as  “Superballs” e colocar a sua assinatura em cada uma delas.

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Havia gente da imprensa que procurava desmerecer o Mundial de Clubes, desmerecer as equipes estrangeiras que iam participar do torneio… Havia um jornal, ou melhor,  havia um cronista, que não assinava o que escrevia (devia ser avô de algum desses “jornaleiros” atuais), que tentava confundir o fato de o Torneio Mundial de Clubes Campeões também ser chamado pelo nome do seu troféu, “Copa Rio”, como se o segundo anulasse o primeiro (da mesma forma que, levianamente – ou por ignorância – fazem alguns agora, quase 70 anos depois), havia quem achasse que não deveria mais ser considerado um torneio mundial. E Mario Filho – o idealizador do torneio -, em sua coluna no jornal,  esclareceria os fatos e o ‘certo cronista’…

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“O campeonato do mundo de futebol é Taça Jules Rimet. O campeonato mundial de clubes  é “Taça Rio”. Só que o campeonato mundial de Futebol já foi “Coupe du Monde”, e o campeonato mundial de clubes nunca deixou de ser “Copa Rio”. “COPA RIO” É O NOME DA TAÇA. Sempre se chamou o mundial de clubes de “Copa Rio” e “Copa Rio” de mundial de clubes” , Mário Filho.  – Duas notas sobre o mundial de clubes ou “Copa Rio”, Jornal dos Sports, 16 de Junho de 1951.

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Mas são “juquinhas” da vida que, quase 70 anos depois, juram que sabem mais sobre o torneio do que o jornalista que o idealizou e que apresentou a ideia do torneio aos dirigentes da FIFA, juram que sabem mais do que as notícias contaram sobre o torneio na época em que ele aconteceu.

Não havia no mundo um torneio entre clubes que fosse mais importante do que a “Copa Rio”. Em importância no cenário futebolístico só a Copa do Mundo era maior do que o mundial de clubes que estava sendo organizado no Brasil. E Mario Filho contava em sua coluna, que tinha encontrado um aliado em Ottorino Barassi, que o dirigente via o estádio com os mesmos olhos dele, Mario Filho. E quando ele falara com Barassi sobre o mundial de clubes, antes de dizer “sim” ou “não”, Barassi lhe perguntara quanto ele achava que renderia o campeonato do mundo. E quando Mario Filho respondeu que renderia uns 40 milhões, Barassi, então, lhe apertara a mão.
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Sim, a Copa do Mundo de seleções era o torneio de maior expressão no planeta. E, por isso mesmo, alguns membros da Fifa temeram que esta nova competição de relevo mundial, por levar o nome de mundial também, prejudicasse o sucesso das futuras Copas do Mundo (Taça Jules Rimet), lhes tirasse algum brilho – a Copa do Mundo era, e tinha que continuar sendo, a maior e mais importante competição do planeta -, mas fora o próprio presidente da FIFA, Jules Rimet (o Jornal dos Sports publicaria isso depois), quem afirmara que não havia motivo para tantos receios.


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Era um mundial de clubes desde que fora idealizado, concebido – as notícias dos jornais, de vários jornais diferentes, nos contam essa história. O primeiro mundial de clubes a ser realizado. E era no Brasil… E o Brasil, que ainda não conquistara nenhum título mundial, e ansiava por uma conquista assim, aguardava e contava as horas para o início do torneio…

“Pronto. Está tudo feito. Agora é esperar que esses poucos, pouquíssimos dias se escoem. Cada meia-noite passada, sendo um dia a menos. E então começará a romaria diária ao aeroporto do Galeão. Será a chegada dos concorrentes ao torneio mundial dos campeões. Candidatos à primeira posse da Copa Rio. Uruguaios, italianos, franceses, iugoslavos, austríacos, portugueses. Sim, também os portugueses. Para alegria de quantias que ansiavam por uma reaproximação que já estava tardando. Iremos, pois, uma porção de vezes ao aeroporto para receber os nossos hóspedes. Seis clubes estrangeiros. Meia dúzia que, com nossos Vasco e Palmeiras, totalizarão oito concorrentes ao primeiro Torneio Mundial de Clubes Campeões. Tal como havia sido previsto. Pensara-se inicialmente em oito, mesmo antes da Copa do Mundo de cincoenta. E oito são os que virão.

Não foi sopa, porém, para trazer ao Rio esses oito concorrentes. Que o diga Ottorino Barassi, o operoso dirigente da Federação Italiana e da FIFA. O Herbert Moses do futebol internacional pela faculdade de onipresença. Teve de andar de Herodes para Pilatos a fim de não fracassar.  Parecia até o combinado São Paulo-Bangu, hoje aqui, amanhã ali. E como Barassi é homem que não está acostumado a fracassar, teve de meter os peitos. Afinal, conseguindo resolver tudo a contento. E ninguém poderá negar o mérito que esse italiano teve para um certame praticamente já vitorioso. Porque o mais difícil está feito. Agora é esperar o momento do início da festa”, escreveu Everardo Lopes para o Jornal dos Sports, em 16 de Junho de 1951).

 

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Sim, seria uma festa, disso todos tinham certeza… os brasileiros estavam inteiros nisso, de coração… mas será que dessa vez o anfitrião ficaria com o título? Será que dessa vez a Copa ficaria no Brasil?

IV – O MUNDIAL DE CLUBES VEM AÍ

“A história é testemunha do passado, luz da verdade, vida da memória…” – Cícero
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1951 chegara… a Europa, ainda cheia de escombros, ia se refazendo dos estragos da guerra, mas continuava sofrendo pelo horror vivido, sofria com a falta de dinheiro… Em outro ponto do planeta, norte-coreanos e chineses, em guerra com a Coréia do Sul, capturavam Seul… A Federação Internacional de Automobilismo (FIA) preparava a sua segunda temporada de F1, que, na época, era disputada só no continente europeu e em apenas oito corridas (um campeonato com 21 corridas, como aconteceria décadas depois, era impensável naquele tempo em que as viagens eram mais complicadas e sair da Europa era muito difícil)…. Na Argentina, aconteceriam os primeiros Jogos Pan-americanos… e em terras brasilis o primeiro Mundial de Clubes era organizado.

E nesse início de Janeiro, o Mundial de Clubes era o assunto do universo futebol… No Jornal dos Sports, a coluna de Pierre Rimet informava que o presidente da FIFA afirmara que “A Copa Rio”, Torneio Mundial dos Clubes Campeões, deveria bisar o triunfo do Campeonato Mundial de 1950″. As expectativas eram muitas…

Na primeira semana do ano, a notícia era sobre a chegada, nos próximos dias, de Ottorino Barassi – o dirigente da Fifa e presidente da Federação Italiana – que mantinha estreita ligação com a CBD e vinha ao Brasil para ultimar providências para a realização do 1º Torneio Mundial de Clubes Campeões (Jornal do Brasil – 06/01/51)

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No Brasil, enquanto aguardavam Barassi, os homens do Conselho Técnico da CBD  se reuniam para tratar do palpitante assunto do momento: o Campeonato Mundial de Clubes Campeões. O Conselho Técnico de Futebol da CBD , sob o comando de Castelo Branco, organizava o regulamento da competição. (Correio da Manhã – 09/01/51)

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E o mundial de clubes, em sua inédita edição – o seu primeiro formato na história – já fazia tanto sucesso, antes mesmo de estar totalmente organizado, que “os dirigentes ingleses, impulsionados à modernidade por Sir Stanley Rouss e Mr. Arthur Drewry, queriam/se decidiam a organizar, em 52, um Torneio Mundial de Clubes Campeões mais  ou menos idêntico ao torneio idealizado por Mario Filho”,  que se realizaria no Rio de Janeiro naquele ano.

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Até o comércio pegava carona na grande badalação que era o Torneio Mundial dos Campeões… e fazia ofertas com “Preço Campeão”…

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Em 30 de janeiro, vindo de Roma, Ottorino Barassi, presidente da Federação Italiana de Calcio e vice-presidente da FIFA, chegava ao Brasil para tratar com a CBD dos assuntos do torneio mundial – (Jornal dos Sports, 30/01/51).

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Fevereiro mal iniciara e a CBD já se reunira outra vez, e exclusivamente por causa do Campeonato Mundial de Clubes Campeões. E ficou decidido que no torneio seriam dois grupos de quatro times cada um.  Vasco e Palmeiras seriam os cabeças de chave do grupo do Rio de Janeiro e de São Paulo respectivamente (com jogos no Rio e em São Paulo, a recém inaugurada Via Dutra, que ligava os dois estados, facilitaria a vida de muitos torcedores). Faltava Ottorino Barassi definir os demais participantes.

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Barassi, que tinha ido à Argentina, chegava ao Brasil mais uma vez e, no mesmo dia,  esteve na CBD conversando com os dirigentes e com os jornalistas credenciados. E, embora por aqui se especulasse muito sobre os países que participariam do mundial de clubes, durante a conversa, Barassi e CBD combinaram que, dentro de alguns dias, eles se reuniriam mais uma vez para acertarem quais países, por intermédio de seus clubes campeões, seriam convidados a participar  do  torneio.

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O CND (Novo Conselho Nacional de Desportos) estudava até a possibilidade de reatar relações com a AFA, a Associação de Futebol da Argentina, estudava aceitar o apaziguamento insinuado pelo chanceler argentino Jesus Paz,  e convidar o Racing para o torneio – as relações haviam sido cortadas depois que os argentinos, sem maiores explicações, se recusaram a participar da Copa do Mundo no Brasil (Jornal da Noite, edição 050591) – na verdade, segundo o que diziam alguns, a explicação existia sim, e a recusa da Argentina em participar se dera pelo fato de a Copa ser no Brasil, e a Argentina querer sediar a Copa.

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Barassi ‘quebrava a cabeça’ para fechar a parte dos europeus que viriam para o mundial – como era o primeiro  torneio no gênero, o primeiro mundial de clubes, e não havia um critério determinado, os participantes tinham que ser convidados, não havia outro jeito, e como a Europa ainda vivia muitas dificuldades pós guerra,  ficava mais difícil ainda. O dirigente adiantava que Uruguai, Itália, Inglaterra, Portugal e Espanha estavam entre os países que seriam convidados, e ele acreditava que todos aceitariam (como constataríamos depois, Uruguai, Itália e Portugal aceitariam sim o convite do dirigente da Fifa). Barassi achava que, muito provavelmente, a outra vaga acabaria sendo da Suíça. 

Em Portugal, uma notícia equivocada (falsa) dizia que o mundial não mais se realizaria e que teria sido Jules Rimet a afirmar isso, mas a CBD desmentia e garantia que a realização do mundial estava firme – Jules Rimet também desmentiria e esclareceria o assunto depois.

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A organização do mundial – programado desde Julho de 1950, e cuja ideia existia desde Março desse mesmo ano e contava com a concordância de todos os presidentes de clubes brasileiros -,  ia encorpando…

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Era uma novidade a cada dia… Dois árbitros ingleses – um deles, que estivera apitando na Copa do Mundo –  estariam entre os árbitros do Mundial dos Campeões, e Barassi, por telefone, adiantava que um time da Áustria deveria participar do torneio. Barassi também informava que Mr. Stanley Rouss viajaria para o Brasil em sua companhia para integrar a comissão organizadora do torneio.

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O frisson pelo mundial prestes a acontecer era cada vez maior no Brasil. Os dias se tornavam ansiosos, inquietos… E como os participantes europeus ainda não estavam definidos, as especulações, como não poderia deixar de ser, eram muitas… mas já se podia quase afirmar que Itália, Iugoslávia, Portugal e Uruguai mandariam os seus representantes – o futebol italiano e o uruguaio eram bicampeões do mundo. Em relação à Espanha, a derrota para o selecionado brasileiro na Copa, por 6 x 1, e a grande significação da Copa Rio – era uma “outra Copa do Mundo” – deixava inseguros os seus representantes quanto a disputar o Mundial de Clubes. Atletico de Madrid, campeão espanhol, e o Barcelona, campeão da Copa Generalíssimo Franco,  achavam impossível vencer no Brasil. E depois de a Portuguesa ter vencido o campeão espanhol em Madrid, o futebol espanhol acabou convencido da absoluta superioridade do futebol  brasileiro. Além disso, achavam que o Mundial de Clubes serviria apenas para que o Brasil reeditasse a goleada imposta à Espanha na Copa. No “Diário da Noite” a notícia contava que o campeão espanhol fugira do Torneio Mundial de Campeões.

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Era quase confirmada a ausência da Inglaterra (por problemas financeiros o Tottenham acabaria declinando do convite) e, em seu lugar, diziam, deveria participar a França. A Áustria, cujo campeão, o Austria Wien, derrotara o campeão inglês, também queria participar. A participação da Iugoslávia, Portugal e Itália estavam asseguradas.

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Junho, mês em que o mundial teria início  – a partida de abertura seria no dia 30 -, estava quase chegando… e aconteceria mais uma conversa da diretoria da CBD com o Presidente da República, Sr. Getúlio Vargas, que nesse ano de 1951, estava em seu segundo mandato como o 17º presidente do Brasil – dessa vez eleito pelo voto direto.

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O Nacional, do Uruguai  – país cuja seleção atravessara a faca no coração dos brasileiros na Copa do Mundo -, pediu à CBF o regulamento e alguns esclarecimentos sobre ele, a fim de poder confirmar a sua inscrição. E era muito grande a expectativa e a alegria, dos brasileiros pela participação do time campeão uruguaio de 50 no Torneio Mundial de Clubes Campeões… era grande a vontade de enfrentar os uruguaios mais uma vez.

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Durante os primeiros meses desse novo ano em que o mundial era organizado, o Brasil ganharia 32 medalhas no primeiro Pan-americano (5 de ouro, 15 de prata e 12 de bronze), ficando em 5º lugar… o “Trio de Ouro” faria sucesso com a música “Vingança”, de Lupicínio Rodrigues… Juan Manuel Fangio, no Grande Prêmio da Suíça, em Maio, conquistaria o seu primeiro campeonato na Fórmula 1… O Palmeiras, que se sagrara campeão da Taça Cidade de São Paulo 1950,  campeão Paulista de 1950  – o campeonato terminara em Janeiro de 51 -,  conquistaria ainda o Torneio Rio-São Paulo de 1951 – com alguns resultados muito expressivos, como a goleada de 7 x 1 no Flamengo (a maior goleada , até hoje, no confronto entre os dois clubes), 4 x 1 na Portuguesa, 4 x 2 no Bangu, 3 x 0 no São Paulo, 4 x 1 no Vasco (o outro participante brasileiro do mundial e favorito ao título para muita gente) e as duas vitórias decisivas sobre o Corinthians por 3 x 2 e 3 x 1 –  conquistaria também a Taça Cidade de São Paulo 1951 onde derrotou o São Paulo por 3 x 2 e  goleou o  time do Santos por 6 x 2. Com quatro títulos disputados e conquistados, o Palmeiras ia agora em busca da sua quinta coroa… o titulo do Torneio Mundial de Clubes Campeões.

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O campeonato paulista de 51, que teria início em 02 de junho, por determinação da CBD seria paralisado para que o Torneio Mundial de Clubes Campeões fosse disputado…

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Os meses passavam rapidamente, os dias corriam apressados, tagarelas, ansiosos… os torcedores brasileiros sonhavam com o mundial… um rapaz de vinte anos, que no futuro viria a ser o meu pai, e me daria por herança o verde dos meus olhos e o sangue verde que corre em minhas veias, sonhava com o Palmeiras conquistando esse grandioso torneio… sonhava com dribles, com gols de Jair da Rosa Pinto, com defesas do seu grande ídolo, Oberdan Cattani (“ele pegava a bola com uma mão só”, me contaria ele anos depois), sonhava com a faixa de campeão mundial em peitos palestrinos…  sonhavam também os jogadores do Palmeiras, os do Vasco… sonhavam os palmeirenses, os vascaínos… sonhavam todos os brasileiros… já era chegada a hora de preparar a alma pra ser feliz…

(Continua na próxima terça-feira, 04/09)

III – YES, NÓS TEREMOS OUTRA COPA DO MUNDO

“Fisicamente, habitamos um espaço, mas, sentimentalmente, somos habitados por uma memória” – José Saramago
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E todo mundo já sabia, estava nos jornais, haveria uma outra Copa do Mundo no Brasil… (SILVA, Geraldo Romualdo da – “Outra Copa do Mundo no Brasil” – Jornal dos Sports, 05/08/50, pág. 5)

As notícias do Mundial de Clubes Campeões começavam a ganhar (mais) manchetes… e contavam aos leitores sobre os “aplausos dos altos dirigentes da FIFA e das entidades internacionais ao torneio”… Seria “um certame de proporções gigantescas, dentro de um estádio com condições de receber as maiores assistências jamais reunidas em qualquer praça de esportes – como se constatara na Copa do Mundo… um campeonato mundial de clubes com a repercussão autêntica de uma Copa Mundial” (Jornal dos Sports,  21/07/50 – “Parada Mundial de Clubes Campeões”).

.O Mundial de Clubes Campeões ganhava  manchetes na Europa também…

Em Setembro de 1950, o jornal londrino “World Sports” noticiava: “WORLD SOCCER CHAMPIONSHIP FOR CLUBS NEXT YEAR” (“Um Campeonato Mundial de Clubes no próximo ano”)… e afirmava: “os brasileiros já discutiram a respeito do projeto com o Sr. Jules Rimet, presidente da FIFA, e com Sir Stanley Rouss, secretário da F.A (Football Association) – Jornal dos Sports, 1950 – edição 06450(1) – “Um campeonato mundial de clubes no Rio no ano próximo vindouro”.  (E pensar que mais de 60 anos depois, muita gente –  jornalistas, inclusive -, por puro despeito e pequenez, ia querer desmentir isso, desmentir o que noticiou a imprensa da época, ia querer sumir com uma página linda do futebol brasileiro e mundial) 

Sim, haveria um campeonato mundial de clubes no ano seguinte, em 1951. E as providências já estavam sendo tomadas…

A diretoria da CBD foi até o Palácio do Catete (na época, o Rio de Janeiro era o Distrito Federal, a capital do Brasil) cientificar o então presidente da república, Getúlio Vargas, sobre a realização em nosso país do Torneio Mundial dos Campeões – Jornal dos Sports, 1950, edição 05067-1. (Era um torneio importante, de grande relevo, por isso que o presidente da república, em audiência especial, precisava ser informado sobre a sua realização)

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Na Europa, Otorino Barassi cuidava de inscrever os clubes que viriam para o torneio. Os contratempos eram muitos e, embora grande número de clubes tivesse interesse em participar – até a Índia mandaria  telegrama -, nem todos poderiam vir.  A Hungria, por exemplo, estava exilada pela União Soviética do futebol internacional; e a Alemanha Ocidental,  naquele ano de 1950,  estava banida pela FIFA.

A ideia de mandarem os campeões nacionais dos países europeus para esse primeiro mundial de clubes já não parecia muito viável em alguns casos, uma vez que, enquanto nos trópicos é verão, na Europa é inverno e vice-versa; quando os campeonatos na Europa estavam terminando, os daqui já estavam começando… sem contar que em alguns países, na Áustria, por exemplo, os campeonatos começavam num ano e terminavam no seguinte… seria difícil prever alguns campeões de 1951, os da Itália e da Áustria, por exemplo (os campeonatos paulista e carioca de 51 também estariam apenas começando por ocasião do mundial de clubes), e ainda haviam os problemas todos ocasionados pela guerra, a falta de dinheiro, as prováveis desistências – como acontecera na Copa do Mundo. Barassi, inteligente, sagaz, se preocupava em fazer o torneio de alto nível e, enquanto acompanhava o desenrolar de alguns campeonatos, objetivava mandar ao Brasil os melhores times, os que tivessem os melhores jogadores, os que tivessem jogadores que atuaram bem na Copa do Mundo de 1950, os que tinham encantado os torcedores na ocasião, como, por exemplo, Mitic, da seleção da Iugoslávia, cheia de craques, e que  no jogo contra o Brasil, na Copa do mundo que acabara de se realizar,  tinha dado dor de cabeça para a torcida brasileira.

No Brasil, em 18 de Setembro de 1950, era inaugurada a PRF3 TV Tupi de São Paulo, a emissora fundada pelo jornalista Assis Chateaubriand. Era a primeira emissora de televisão da América do Sul, a quarta do mundo. Mas os receptores eram bem caros. Ao preço de 12.950 cruzeiros (receptor GE com tela de 12,5 polegadas – 32 cm) mais 1.600 pela antena externa e 1.100 pelo estabilizador de voltagem – mais ou menos 41 salários mínimos no total – , bem poucos aparelhos seriam comprados pelos brasileiros até o final do ano.

O primeiro jogador a aparecer na TV, no dia seguinte à inauguração da TV Tupi, em uma entrevista, foi Baltazar, do Corinthians. As primeiras imagens de uma partida a serem mostradas na TV, dias depois, foram do jogo São Paulo 2 x 0 Portuguesa.

E  27 dias após a inauguração, a TV Tupi mostrou flashes, ao vivo, do jogo Palmeiras 2 x 0 São Paulo, diretamente do Pacaembu.  Era um domingo, 15 de Outubro. O ponteiro esquerdo Brandãozinho, autor dos dois gols palmeirenses, foi o primeiro jogador na história do futebol brasileiro a marcar um gol ao vivo, aos 41minutos do segundo tempo. Do primeiro gol, marcado por ele 13 minutos antes, a TV mostrara apenas a comemoração. (GEHRINGER, Max – A grande história dos mundiais. 1950, 1954, 1958) Histórico… o primeiro gol ao vivo da TV brasileira foi um gol do… Palmeiras…

A TV ia ajudar – seria fundamental – a popularizar o futebol como tanto almejava Mario Filho. E se na Copa, ocorrida três meses antes da inauguração da TV, os brasileiros ficaram no radinho, no campeonato mundial de clubes a coisa já seria diferente. E por isso também ele ganhava ainda mais importância.

E porque o torneio tinha muita importância, e porque só dois representantes brasileiros participariam do mundial de clubes, muitos se perguntavam:

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                                                      (Jornal dos Sports, 05/12/50)

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…………………………………………………………..(Jornal dos Sports, 06/12/50, pág5)

Muitas pessoas se preocupavam com os outros clubes brasileiros. O que fariam eles durante a disputa do mundial além de assistir e torcer? No final do ano de 1950, ainda se pensava que em São Paulo alguns jogos do campeonato paulista poderiam acontecer em outras localidades, como Campinas, Piracicaba, durante o torneio mundial; no entanto, se estabeleceria depois, os campeonatos paulista e carioca seriam paralisados durante a disputa do mundial de clubes. E, no final das contas, muitos clubes brasileiros fariam amistosos com outros times estrangeiros que estariam no país na ocasião, sem contar que o mundial duraria aproximadamente 22 dias apenas e os outros clubes não seriam prejudicados como ainda pensavam alguns no final daquele ano.

1950 ia chegando ao fim… o início do novo ano já acenava e sorria para o Brasil. E o novo ano traria o Torneio Mundial de Clubes Campeões… E, num tempo em que muita gente  pensava que o Rio de Janeiro era a capital da República Argentina, e que nas ruas haviam macacos, cobras e outros bichos ameaçando a vida das pessoas, o futuro Torneio Mundial de Clubes Campeões (Copa Rio de Janeiro) seria uma propaganda maravilhosa para a gente e as coisas do Brasil , como escrevera o francês Albert Laurence – dos periódicos “L’Équipe”, “France Football” (algumas notícias davam conta de que ele fazia parte também da assessoria de imprensa da Fifa) -, na “Crônica Internacional” do Jornal dos Sports  naquele início de Dezembro …

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E já se falava que no regulamento do mundial um novo dispositivo seria incluído: cada clube poderia inscrever 22 jogadores, mas só poderia trazer 18 ao Brasil. Os outro quatro ficariam em seus países constituindo uma reserva de emergência (Jornal dos Sports, 12/12/50 – “Inscrições para o Torneio Mundial de Clubes”).

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E logo depois do Natal de 1950, em 28 de Dezembro, o Conselho Técnico da CBD já se reunia e começava a esboçar o regulamento do Torneio Mundial dos Clubes Campeões… (Jornal dos Sports, 28/12/50 – “Notícias da C.B.D” / Correio da Manhã, 30/12/50 – “Nova fórmula para o Torneio de Campeões Mundiais”)

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Mas havia quem temesse que a CBD acabasse apresentando uma regulamentação nos mesmos moldes da que  Ottorino Barassi apresentara – como se fosse criação do Conselho Técnico da CBD -, ou ainda que Castelo Branco inventasse um novo regulamento, porque não havia tempo para que se começasse a tratar do assunto de novo; Ottorino Barassi tinha todos os motivos para considerar aprovado o projeto.

Os jornais também diziam que, enquanto em Londres tratavam do Campeonato Mundial de Clubes como o grande acontecimento do futebol do próximo ano, aqui, no Brasil, ninguém tomava providência – a gente sabe, brasileiros são mais sossegadões mesmo (Jornal dos Sports, 29/11/50 – “O papel de Barassi”).

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Todo mundo queria a realização do Mundial de Clubes no Brasil, e as notícias, mesmo quando tratavam de clubes brasileiros em viagem à Europa, sempre davam algum relevo à realização do Campeonato Mundial de Clubes Campeões no ano seguinte (Jornal dos Sports, 14/11/50).

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E as primeiras luzes de 1951 chegariam com o futebol brasileiro vivendo as  emoções do Torneio Mundial de Clubes Campeões que se aproximava… Palmeirenses, vascaínos, os brasileiros todos, já respiravam mais forte, já sentiam o coração bater diferente quando pensavam no torneio mundial… e sonhavam acordados com essa conquista…

(Continua no próximo sábado, 01/09)

II – E O TORNEIO MUNDIAL COMEÇA A SER ORGANIZADO

A grandeza não consiste em receber honras, mas em merecê-las. (Aristóteles)
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Como ainda não existiam naquela época competições que pudessem servir como eliminatórias pra indicar os participantes de um torneio mundial de clubes, algo inédito até então, eles decidiram, a princípio, convidar os campeões nacionais de países da América do Sul e da Europa considerados potências futebolísticas naquele início de década, e que participaram da Copa do Mundo.

No Brasil ainda não havia um campeonato nacional que pudesse indicar os participantes desse torneio – a Taça Brasil, o primeiro campeonato nacional,  só surgiria em 1959 (o Bahia seria o primeiro campeão brasileiro; em 1960, seria o Palmeiras) -, e também não seria possível disponibilizar datas para a inclusão de uma nova competição no calendário nacional. Como os torneios mais importantes do país eram os campeonatos estaduais do RJ e de SP e o Torneio Rio-São Paulo – a disputa entre os dois estados onde havia o melhor futebol e o maior número de craques do Brasil – a CBD e a FIFA  decidiriam que Palmeiras e Vasco (os campeões desses estados em 1950), seriam os representantes brasileiros no torneio mundial de clubes campeões.

Claro que teve alguma reclamação de alguns que ficaram de fora, claro que teve choradeira até mesmo de alguns (poucos) jornalistas por causa dos clubes que não participariam. Mas não teve camaradagem na escolha dos representantes do Brasil não… Palmeiras e Vasco eram os melhores times do país naquele ano, eram os campeões de São Paulo e Rio de Janeiro – os dois estados com o futebol mais forte do país. O time de Parque Antártica entraria na nova década com quatro conquistas de “Campeonatos Paulistas” (1942, 1944, 1947 e 1950 – por ocasião do mundial de clubes, o campeonato estadual de 51 estaria ainda em seu início, e seria paralisado para o torneio mundial) -, dois “Torneios Início do Campeonato Paulista” (1942 e 1946) e três “Taças Cidade de São Paulo” (1945, 1946 e 1950) – o Palmeiras ainda conquistaria o “Torneio Rio-São Paulo”-1951, a “Taça Cidade de São Paulo”-1951 – o Torneio Mundial de Clubes Campeões, se conquistado,  tornaria o Palmeiras  “Campeão das Cinco Coroas”. O Vasco, por sua vez, tinha sido campeão carioca e a base da seleção brasileira na Copa disputada no Brasil  – 8 jogadores, o técnico e também o massagista –  (os palmeirenses Jair da Rosa Pinto, Juvenal e Rodrigues Tatu também haviam defendido a seleção na Copa – Juvenal e Rodrigues Tatu vieram para o Palmeiras depois do mundial de seleções). Sendo assim, Palmeiras e Vasco teriam a honra de serem, merecidamente, os representantes do Brasil no Mundial de Clubes Campeões.

O patrocínio, que Ottorino Barassi desejava para o torneio, logo apareceria… e, pelo que se podia perceber, viria da prefeitura do Rio de Janeiro. [Diário da Noite, edição 05065(1)]

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Barassi, uma das grandes autoridades do futebol mundial, ia voltar para a Europa. Na véspera da viagem, por iniciativa da CBD (Confederação Brasileira de Desportos), da Federação Metropolitana de Football e dos clubes cariocas, ele foi homenageado com um almoço no restaurante do aeroporto Santos Dumont. Tratava-se de um importante contato para o campeonato mundial de clubes. O campeonato idealizado por Mario Filho caminhava para se tornar realidade (Jornal dos Sports, edição 064362, 1950 – “Realidade para o Campeonato Mundial Dos Clubes”).

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Ottorino Barassi sabia, e não se cansava de repetir: “Só o Rio comportará um acontecimento dessa transcendência. Só mesmo o Rio, com a praça de esportes que tem, com esse entusiasmo incomparável de sua gente, com essa prova de altivez ao revés, poderá lançar-se a tão alto projeto”.

E nesse almoço, Barassi sugeriu um nome para o campeonato mundial de clubes que organizavam e que a Prefeitura do Rio de Janeiro já insinuava que iria patrocinar (mais à frente, ela mandaria confeccionar a taça que seria entregue ao campeão e ao vice). Pediu especial atenção dos que o rodeavam (prestem atenção também os que leem esse texto agora, em 2018), pigarreou, e disse que já tinha um nome para o Campeonato Mundial de Clubes. Fez uma pausa e disse: “Copa Rio de Janeiro”. Outra pausa, e ele fez um adendo: “Copa Rio”. Sorrindo, se justificou: “Mais simples. Mais Popular. Pegará mais depressa”. [Jornal dos Sports – edição 06427(1)] 

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E foi assim, por ideia de Ottorino Barassi – por causa do patrocínio que viria da prefeitura também, claro -, que o Torneio Mundial de Clubes Campeões,  que não deixaria de ser um mundial de clubes em nenhum momento, ganhou o nome de “Copa Rio”, mas só depois de ter sido idealizado como um campeonato mundial de clubes, e não o contrário.

E então, o torneio começava a ser realmente organizado. E era considerado uma conquista do futebol brasileiro. As adesões entusiásticas da FIFA (Jules Rimet se colocara à disposição do futebol brasileiro para que vingasse a ideia do campeonato mundial de clubes), da Inglaterra, Itália e outros países à ideia de Mario Filho de realizar um mundial de clubes, poderiam ser traduzidas como o reconhecimento da liderança que estava sendo pretendida para o futebol do Brasil. Porque só um centro completamente evoluído, completamente amadurecido e completamente aparelhado, como era, futebolisticamente falando, o Rio de Janeiro naquela época – e com um estádio como o Municipal do Rio de Janeiro -, poderia ter a pretensão de realizar um campeonato de tal vulto, apenas um ano depois da Copa do Mundo no Brasil (Jornal dos Sports, 1950 – edição 06419).

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A imprensa atual, a do século XXI, numa injustiça tremenda com um dos maiores jornalistas esportivos da nossa história, pouco lembra de Mario Filho como o idealizador do primeiro Torneio Mundial de Clubes Campeões e, na maioria das matérias a respeito dessa competição, quase nunca lemos algo o ligando à idealização do torneio (Jornal dos Sports, 1950 – edição 06418, O CORAÇÃO DO MUNDO FOOTBALLÍSTICO).

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.Mas naquele meio de século, naquele distante 1950, a imprensa esportiva sabia que esse primeiro campeonato mundial de clubes era uma grande distinção ao Brasil, e ela apelava aos dirigentes de clubes e entidades do país para que não deixassem a ideia morrer, e levassem a sério a organização do torneio. Os benefícios para o Brasil – diziam os jornais – para o esporte brasileiro, para o futebol brasileiro, para os clubes e entidades, seriam ainda maiores do que os que foram prestados pela Copa Jules Rimet. Primeiro, porque  seria um prêmio que o futebol mundial reconhecia que o Brasil merecia; segundo, porque beneficiaria diretamente os clubes e as entidades no Brasil. Os campeonatos do Rio e de São Paulo ganhariam em interesse, em atenção, uma vez que iam designar os representantes do Brasil no campeonato mundial de clubes, assim como o Torneio Rio-São Paulo seria igualmente beneficiado. E isso iria além do interesse clubístico. O interesse era do Brasil, que seria mais uma vez palco de um campeonato mundial [Jornal dos Sports, 1950 – edição 06419(2) – O CAMPEONATO MUNDIAL DE CLUBES].

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Os periódicos temendo que, por falta de organização, o Brasil perdesse a chance de realizar o mundial de clubes, cobravam da CBD que ela corresse mais na direção desse grande projeto, e não perdesse a chance, porque a ideia do mundial já existia e outros países poderiam se antecipar ao Brasil (a ideia do mundial de clubes agradava à muitas federações estrangeiras. Estava cheio de gente de olho nele). Todavia, alguns jornalistas –  e alguns dirigentes europeus também – temiam que o tempo fosse escasso para se realizar mais um campeonato mundial no Brasil – era mesmo.  Diziam que um campeonato desse vulto, um torneio mundial de clubes, só poderia ser realizado em 1952,  porque não daria tempo de organizá-lo para 1951 [Jornal dos Sports – edição 06417(1) -Olimpicus – O campeonato Mundial de Clubes É UM GRANDE PROJETO].

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Mas, por outro lado, depois da realização da Copa Jules Rimet, e do estádio municipal do Rio de Janeiro construído a tempo, com tanto sucesso,  e quando muitas pessoas achavam que ele não ficaria pronto (a obra terminou em 12 de Junho, doze dias antes do início da Copa do Mundo), os dirigentes da Fifa costumavam dizer que “para os brasileiros nada seria impossível” . Na verdade, antes da conclusão da obra, a Fifa temera sim que o estádio não ficasse pronto para a Copa, e Barassi, que muito fez para que os prazos fossem cumpridos, que cobrou as pessoas responsáveis, que insistiu, ficou ‘em cima’ para que o aprontassem em tempo, foi de uma ajuda inestimável na ocasião.

Será que o Brasil, com a ajuda de Barassi na organização, conseguiria vencer o tempo mais uma vez e promover um mundial de clubes? Conseguiria, no prazo de um ano, e mesmo com todos os problemas que a guerra causara à Europa, trazer grandes times europeus ao torneio em 1951?

(Continua na próxima quinta-feira, 30/08)

Eu sempre soube que o Palmeiras conquistou um campeonato mundial de clubes em 1951… Alberto Vicente, meu pai, assistiu aos jogos em São Paulo, foi assistir à final no Rio de Janeiro e, muitos anos depois, me contou sobre aquela emoção, sobre o que significou aquilo tudo, me mostrou uma foto – daquelas de borda toda recortada –  feita naquele dia… Oberdan Cattani, o ídolo maravilhoso da história do Palmeiras, o goleiro de 3 das sete partidas do mundial, me contou também, me mostrou fotos, faixas… Fabio Crippa, o goleiro das semifinais e finais – que um dia conheci num dos aniversários de Oberdan (Deus é bom comigo, não?) -, também me falou brevemente a respeito da alegria de ter sido campeão mundial… Tive o privilégio de conhecer Valdemar Fiume (na casa do Oberdan também, mas em uma outra, e mais antiga, oportunidade – Deus me mima) e beijar as suas mãos (não tive como beijar seus pés na ocasião)… a taça, maravilhosa, repousa lá no Palestra e eu a vi de pertinho… senti a energia que ela carrega com ela…

Talvez, essa tenha sido a mais linda história que o Palmeiras, os palmeirenses (meu pai, inclusive), os cronistas,  os dirigentes da CBD, alguns dirigentes estrangeiros, e os brasileiros todos da época escreveram… e é pra eles, para os palmeirenses de outrora, para os palmeirenses de hoje, e para os palmeirenses que ainda irão nascer, que escrevo agora.

 

TORNEIO MUNDIAL DE CLUBES CAMPEÕES 1951 – “COPA RIO”…

“A memória guardará o que valer a pena. A memória sabe de mim mais do que eu, e ela não perde o que merece ser salvo” – Eduardo Galeano

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I – SURGE A IDEIA DO MUNDIAL DE CLUBES 

Logo após  a derrota da seleção brasileira para a seleção uruguaia, na final da Copa do Mundo de 1950, em pleno Estádio Municipal do Rio de Janeiro (Maracanã); logo após a frustração e dor que essa derrota causara para todo um país… Depois de quase 200 mil pessoas, numa demonstração de extrema grandeza e civilidade, encontrarem forças para aplaudir os adversários vencedores mesmo estando com o coração em pedaços e os olhos cheios de lágrimas… depois de quase 200 mil pessoas deixarem o Maracanã desoladas, em absoluto e estarrecedor silêncio, e sem querer nem mais ouvir falar em futebol, a CBD (Confederação Brasileira de Desportos) começou a organizar  uma competição que já vinha sendo pensada/sonhada/desenhada antes mesmo da Copa do Mundo.

Em 1950, antes da Copa se iniciar, um jornalista chamado Mario Filho (irmão do também jornalista e escritor Nelson Rodrigues), um pernambucano que vivia no RJ, um apaixonado por futebol, que era proprietário do ‘Jornal dos Sports’ (o de maior circulação na América do Sul), e em seu trabalho mudava a linguagem das notícias futebolísticas – a fazia mais parecida com a linguagem dos torcedores, com a intenção de tornar o esporte cada vez mais popular -, esse profissional, apaixonado por futebol, era também um apaixonado pelo então recém construído Estádio Municipal do RJ,  e muito por causa desse estádio  ele teve a ideia de um Torneio Mundial de Clubes.

No ano anterior, em 1949, a Fifa tinha garantido que a Copa do Mundo de 1950 seria no Brasil. A princípio, e depois de todas as atribulações causadas pela Segunda Guerra na Europa, e de mais de uma década sem o torneio mundial de seleções, a Copa do Mundo seria em 1949, mas foi postergada para 1950 para dar mais tempo ao Brasil de se preparar, e para os europeus se recuperarem dos estragos feitos por Hitler. Havia também falta de dinheiro generalizada na Europa; a guerra havia drenado todos os recursos das nações envolvidas, e nem todas tinham dinheiro para a viagem, ou estavam dispostas a cruzar o Atlântico naquele começo de década (muitos países, vivendo ainda entre escombros da guerra, achavam que não era a hora de se pensar em futebol, em sediar uma Copa do Mundo).

Naquele tempo, não era fácil garantir com antecedência os participantes de uma Copa do Mundo, de um torneio mundial. Qualquer time poderia desistir a qualquer momento, e os motivos poderiam ser vários: a falta de recursos, desinteresse ou desavenças com outras nações participantes. Hoje, quando há tantas lágrimas em campo quando um time não consegue a tão sonhada vaga na Copa do Mundo, não dá para se imaginar que em 1950 a FIFA teve que se desdobrar para evitar que o seu principal torneio não tivesse seleções suficientes. Muitas seleções desistiram por falta de dinheiro, algumas recusaram em cima da hora  – mesmo com o temor de um esvaziamento, mesmo com tantas desistências, e com menos seleções participantes do que o previsto, a Copa no Brasil acabaria sendo um sucesso.

E com a Copa assegurada para o Brasil, a construção de um estádio no Rio de Janeiro – projeto antigo, e que havia sido engavetado – começou a virar frenética realidade. Mario Filho se empenhou tanto na construção do Estádio Municipal do Rio de Janeiro (ele fazia campanha pela sua construção desde o final da década de 30), combateu fortemente a ideia do político  Carlos Lacerda – que o queria mais modesto, com aproximadamente 60 mil lugares, e construído em Jacarepaguá, afirmando ser essa a vontade do povo -, conseguiu o apoio da opinião pública para que o estádio fosse construído no bairro Maracanã, se empenhou para que ele viesse a ser o maior do mundo… Ele tanto fez pelo estádio que acabou ganhando o apelido de “namorado do estádio”, estádio que seria o grande palco da Copa do Mundo em 1950. E o gigantesco palco do futebol, o maior do mundo – um dos 6 estádios da Copa, onde o Brasil jogou a maioria das suas partidas -, acabaria sendo merecidamente batizado – em 1966, um mês depois da morte do jornalista – como “Estádio Municipal Jornalista Mario Rodrigues Filho”.

E porque o Brasil tinha esse estádio maior do mundo – nenhum outro país possuía um igual, com tantos lugares -, e  por causa do sucesso técnico e financeiro da Copa Jules Rimet (que tanto agradaria à CBD e à FIFA), só aqui seria possível se realizar uma competição com a grandeza de um mundial entre clubes campeões. Era o que acreditava Mario Filho (o tempo mostraria que ele tinha toda razão).

Mas a ideia do Mundial de Clubes surgiria antes mesmo da Copa se iniciar… Segundo uma publicação de 1950 [Jornal dos Sports, 1950 – edição 06427(1)],  tudo começou num fim de tarde, dentro de um carro que se dirigia à Copacabana… Na ocasião, vivia-se a ansiedade pela  Copa do Mundo, a grande agitação que precedia a chegada das primeiras seleções inscritas no torneio.

No carro, Mario Filho, Ricardo Serran, Mario Julio Rodrigues e o também jornalista Geraldo Romualdo da Silva – que escreveria sobre isso no jornal depois. Mario Filho expôs a ideia de um torneio mundial de clubes, uma disputa entre grandes clubes campeões da América do Sul e da Europa. Eles debateram a ideia e, ali mesmo, combinaram que não se tocaria no assunto sobre o torneio enquanto Stanley Rouss (Football Association – ele foi o responsável pela comissão de arbitragem na Copa de 50), Ottorino Barassi (Federazione Italiana Giuco del Calcio e FIFA) e Jules Rimet (presidente da FIFA) não tomassem conhecimento do plano. No entanto, Serran alertava aos demais: “não podemos permitir que a ideia fique em sigilo muito tempo”.

E foi num jantar, realizado pouco tempo depois, onde estiveram presentes o jornalista Mario Filho, idealizador do torneio,  o presidente da CBD, Sr. Mario Pollo, Stanley Rouss, Arthur Drewry (que já começava a preparar a sua candidatura à sucessão de Jules Rimet na FIFA), Jules Rimet, Ottorino Barassi (no Brasil, alguns jornais grafavam o nome dele com um único “t” – “Otorino”), Sotero Cosme e José Lins do Rego, que a ideia foi comunicada aos representantes do futebol mundial, e eles se mostraram francamente de acordo – desses participantes do jantar,  Jules Rimet, Stanley Rouss (seria eleito presidente da Fifa em 1961) e Ottorino Barassi (criaria a UEFA e também participaria efetivamente da criação da Champions League muitos anos depois) fizeram parte do comitê responsável pela organização da Copa do Mundo de 1950.

Barassi, o homem que organizara as copas de 34 e 50 (indicado por Jules Rimet), e que durante a guerra, escondera a Taça Jules Rimet  dos nazistas que ocupavam a Itália (ele teria tirado o troféu do banco onde ele estava guardado e o colocado em uma caixa de sapatos, que pôs embaixo da cama), lembrou a todos que seria preciso conseguir um patrocínio oficial de um dos poderes públicos para o torneio. O presidente da Fifa, por sua vez, salientou que o assentimento da CBD (Confederação Brasileira de Desportos) e a solidariedade dos clubes e demais entidades no Brasil eram indispensáveis para o êxito do certame.

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O presidente da FIFA, o francês Jules Rimet, idealizador da primeira Copa do Mundo, havia nomeado oficialmente o italiano Ottorino Barassi para o comitê organizador do torneio, e Barassi, além da ajuda aos brasileiros, tomaria todas as providências para as inscrições dos clubes europeus.

A ideia de Mario Filho era a de uma competição que tivesse a mesma grandeza de uma Copa do Mundo, o mesmo arrebatamento, mas que fosse disputada por grandes clubes campeões da América do Sul e da Europa e não por seleções. E essa disputa só seria possível, segundo Mario Filho, por causa do Estádio Municipal. Não havia no mundo um maior e melhor para receber tão importante competição – depois da realização da Copa, do sucesso técnico e de público/arrecadação, depois da demonstração de civilidade da torcida com a seleção uruguaia  (tudo isso encantou os europeus e os dirigentes da Fifa), ficaria ainda mais claro, só aqui poderia ser realizado o primeiro torneio mundial de clubes.

Além disso, o torneio serviria (pensou-se assim depois da Copa) para que o Brasil pudesse dar uma resposta nas quatro linhas, serviria para que o futebol brasileiro voltasse a ser “A” referência em futebol, a permanecer na rota mundial do futebol, façanha conseguida com a realização da Copa do Mundo… serviria para que ele pudesse dar uma volta por cima e recuperasse o orgulho destroçado… para que ele pudesse conquistar o que, por descuido, tinha deixado escapar naquele doloroso e recente 16 de Julho de 1950… um título de campeão mundial.

E foi por tudo isso que, três dias depois do triste final da Copa; três dias depois de Jules Rimet – parecendo contrariado, triste – entregar a taça para o zagueiro uruguaio Obdulio Varela; três dias depois de milhares de brasileiros se abraçarem chorando convulsivamente de tristeza, no Maracanã, a CBD já se reunia para as deliberações do Torneio Mundial de Clubes Campeões.

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(A Parte II virá na próxima postagem)

“… Doera mais aquele 16 de Julho porque os uruguaios revelaram possuir uma qualidade que faltava aos brasileiros. Com menos football os uruguaios conseguiram a “Copa do Mundo”. Mereceram o título porque lutaram como campeões.O football brasileiro era o melhor do mundo, mas não era o campeão do mundo. Faltava-lhe alguma coisa para ser campeão do mundo. O principal, já que não bastava jogar melhor. Olhou-se para a derrota com um sentido de culpa. A culpa do brasileiro. Que falhara quando não podia falhar. Daí a expressão da conquista do Palmeiras. O Palmeiras só falhou quando podia falhar. Na hora da decisão cresceu. Superando, inclusive, o que depois de 16 de Julho, ficou sendo como o limite das exigências de cada um de nós àquele scratch brasileiro…

… o match final do mundial de clubes exigiu muito mais do Palmeiras do que aquele de 16 de julho do scratch brasileiro…

… foi o que tornou o 2 x 2 da finalíssima uma grande vitória. O QUE FOI PRECISO PARA CONQUISTAR O MAIOR TÍTULO JÁ CONQUISTADO POR UM CLUBE NO MUNDO, O QUE FOI PRECISO PARA DAR UM CAMPEONATO DO MUNDO AO BRASIL, O PALMEIRAS FEZ

… o Juventus foi uma equipe quase que perfeita. E se não chegou a mais, se não atingiu em cheio seus propósitos foi porque teve pela frente uma equipe como a do Palmeiras. A EQUIPE QUE DESPIU A SUA CAMISA PARA VESTIR A DO BRASIL“. – Jornal dos Sports, 1951.

PARABÉNS, PALMEIRAS! HÁ EXATOS 67 ANOS, O PRIMEIRO CAMPEÃO MUNDIAL DE CLUBES! #OrgulhoImenso